PROJETO DE LEI Nº /2021
(Da Sra. Talíria
Petrone e outros/outras)
Altera o artigo 155 do Código Penal para prever o furto por necessidade e o furto insignificante
e dá outras providências.
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º O art. 155 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal,
passa a vigorar com a seguinte redação:
Furto
“Art. 155..............................................................................................
............................................................................................................
§1º Para fins do disposto no caput, considera-se:
Furto por necessidade
I –
quando a coisa for subtraída pelo agente, em situação de pobreza ou extrema pobreza, para saciar sua fome ou
necessidade básica imediata sua ou de sua família;
Furto insignificante
II – se insignificante a lesão ao patrimônio do ofendido.
............................................................................................................
§ 2º Se é de pequeno valor a coisa furtada e se não for o caso de absolvição, o juiz deverá substituir a
pena de reclusão pela pena restritiva de direitos, ou aplicar somente a pena de multa.
................................................................................................................
§8º Não há crime quando o agente,
ainda que reincidente, pratica o fato nas
situações caracterizadas como furto por necessidade e furto insignificante, sem prejuízo da responsabilização civil.
§ 9º Em todas as modalidades de furto, a
ação penal se procede mediante queixa.”
(NR).
Art. 2º Esta
Lei entra em vigor na data de
sua publicação.
JUSTIFICATIVA
O crime de
furto, nas modalidades simples (art. 155, caput)
e qualificadas (art. 155, §§4º e 5º)1, é um delito cuja definição do
tipo, diferente do roubo, se caracteriza por uma violação patrimonial
despida de qualquer conteúdo violento, incluindo a violência física e a ameaça.
Tal delito, todavia, corresponde a 11,7% dos delitos pelos quais as pessoas se encontram encarceradas no Brasil –
terceiro país em população carcerária do mundo,
de acordo com dados mais recentes do INFOPEN de junho de 20172. Metade destes delitos corresponde a furtos
qualificados (pena de 2 a 8 anos na hipótese
do §4º e 3 a 8 anos na hipótese do §5º)3 e a outra
metade é referente ao furto simples (pena de
1
a
4
anos).
O
número
de
61.115 (11,7%) de
crimes de furtos tentados/consumados pelos quais as pessoas privadas
de liberdade foram condenadas
ou aguardam julgamento demonstra a importante incidência deste delito nas prisões brasileiras, em um contexto
estrutural de superencarceramento e superlotação prisional.
Este superencarceramento, por sua vez, incide majoritariamente sobre a população negra. Pesquisa acadêmica empírica e os diversos dossiês produzidos por órgãos internacionais, como a ONU4, têm demonstrado que o
funcionamento do sistema penal brasileiro é caracterizado por intensa seletividade racial5. Pessoas negras, quando investigadas ou processadas criminalmente, sofrem mais com
1 O delito previsto no
art.155, §4º-A, embora seja também uma modalidade qualificada, foi incorporado ao Código Penal apenas em 2018, não
constando no Relatório do INFOPEN ora utilizado que se refere a junho de 2017.
2 INFOPEN, Ministério da Justiça e Segurança Pública
(Departamento Penitenciário Nacional). Levantamento Nacional
de Informações Penitenciárias –junho de 2017. Disponível em: < http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen >. Acesso em: 14
de jan. 2020.
3 O §4º-A, conforme já afirmado, foi incluído pela Lei n.13.654 de 2018, não havendo situações
referentes a este caso no INFOPEN de junho/2017,
portanto.
4 Nesse contexto,
destaca-se trecho do Relatório Mundial 2015 sobre direitos humanos da ONU, no sentido de que “negros enfrentam risco
significativamente maior de encarceramento em massa, abuso policial, tortura e maus-tratos,
negligência médica e recebem sentenças maiores que os brancos pelo mesmo crime e a discriminação na prisão – sugerindo alto grau de racismo institucional”. ONU. Relatório mundial 2015: Brasil.
Condições das prisões, torturas e maus-tratos a detentos. Organização das Nações Unidas,
2016. Disponível em: https://www.hrw.org/pt/world-report/2015/country-
chapters/268103#3ea-6cd. Acesso
em 14 de jan. 2020.
arbitrariedades
policiais e judiciais e têm mais dificuldades de acesso à defesa no sistema de justiça criminal.6
O tratamento mais severo do sistema
penal contra pessoas negras e pobres se articula
com o racismo institucional, com aspectos socioeconômicos e demográficos, pressupostos morais e dinâmicas
técnico-processuais que não foram modificados no processo de democratização do país.7 Nesse sentido,
Renato Sérgio de Lima8, articulando diversas
pesquisas empíricas sobre o tema, observou que, nos crimes contra a propriedade, pessoas negras têm
mais chances de serem encarceradas do que
pessoas brancas. O pesquisador
percebeu ainda, a partir de análise de fluxos
processuais, que mulheres
negras são as mais vulneráveis ao processo de encarceramento9.
Assim, o delito de furto, que é um crime
sem violência contra a pessoa e, em geral,
de baixa lesividade10, dinamiza um
processo de criminalização desproporcional que resulta
em altas taxas de
encarceramento seletivo.
