O exemplo nietzschiano [übermensch] de vida plena.
Diego Avelino de Macêdo1
Os comportamentos individuais necessitam da ética e moral para que tenhamos, sem dúvida, uma harmoniosa interação social. Não há como ser ético e/ou moral a partir de um isolamento social. Haveria plausibilidade para tal? Não! Portanto, é na sociedade que estamos nos (re)fazendo membros humanitários.
Ademais, o que dizer acerca da ética e moral? Este é mais recente, quando pensado em seu surgimento “prático”; ao invés daquele que existiu desde os primórdios da humanidade. Enquanto, reflito tenho a plena manifestação do espírito da eticidade. Por outro lado, quanto mais busco fundamentar meus atos nas convenções sociais [por exemplo: não roubar; não ultrapassar o sinal vermelho] verei a plenitude da moral.
Incrivelmente, ética x moral geram sempre uma confusão axiológica. A moralidade é fruto de um período histórico, onde o “arrocho eclesiástico” medieval forjou a mentalidade dos homens imprimindo, por sua vez, novos condutores e freios no agir. A sublevação teológica foi a mola perspicaz para modificar os valores. A pureza da ética — diga-se, pagã — fecundada na mentalidade dos gregos, deparou-se com uma moral embebida do caráter judaico-cristão.
Esta moral, agora, desprezando a energia da natureza e as potencialidades vitais humanas, restringiu o sujeito a uma condição de “pobreza” existencial. Nossa moralidade destruiu a soberania dos valores regulamentadores da existência. Eis, o julgo do joio transcendente diante das benesses de um [pseudo] mundo vindouro de plenitude do ser. Contudo, o herói da pureza existencialista se encontra no übermensch (trad.: além-homem ou super-homem).
Por conseguinte, a aparição deste referido super-homem [übermensch] no meio da humanidade comum proporcionaria, para uma diversidade de indivíduos, a descoberta de um sentimento de vitalidade que desvencilharia o ser humano das tradicionais promessas finalistas, referentes à existência de um suposto mundo suprassensível, a morada por excelência da plenitude do Ser. (BITTERCOUNT, p. 53, 2016)
A ascese vibração dos valores imanentes, existentes na condição do übermensch, tornariam afirmativas as potencialidades humanas diante da decrépita animosidade da moralidade transcendental. A interpretação do mundo sob a ótica do übermensch seria lúcida para a elevação das forças criativas e sexuais do corpo. Todavia, foram rejeitadas pelas amarras de uma moralidade sufocante e pesarosa. Sim, uma moral encharcadiça do medo, culpa, ressentimento, dentre outros. Estes elementos foram os responsáveis pela destruição da pureza dessa imanente condição primeira do homem.
o anticlericalismo nietzschiano decorreria do fato de que os séculos pelos quais passou a humanidade sob os ditames cristãos teriam servido para confundir fraqueza por força e degeneração por virtude, de modo que os valores que então alicerçavam (ao menos em tese) a sociedade europeia — como compaixão, humildade, altruísmo etc. — seriam fardo e dano à civilização e ao desenvolvimento cultural e levavam, fatalmente, à perene mediocridade. Estes valores “degenerados” seriam o fundamento daquilo que o filólogo chamava de moral do escravo e, porquanto eram adequados àqueles de espírito inferior, findavam por promover o “nivelamento por baixo” de todos os homens. (SILVA, p.74, 2018)
Qual o segredo para superar tal decadência existencial? Simplesmente, estará na autossuperação humana. Consiste, isto é, na superação do si: ultrapassar seus limites característicos/próprios.
O super-homem, tal como apresentado por Nietzsche, não é uma pessoa dotada de poderes extraordinários, de uma força descomunal, mas o símbolo daquele que se coloca para além da órbita da moralidade e do peso normativo das suas instituições e que, [...], não se deixa vencer pelo vazio existencial, pelo niilismo, tampouco por objetos substitutivos desse vácuo deixado pela destruição dos valores soberanos que regularam a existência humana no decorrer das eras. O super-homem afirma a intensidade contingente da vida, a única existente, e estabelece a tábua dos valores sem depender de hipóteses suprassensíveis que orientam a mente da consciência metafísica tradicional. (BITTERCOUNT, p. 55, 2016)
Este vigor do superar a si estaria na manifesta vontade de poder, proposta por Nietzsche. A depender das circunstâncias competirá ao übermensch saber potencializar essa vontade de poder, haja vista, estar enraizada a sornice entre os sujeitos. Tanto a mesmice quanto acomodação correspondem aos atrozes fatores para a descaracterização existencial daqueles que poderiam ser um übermensch. O que existem são seres moribundos ligados a categoria de descrédito da sua própria vontade de poder.
Para que surja um “super-homem”, é necessário que se supere qualquer tipo de convicção arraigada, qualquer valor instituído e cristalizado ao longo das eras pela tradição religiosa, social ou cultural. De modo que, para tanto, requer-se a superação dos próprios limites pessoais, pois a dissolução dos valores transmitidos de geração para geração pode inserir o homem na esfera da mesmice, da inércia e do nada. Por isso o “super-homem” é criativo, pois, superando a herança moral recebida, ele desenvolve novos valores, afirmativos da existência. Consequentemente, qualquer pessoa pode vir a ser um “super-homem”, cabendo tão somente lutar contra toda uma série de opiniões medíocres e pré-conceitos, muitas vezes destituídos de valor e de criatividade. (BITTERCOUNT, p. 63-64, 2016)
Espinhoso é galgar essa troca identitária tão arraigada numa sociedade entregue à maledicência existencial. A trajetória para essa transmutação de simples homem para um übermensch será marcada por dor e rejeição. Porém, somos capazes de superar os nossos limites. Basta querer!
REFERÊNCIAS
BITTENCOURT, Renato Nunes. Nietzsche e o Super-Homem como paradigma da superação pessoal. Revista Humus, vol. 6, num. 17, 2016. Universidade Federal do Maranhão. Disponível em: http://www.periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/revistahumus/article/download/5394/3322. Acesso em: 21 jul 23.
SILVA, Eduardo Bezerra de Menezes Macedo e. O ALÉM DO HOMEM DE NIETZSCHE: UMA PONTE PARA QUEM? Revista Eletrônica Arma da Crítica, ISSN 1984-4735, N.10 / Outubro de 2018. Disponível em: http://www.armadacritica.ufc.br/phocadownload/5%20-%20o%20alem%20do%20homem%20de%20nietzsche.pdf.
Acesso em: 21 jul 23.
11 Licenciado em História (UnP) e em Filosofia (UFRN). Possui especialização em Docência no Ensino Superior (UnP). Atua(ou) lecionando os seguintes componentes curriculares: Artes, História, Filosofia, Sociologia, Religião, Idioma Hebraico (A1 – nível básico) em escolas de ensino regular da rede pública e privada, além da UFRN. Atualmente, é professor do quadro permanente do RN, militar, escritor, tradutor, compositor e orientador de trabalhos científicos. E-mail: diegoavelinohistoriador@yahoo.com.br
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