Outro aspecto político-criminal
importante em relação ao delito do art. 155 do
CP se manifesta quando comparamos a criminalização do furto em relação a outros
5 A seletividade
racial do sistema penal é evidenciada, por exemplo, no Relatório de Audiência
de Custódia realizado pela Defensoria Pública do Estado da Bahia. De um total de 1089 flagrantes analisados em 2015, a raça autodeclarada pelas pessoas presas em flagrante
foi de 99,3% de pretos/pardos. Em 2016, em um total de
4981 flagrantes analisados, os dados se repetem, com 99,2% de autodeclarados pretos/pardos. Em 2017,
foram 98,7% autodeclarados pretos/pardos, de um total de 6135 flagrantes analisados. Em 2018, constatou-se 98,2% de autodeclarados pretos/pardos e 1,8% de brancos
de um total de 5588 flagrantes. Defensoria Pública do Estado da Bahia. Relatório das audiências de custódias na comarca de Salvador/BA: anos de 2015-2018. Salvador: ESDEP, 2019.
6 ADORNO, Sérgio.
Discriminação racial e justiça criminal em São Paulo. Novos Estudos CEBRAP. N.43,
1995, p.45-63. LIMA, Renato. Atributos raciais no funcionamento do sistema de
justiça criminal paulista. Revista São Paulo em Perspectiva. N.18,
p.60-65, 2004. ALVES, Dina. Rés negras, juízes
brancos: uma análise da interseccionalidade de gênero, raça e classe na
produção da punição em uma prisão
paulistana. Revista CS, 21,
p.97-120. Cali, Colombia: Facultat de Derecho e Ciencias Sociales, Universidade Icesi, 2017
8 LIMA, Renato.
Atributos raciais no funcionamento do sistema de justiça criminal paulista. Revista São Paulo em Perspectiva.
N.18, p.60-65, 2004.
9 Observando fluxos
processuais de mulheres e homens brancos e negros que foram indiciados pelo crime de roubo consumado (art. 157, CP), o
pesquisador observou as trajetórias dos indivíduos, nas quais “os homens brancos têm diminuída sua
probabilidade de serem condenados e cumprirem, efetivamente, penas de prisão e, em sentido contrário,
as mulheres negras são, proporcionalmente, muito mais punidas com prisão do que as demais mulheres e,
mesmo, do que os homens negros”. LIMA, Renato. Atributos raciais no funcionamento do sistema de justiça criminal
paulista. Revista São Paulo em
Perspectiva. N.18, p.60-65, 2004, p.63.
10 Em pesquisa
sobre a criminalização do furto que analisou
2494 processos judiciais
em cinco localidades brasileiras (Belém, Recife,
Porto Alegre, Distrito Federal e São Paulo), foi encontrado que 50% dos casos de furto analisados
envolviam o furto de objetos de até 1 salário mínimo. BARRETO, Fabiana Costa Oliveira. Flagrante e Prisão Provisória na
Criminalização do Furto: da presunção de inocência à antecipação da pena. Dissertação (Mestrado em Direito)
− Faculdade de Direito da Universidade de Brasília,
Brasília, 2006, p.68.
delitos sem violência e contra o patrimônio. Em pesquisa realizada na Universidade
de Brasília, Carolina Costa Ferreira11 comparou
processos judiciais de furto (art. 155
do CP), roubo (art. 157 do CP) e peculato (crime contra a administração pública tipificado no art. 312 do CP),
que tramitaram nos Tribunais Regionais Federais. A pesquisa concluiu que o sistema
de justiça criminal é muito mais rigoroso na persecução aos crimes contra a propriedade do que em
relação ao crime contra a
administração pública.
Os dados empíricos trabalhados na pesquisa de Ferreira12 ajudam a compreender como o
crime de furto, mesmo sendo delito cometido sem violência e contra o bem jurídico patrimônio, ocupa lugar importante nas estatísticas de encarceramento
por tipo penal. A pesquisadora da Universidade de Brasília observou empiricamente que o judiciário aplica com
maior rigor e intensidade a pena privativa de
liberdade nos crimes contra o patrimônio, através de diversos mecanismos
como penas bases mais altas,
resistência em substituir pena privativa de liberdade em pena restritiva de direito e predileção pelo regime fechado.
Em muitos casos, a seletividade se manifesta de forma sutil, através, por exemplo, da imputação de crimes complementares, especialmente de tipos associativos, o que normalmente não ocorre nos casos
de peculato.
Nesse
contexto, a criminalização do furto e o seu papel no quadro do superencarceramento
brasileiro têm produzido debates acadêmicos e político-criminais sobre a desproporcionalidade entre
o potencial lesivo
do delito e as consequências em termos de encarceramento. Fabiana Barreto13, discutindo a violação da presunção de inocência em casos de decretação de
prisão provisória na persecução de crimes de furto, apontou que a vedação legal à prisão nessas hipóteses é o
único caminho capaz de adequar à
criminalização do furto com os princípios da proporcionalidade, intervenção mínima do
direito penal e lesividade14.
11 FERREIRA, Carolina
Costa. Discursos do Sistema Penal: a
seletividade no julgamento de furto, roubo e peculato nos Tribunais Regionais
Federais do Brasil.
Dissertação (Mestrado em Direito) − Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, Brasília,
2010.
14 A pesquisadora,
inclusive, observa que na ocasião dos debates legislativos sobre a
democratização do sistema de
justiça, logo após a promulgação da Constituição de 1988, foram apresentados
projetos de lei que passavam
a considerar o furto como crime de menor potencial
ofensivo (PL 3.698/1989) e determinava que
furtos de pequeno valor deveriam ser considerados crimes de menor potencial
ofensivo (PL nº 1.708/1989). BARRETO, 2006.
Uma questão importante é que a aplicação do princípio da
insignificância pelo sistema de
justiça é muito restritiva e, acima de tudo, inconsistente15.
Em pesquisa empírica sobre a
aplicação do princípio da insignificância em casos de furto realizada na Pontifícia Universidade Católica de Campinas,
Thaís Cândido e Fernanda Ifanger16 observaram que, mesmo com os critérios
definidos pelo STF, a aplicação do
princípio varia de acordo com as opções político criminais dos atores jurídicos
(juízes), não funcionando, em termos estruturais, para equilibrar a desproporção
entre criminalização, inclusive como pena de prisão, e ínfimas lesões ao bem
jurídico.
Assim, a pesquisa da PUC-Campinas
demonstra que a aplicação do princípio - e consequente afastamento da tipicidade do crime - restringe-se a situações muito específicas, que extrapolam, em rigor, os critérios do STF, normalmente com a articulação de circunstâncias como crime tentado,
restituição do bem e valores
subtraídos excepcionalmente baixos e irrelevantes para as vítimas17. Por outro lado, a negativa também se fundamenta em critérios
estranhos à jurisprudência do STF, tais como
maus antecedentes do sujeito criminalizado, não recepção da teoria pela
doutrina brasileira, furtos
qualificados por escalada ou rompimento de obstáculos (mesmo que os valores
sejam ínfimos), entre outros.
Nesse contexto, para a efetiva
realização dos princípios da proporcionalidade,
intervenção mínima do direito penal e lesividade, é prudente que o poder legislativo, independente da aplicação judicial
do princípio da insignificância,
em gesto de política criminal que se adequa aos princípios penais constitucionais e à demanda de redução do
superencarceramento, determine do ponto
de vista legal que o furto, nas hipóteses em que norteado por necessidade premente do agente, e nas hipóteses de
dano irrisório ao patrimônio, não seja considerado crime, nos termos propostos neste Projeto de Lei.
Sobre
o processamento mediante
queixa, importante notar que, no sistema jurídico
brasileiro, a ação penal de iniciativa privada
é regida pelo princípio da oportunidade, ao contrário da ação penal pública, que é regida pelo princípio
da
15 CÂNDIDO, Thais
Cristina; IFANGER, Fernanda. A política criminal realizada pelo poder
judiciário: uma análise da
aplicação do princípio da insignificância nos crimes de furto julgados pela
cidade de Campinas-SP. Revista
de Estudos Empíricos em Direito.
Vol.05, n.02, 2018, p.09-25.
17 CÂNDIDO; IFANGER,
2018.
obrigatoriedade, cabendo, portanto, ao ofendido decidir se
tem ou não interesse na proposição da ação.
Nesse sentido, não se pode olvidar que o
furto, inserido no Título II do Código Penal
– Dos Crimes contra o Patrimônio - tem notório conteúdo privado, eis que apenas o patrimônio do ofendido é atingido pela
conduta criminalizada, portanto, plenamente admissível que o exercício
da persecução penal se dê mediante queixa.
Pesquisa Nacional de
Vitimização18, publicada em
2013, pela Secretaria Nacional de Segurança Pública,
órgão do Ministério da Justiça e Segurança Pública, apresenta dados aptos a embasar
uma reforma legislativa tal qual a proposta pelo presente Projeto
de Lei. Segundo o estudo,
nos prévios 12 meses à realização das entrevistas, 9,8% dos entrevistados declararam ter sofrido furto
de objetos, 1% furto de automóveis e 0,4% furto de motocicleta. Dentre as razões que levam as pessoas
ofendidas em seu patrimônio
a realizarem o registro da ocorrência perante as autoridades policiais, a recuperação do bem furtado é o motivo
predominante nas três espécies de furto (68,6%
dos que tiveram sua motocicleta furtada, 51% dos que tiveram o carro
furtado e 39,7% dos que tiveram algum
objeto furtado), ao passo que a punição do agente responsável não alcança uma taxa expressiva (14,8% das pessoas
que tiveram sua motocicleta furtada, 15,4% dos que tiveram o carro
furtado e 18,5% dos que tiveram algum objeto
furtado).
Segundo a pesquisa de André Luis Alves de Melo, desde os anos 1990, “todos os
países da América Latina, menos o Brasil, adotam a oportunidade da ação penal expressamente em suas legislações”19. Com
suas particularidades,
Argentina, Chile, Uruguai, Paraguai,
Venezuela, Peru, Equador, Bolívia, Nicarágua, El Salvador e Cuba adotam o princípio da oportunidade da ação
penal em casos em que o interesse público não é afetado. Além disso, República
Dominicana e Costa Rica preveem
a insignificância dentre as
razões para a ação penal deixar de ser proposta pelo órgão competente. E, por fim, México, Honduras
e Colômbia adotam de forma mais genérica
a oportunidade da ação penal
pelo órgão acusatório. Por fim, nota o autor que “na
18 CRISP; DATAFOLHA. Pesquisa Nacional de Vitimização – Sumário
Executivo. Belo Horizonte: Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG), 2013. Disponível em: <http://www.crisp.ufmg.br/wp- content/uploads/2013/10/Relat%C3%B3rio-PNV-Senasp_final.pdf >. Acesso
em 14 de jan. 2020.
O estudo apresenta dados
qualitativos e quantitativos sobre 12 tipos de ocorrência passíveis de registro policial,
dentre elas o furto, dividido
em três grupos: i) furto de automóveis; ii) furto de motocicletas; e
iii) furto de objetos. Para
tanto, foram realizadas 78 mil entrevistas com pessoas acima de 16 anos, entre junho de 2010 a maio de 2011 e junho de 2012 a outubro
de 2012, abrangendo 346 municípios, todos
com mais de 15
mil habitantes.
19 MELO, André
Luís Alves de. A Inconstitucionalidade da obrigatoriedade da ação penal pública.
Tese de doutorado em Direito. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2016.
América Latina prevalece a obrigatoriedade da ação penal em
delitos mais graves; e a oportunidade
da ação penal para delitos menos graves”20.
1) Acerca da tipificação do furto por necessidade
A pandemia encontrou
e aprofundou uma conjuntura de vulnerabilidade socioeconômica, que conjugava já altas
taxas de desemprego e precarização no mundo do
trabalho e um processo inflacionário, penalizando, principalmente, as famílias
mais pobres.
O desemprego afeta especialmente nossa
população jovem e negra, que, não por coincidência,
protagoniza também os índices de encarceramento. Entre os jovens de 18 a 24 anos, a taxa de desocupação ficou em 29,5% no 2º trimestre deste ano, aproximadamente o dobro da média geral, que
inclui toda a população. Da mesma forma,
a taxa de desocupação entre negros é muito maior quando
comparada à taxa entre brancos,
segundo o IBGE.
A inflação atual, segundo o Indicador de Inflação por Faixa de Renda do IPEA, é bem maior para as famílias de baixa renda. Para este segmento, a alta decorre
principalmente de variações
dos seguintes preços (no acumulado
de 12 meses até setembro): a) alimentos no domicílio, com destaque para: carnes (24,9%);
aves e ovos (26,3%) e leite e
derivados (9,0%) b) 28,8% da energia elétrica, c) 34,7% do gás de botijão.
De acordo com a Pesquisa Nacional da
Cesta Básica de Alimentos, realizada mensalmente pelo DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos)21 em
17 capitais, comparando o valor em março de 2020 e março de 2021, o preço do conjunto de alimentos
básicos teve aumento em todas as capitais pesquisadas.
Neste
cenário, mais da metade da população sofre com algum grau de insegurança
alimentar e quase 10% está passando fome. São cerca de 20 milhões de brasileiros que não tem o que comer em
suas casas, segundo o Inquérito Nacional sobre
Insegurança Alimentar no Contexto
da Pandemia da Covid-19 no Brasil.
Esta escalada da miséria e da fome no
Brasil provocada pela crise social e econômica coloca novamente em evidência o problema dos furtos de itens básicos
e de
20 Idem, ibidem. Vale
ressaltar que, conforme o mesmo autor, em países europeus como Inglaterra, França, Bélgica, Suécia e Holanda também
se faz presente a discricionariedade da ação penal. E mais especificamente acerca da ação penal
condicionada à representação do ofendido, tem-se as experiências dos sistemas jurídicos
da Itália, Portugal e Alemanha.
21 https://www.dieese.org.br/analisecestabasica/2021/202103cestabasica.pdf
pequeno valor e do chamado furto famélico, isto é, o furto
de alimentos destinados a satisfazer
necessidades vitais básicas e imediatas, como pode se verificar nas recentes matérias veiculadas na mídia sobre a
sobrecarga do judiciário com furtos praticados por pessoas famintas.22
A figura do “furto famélico”, isto é, o
furto motivado pela necessidade de se alimentar é, ao menos em tese, pacificamente admitida
no direito brasileiro como modalidade do
Estado de Necessidade, excludente de ilicitude prevista nos artigos 23 e 24 do
Código Penal, aplicada ao crime de furto.
Na legislação brasileira, o Estado de
Necessidade é uma das excludentes de ilicitude previstas
no artigo 23 e se constitui de dois elementos: a situação de necessidade,
isto é, perigo atual a bem jurídico do agente ou de terceiro, e a ação necessária, a ação que lesa bem jurídico
alheio quando não há uma alternativa para evitar
o perigo, se não pela sua ação imediata23.
Ou seja, no Estado de Necessidade há um
conflito de direitos cuja solução precisa ser resolvida mediante a ponderação
dos direitos envolvidos, no qual o
bem jurídico alheio é sacrificado para a preservação do bem jurídico ameaçado,
reconhecido como sendo de maior
importância.
No caso do “furto famélico”, ou furto
por necessidade a situação de necessidade está
configurada pelo perigo ao bem jurídico vida do agente ou de pessoas próximas a ele. A ação necessária é a subtração de
coisa móvel que possa satisfazer necessidades
materiais imediatas, em geral, mas não
apenas alimentos.
1.1 Casos emblemáticos
Como pontuado, não há dúvidas,
em abstrato, que o direito
à vida deve prevalecer sobre
o direito de propriedade. Por isso mesmo, nem a doutrina, nem a jurisprudência tem dificuldade em
reconhecer a validade da figura do furto famélico. No entanto, a prática
judiciária cotidiana, deparada com inúmeras situações de furtos motivados
por necessidades materiais
urgentes, muitas vezes se recusa,
sob variados argumentos, a reconhecer a situação
de necessidade.
Tais situações envolvem numerosos casos
de furto famélico, mas também de itens
básicos de pequeno valor, como itens de higiene pessoal e outros voltados ao atendimento de necessidades prementes
do agente, conforme largamente noticiado
nos
22 https://oglobo.globo.com/brasil/furtos-praticados-por-quem-nao-tem-que- comer-sobrecarregam-tribunais-geram-debate-no-judiciario-1-25249276
23 TAVARES, Juarez, Fundamentos da teoria do delito, p. 323.
últimos meses24. Em meio ao auge da pandemia do coronavírus e contrariando recomendação do Conselho Nacional de
Justiça, que previa a liberdade de presos em
grupo de risco e crimes mais leves, o Tribunal de Justiça de São Paulo manteve preso homem acusado de furtar uma
cartela com barbeadores no valor de 22,56 reais25. Este ano, o Ministério Público do Rio
Grande do Sul recorreu contra uma decisão
que absolveu, fundamentada no princípio da insignificância, dois homens acusados de roubar alimentos vencidos no
pátio de um supermercado no valor de R$
50,00.26 Por fim, episódio recente
chocou a opinião pública: a prisão- mantida por
mais de cem dias- de uma diarista em
frente ao seu filho de cinco anos por furto de água27.
Ora, a estrutura pública do Poder Judiciário deve
estar voltada para a defesa de bens
jurídicos essenciais à manutenção da vida em sociedade, sendo assim, o Estado deve ocupar-se de lesões significativas, crimes que têm potencial de efetivamente causar
lesão, observadas a proporcionalidade entre o fato, a sanção e seus
custos ao Poder Público. A criminalização de atos de baixíssima
repercussão social, que configuram na verdade
expressão de uma profunda crise social e econômica, gera uma distorção, na medida que coloca o aparato
estatal a serviço da proteção de bens de valores irrisórios, gerando uma sobrecarga do
Judiciário. Só na cidade de São Paulo, por exemplo, são registrados em
média 468 furtos diários, sendo boa parte deles passíveis de enquadramento no princípio da “insignificância penal”,
pelo valor do objeto
furtado e condições envolvidas no furto.
Analisando os gastos do Judiciário, em média, um Promotor de Justiça do Ministério Público Estadual ganha por dia
o valor base de, no mínimo, R$827,00. Já um juiz ganha em torno de R$870,00
diários. Somados, esses valores configuram um gasto de pelo menos
R$1.697,00, desconsiderando ainda outros diversos
custos necessários ao processo. Ao ponderar estes custos em comparação ao próprio bem tutelado, como por exemplo,
um saco de 1kg de feijão, que custa
24 https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2021/12/08/justica-de-sp-nega- dois-pedidos-de-liberdade-a-pai-de-6-filhos-preso-por-furtar-carne-seca- chocolates-e-suco-em-po-de-supermercado.ghtml; https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2021/11/prisao-por-furto-de-xampu- botijao-chocolate-e-miojo-se-arrasta-para-cortes-superiores.shtml
25 https://www.cartacapital.com.br/justica/em-plena-pandemia-justica-de-sp- mantem-preso-homem-que-roubou-prestobarba/
26 https://www.jota.info/justica/homens-acusados-de-roubar-alimento-vencido- sao-absolvidos-mas-mp-recorre-28102021
27 https://www.bbc.com/portuguese/brasil-59314206
em média R$ 7,00,
percebe-se que os gastos do procedimento oneram muito mais que o próprio bem em questão, que possui
um valor irrisório, sendo cerca de 241 vezes maior do
que o objeto furtado.
A fim de corrigir tais distorções, a
alteração legislativa busca, portanto, tornar
evidente a causa excludente de ilicitude nos casos de furto por
necessidade28. O projeto explicitamente exclui a ilicitude do furto
de coisa voltada a suprir necessidade imediata
do agente ou de sua família, fazendo a opção legislativa de privilegiar
os direitos decorrentes da própria necessidade de reprodução material da
vida, o que está em harmonia indiscutível com a Constituição Federal de 1988 e sua diretriz geral de proteção à vida e aos direitos sociais elementares para
a sua reprodução.
Importante destacar, nesse sentido, que não se trata de concessão ou benefício,
mas de instrumento legislativo com o objetivo de concretizar o exercício de direitos fundamentais, não apenas o
direito à vida, sem o qual não é possível o exercício
de nenhum outro direito, como também direitos sociais como o direito à alimentação e à saúde quando não há outros
meios de suprir as necessidades materiais
imediatas por eles
reconhecidos.
2) Acerca
do reconhecimento legal do furto insignificante e a comparação com os crimes
tributários
Fundamental aqui trazer à tona a comparação com os
crimes tributários. Em primeiro lugar pela semelhança essencial
entre os crimes fiscais e o crime de furto, uma
vez que a finalidade usual em ambos os casos é obter vantagem econômica, seja a partir da supressão de tributos,
seja a partir da subtração de coisa alheia móvel.
Em nenhum dos casos há o emprego de violência ou grave ameaça, sendo o único resultado o prejuízo econômico
causado a um particular ou ao erário. Por
último, até mesmo as penas são parecidas
(um a quatro anos para o crime de furto; dois a cinco anos para
os crimes contra a ordem tributária).
Justamente por conta dessas semelhanças é possível perceber
o quanto o tratamento
penal de ambas as situações é discrepante. Nesta
linha, é de ressaltar que o tratamento
conferido ao princípio da insignificância nos crimes tributários é bem mais benéfico
que o conferido aos crimes de furto.
28 Esta especificação
da cláusula geral do Estado de Necessidade não é inédita na legislação
brasileira. Especificamente, o artigo
128, I traz a hipótese do aborto necessário, excludente de ilicitude específico
no caso em que a gravidez
apresenta risco de vida para a gestante.
O princípio da insignificância é uma
construção doutrinária elaborada a partir de
uma perspectiva material da tipicidade. É a postulação de que a
adequação de uma conduta ao tipo
penal só pode ocorrer quando há efetiva lesão, ou perigo de lesão, do bem jurídico tutelado
pela norma penal.
Ainda que não haja expressa
previsão na legislação brasileira, a jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal reconhece a sua incidência aplicando-o, fundamentalmente, nos crimes tributários e nos crimes
patrimoniais29.
Os critérios utilizados para a aferição da insignificância são, no
entanto, bastante diversos
se estamos tratando
de crimes tributários ou crimes patrimoniais. Primeiro porque, ao
contrário do que ocorre nos demais crimes, o
reconhecimento da insignificância nos crimes tributários depende
exclusivamente do valor da quantia
sonegada, enquanto que nos demais crimes a aplicação do princípio da insignificância depende de outros elementos a
princípio estranhos à sua aplicação (como, por exemplo, antecedentes criminais)30.
A principal
diferença reside, no entanto, na discrepância entre
os valores considerados para
o reconhecimento da insignificância dos delitos fiscais e os crimes patrimoniais.
Com a edição da Lei 10522/02, que dispensa a obrigatoriedade na cobrança de débitos menores
de R$ 10.000,00 (dez mil reais), os tribunais passaram
a reconhecer a insignificância dos delitos tributários com valores
menores que este patamar.
Posteriormente, a edição das Portarias 75/12 e 130/12 elevou para R$ 20.000,00 (vinte mil reais) o valor mínimo
para o ajuizamento de execuções fiscais de débitos
com a Fazenda Nacional, levando
os tribunais superiores a reorientarem sua
jurisprudência para o novo valor. Em todos os casos em que a conduta se encontra dentro dessa faixa há
o reconhecimento, pelo STF, do princípio da insignificância31.
No entanto, no caso dos crimes patrimoniais a situação é bastante
diversa. A análise jurisprudencial
nos tribunais superiores (STF e STJ) revelou um quadro bastante grave em relação a aplicação do
princípio da insignificância nos processos criminais de furto. Por um lado, a
alta incidência de habeas corpus rejeitados por variados motivos
(que serão tratados abaixo), aponta para um cenário de criação de
29 BOTTINI et al. A confusa exegese do princípio da
insignificância e sua aplicação pelo STF. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 98, 2012, p.
117-148.
31 BOTTINI et al,
2012.
sucessivos
obstáculos que visam impedir a aplicação do princípio da insignificância levando
a condenações por furtos (ou tentativa de) de bens com valores
completamente irrisórios (e que muitas vezes foram restituídos às
vítimas). Por outro lado, os poucos
casos de concessão da ordem de habeas
corpus para absolver ou trancar a
ação penal – em geral concedida em casos especialmente absurdos envolvendo bens de valores absolutamente
irrisórios - revelam uma alta resistência das
instâncias anteriores em aplicar o princípio da insignificância, o que parece indicar um grave cenário se considerarmos
que a maioria dos casos não chega aos tribunais superiores.
Não surpreende a constatação de que a
maior parte dos casos encontrados é de negativa
à concessão da ordem de habeas corpus (seja
para manutenção da decisão condenatória,
rejeição do pedido de trancamento de ação ou indeferimento da liberdade provisória). Os motivos alegados para
evitar a aplicação do princípio da insignificância são diversos, sendo possível identificar um “jogo de presunções
em defesa da prisão”32, ou seja, a criação de obstáculos
sucessivos que visam impedir a colocação do réu em liberdade.
O primeiro destes obstáculos é de
natureza formal: em diversos casos o pedido é
imediatamente rejeitado frente a alegação de que teria havido “supressão
de instância”, ou ainda que “habeas
corpus não pode ser manejado como sucedâneo de recurso revisão criminal ou recursos”. Argumentos como
esses são bastante frágeis se considerarmos que
a previsão constitucional do instituto é bastante ampla, visando a proteção
contra qualquer coação ilegal a
liberdade de locomoção de alguém, razão pela qual a ordem de habeas corpus pode ser concedida inclusive de ofício.
Em um dos casos analisados, obstáculos formais, conjuntamente com
a suposta reiteração delitiva da
paciente, obstam que uma mulher que teria furtado dois pacotes de fralda faça jus a concessão da ordem33. Em outro caso, um rapaz condenado a 2
anos em regime semiaberto por
furtar um par de sandálias, teve a ordem de habeas corpus negada, ao tentar
pedir a sua soltura pelo cumprimento integral
da pena, por uma suposta “supressão de instância”34 (ainda que, conforme já dito, a ordem
possa ser concedida inclusive de ofício). A “supressão de instância” também
impediu que
32 Tal categoria foi
trabalhada pelo “Grupo Clandestino de Estudos em Controle, Cidades e Prisões”
no texto “Sistema de justiça e
políticas de morte nas prisões: Pandemia e discurso jurídico na Bahia” (DILEMAS: Revista de Estudos de Conflito e
Controle Social – Rio de Janeiro – Reflexões na Pandemia 2021
– pp. 1-13).
34 STF HC 132906 AgR / MG
uma pessoa
supostamente acusada de furto de bens no valor de R$75,98, inclusive absolvida em primeira instância, tivesse o
mérito do seu pedido de habeas corpus analisado35.
Mas mesmo
quando não existem os obstáculos formais, outras “barreiras” ao deferimento do habeas corpus aparecem. O STF36 definiu quatro critérios
para a aplicação do princípio
da insignificância, sendo eles: “(a) mínima ofensividade da conduta
do agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação,
(c) grau reduzido
de reprovabilidade do comportamento, e (d) inexpressividade da lesão
jurídica provocada37”;
a jurisprudência consolidou-se no sentido de que havendo
“antecedentes criminais” restaria
afastada a possibilidade de aplicação do princípio,
pois nesse caso estaria presente a “periculosidade social da ação”.
Assim, a aplicação do princípio foi
afastada em um furto tentado de quatro pares de chinelo e oito barras de chocolate38 por
possuir haver “reiteração delitiva do agente” comprovada nos autos. Em outro caso, também o princípio é afastado em um
caso de furto de uma churrasqueira de alumínio avaliada em R$ 140,00, alegando-se que:
O criminoso contumaz, mesmo praticando
crimes de pequena monta, não pode ser tratado pelo sistema penal como se tivesse adotado
condutas irrelevantes, pois crimes considerados ínfimos, quando analisados isoladamente, mas relevantes, quando em conjunto, seriam
transformados pelo infrator
em ilícito meio de vida39. (grifos aditados)
Em outro caso, no mesmo sentido, afirma-se que:
II - Embora o
paciente não seja tecnicamente reincidente, tem personalidade voltada
para a prática de crimes contra o patrimônio, o que impede o atendimento de um dos requisitos exigidos
por esta Corte para a configuração do
princípio da insignificância, qual seja, a ausência de periculosidade do agente.
III – Na espécie, a aplicação do referido instituto
poderia significar um verdadeiro estímulo à prática destes
pequenos furtos, já bastante comuns nos
dias atuais, o que contribuiria para aumentar, ainda mais, o clima de insegurança hoje vivido pela coletividade40. (grifos aditados)
Nesses casos, até mesmo a restituição integral do bem não é suficiente para a
incidência do princípio da insignificância, muito embora o bem jurídico
tutelado pela norma penal seja exclusivamente o patrimônio. Em um dos processos analisados, R$ 102,00 foram completamente restituídos; em outro, 4 desodorantes
36
STF HC 84.412,
publicado em 19 de nov.
de 2004.
37 Nesse aspecto,
o Superior Tribunal
de Justiça firmou o entendimento de que o limite para o reconhecimento do princípio da
insignificância é de 10% (dez por cento) do salário mínimo vigente à época dos fatos, independentemente da
condição financeira do ofendido e, desde que o agente não seja reincidente (AgRg no HC 626.351/SC; AgRg no HC 668305 / SP).
40 STF HC 107138 / RS
e 2 kits de gillette Prestobarba41,
deixando, assim, incólume
o patrimônio dos ofendidos42.
No âmbito do Superior Tribunal de Justiça destaca-se a decisão
proferida, comumente referenciada por julgados, que compreende o princípio da insignificância
como uma benesse ao acusado e não como categoria dogmática, insculpida no princípio da intervenção
mínima, tal como efetivamente é43.
Além disso, o princípio da
insignificância ainda é afastado por argumentos do tipo: ter sido o furto praticado em repouso noturno44, ou com uso de chave falsa45 ou ainda com arrombamento46, ainda que ínfimo o valor da coisa furtada
nessas hipóteses.
Outra questão que merece destaque
refere-se ao art.155, §2º do CP que prevê causa
de diminuição de pena em caso de furto de coisa com pequeno valor. Esta causa de diminuição de pena é muitas vezes
mobilizada como óbice a aplicação do princípio
da insignificância, sob a seguinte
argumentação:
Para a situação em
que o bem furtado é de pequeno valor, há figura típica específica (...) Sendo a coisa apropriada de pequeno valor, o
fato repercute na fixação da
pena-base – consequências da prática delituosa –, não levando a concluir-se pela atipicidade47.
Assim, havendo previsão normativa de que
o “pequeno valor” ensejaria uma causa
de diminuição de pena, não seria possível manejar o princípio da
insignificância para afastar a
tipicidade. Uma norma que visa restringir os espaços de punitividade (ao prever uma causa de diminuição de pena) é
manejada de modo a servir como óbice a aplicação
de princípio que absolveria o réu.
Foram encontrados, ainda, casos nos
quais o reduzido valor da coisa furtada foi usado
como argumento apenas para garantir a possibilidade de colocação em regime menos gravoso, em casos em que o réu era reincidente. Assim,
em uma tentativa de furto
de bem avaliado em 30 reais, o
STF decidiu pela colocação do paciente em regime
41 STJ AgRg no AREsp 1756622 / SE
42 STJ AgRg no HC 690.832 / SC
43 “(o) princípio da
insignificância é verdadeiro benefício
na esfera penal, razão pela qual não há como deixar
de se analisar o passado criminoso
do agente, sob pena de se instigar a multiplicação de pequenos crimes pelo mesmo
autor, os quais se tornariam inatingíveis pelo ordenamento penal.
Imprescindível, no caso concreto, porquanto, de plano, aquele que é contumaz na prática de crimes não faz jus a benesses jurídicas” (STJ HC 544.468/SP)
44
Caso, por exemplo,
de um furto de bem avaliado
em 80 reais (HC 191126 / SP).
45 Caso, por exemplo, de um furto
de bem avaliado em 21 reais (STF HC 113872 / MG).
47 STF HC 135837 / MG.
aberto48, assim como no
furto de celular avaliado em 60 reais (posteriormente devolvido à vítima)49, ou ainda
na tentativa de furto de 4 desodorantes avaliados em 31 reais50.
Destaque-se, por fim, que também foram encontrados casos de absolvição. Sobre esses é importante destacar a
quantidade de casos completamente absurdos que
chegam para julgamento na mais alta corte do país, quando sequer deveriam ter sido considerados delito, se o
princípio da insignificância fosse efetivamente aplicado pelas instâncias anteriores. São casos como: uma
tentativa de furto de “duas peças de
queijo minas” em supermercado, devolvidos à vítima51;
ou o furto simples de “codornas”
avaliadas em 62 reais52; ou a tentativa
de furto de bem avaliado em 6 reais53; o furto de um engradado de cerveja
avaliado em 16 reais54 ou, ainda, o furto de 11 barras de
chocolate posteriormente devolvidas a vítima55,
o furto de um frasco de shampoo
avaliado em 11 reais56 e,
até mesmo, a tentativa de furto de duas peças
de bacon avaliadas em R$ 30,0057.
Um caso chama especial atenção: o furto
de “sucata de peças automotivas” avaliadas
em 4 reais, cuja aplicação do princípio da insignificância foi obstada no STJ por ter sido o furto qualificado (cometido
mediante concurso de pessoas) e por ter o réu
antecedentes criminais58.
O STF, diversamente, reconheceu a atipicidade da conduta apesar dos
“obstáculos” criados pelo STJ.
Casos como esses levam a algumas reflexões imediatas:
o enorme dispêndio de recursos da
máquina judiciária, movida para julgar tais casos; as enormes consequências advindas para esses réus, que recebem
punição totalmente desproporcional a sua ação; e a possível enorme quantidade de casos – absurdos - como esses
que não chegam aos tribunais
superiores. O reconhecimento do
princípio da insignificância pelo texto legal
busca afastar as alegações judiciais de não aplicação do princípio, no sentido de concretizar uma maior realização dele.
56 STJ Ag REspecial 1923409
/ SP
58
STF HC 126866
/ MG
Ressaltamos que a presente proposta de
alteração legislativa foi elaborada em parceria
com o conjunto de pesquisadores e pesquisadoras que compõem o Laboratório de Críticas e Alternativas à Prisão –
LABCAP, defensores que fazem parte do Núcleo
Especializado de Situação Carcerária da Defensoria Pública do Estado de
São Paulo, Conectas Direitos Humanos,
a Coordenação de Defesa Criminal da
Defensoria Pública do Estado do Rio
de Janeiro e a Coordenação de Política Criminal da Associação Nacional de Defensoras e Defensores
Públicos.
Enfim, apresentamos este Projeto de Lei,
por considerarmos medida de política criminal
importante no atual contexto de superencarceramento no nosso país, somado ao já reconhecido estado de coisas
inconstitucional nos presídios brasileiros, cujo intuito fundamental é, além de incidir
na redução da população carcerária, corrigir uma desigualdade de tratamento entre crimes do
colarinho branco (crimes tributários) e os crimes de furto, sem prejuízo do tratamento das lesões
aqui elencadas nas esferas cabíveis.
.
Sala de sessões, de dezembro de 2021.
TALÍRIA PETRONE
LÍDER DO PSOL
ÁUREA CAROLINA PSOL/MG
DAVID MIRANDA PSOL/RJ
FERNANDA MELCHIONA PSOL/RS
GLAUBER BRAGA
PSOL/RJ
IVAN VALENTE PSOL/SP
SÂMIA BONFIM PSOL/SP
VIVI REIS PSOL/PA
NATÁLIA BONAVIDES
PT/RN
Infoleg
- Autenticador
Projeto de Lei
(Da Sra. Talíria Petrone )
Altera o artigo 155 do Código Penal
para prever o furto por necessidade e o furto insignificante
e dá outras providências
Assinaram
eletronicamente o documento CD219332118400, nesta ordem:
1 Dep.
Talíria Petrone (PSOL/RJ)
2 Dep.
Natália Bonavides (PT/RN)
3 Dep.
Sâmia Bomfim (PSOL/SP)
4 Dep. Vivi Reis (PSOL/PA)
5 Dep. David Miranda (PSOL/RJ)
6 Dep. Fernanda Melchionna (PSOL/RS)
7 Dep. Glauber Braga (PSOL/RJ)
8 Dep.
Áurea Carolina (PSOL/MG)
Dep. I
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