SÉRIE FILOSOFIA | METAFÍSICA ARISTOTÉLICA E MAIMÔNIDES

 


METAFÍSICA ARISTOTÉLICA E MAIMÔNIDES

Diego Avelino de Macêdo1



Quantos de nós ainda não nos perguntamos: existe alguma coisa, que “resida” para além do real? Enfim, acreditamos que há um mundo paralelo ao nosso, onde quem habita é um Ser Todo-Poderoso. Além de que, em nosso imaginário temos a ideia de que na sua morada haja um compêndio de perfeitas obras feitas pelo próprio Arquiteto Universal.

Ao longo da história diversas civilizações motivadas por algumas indagações – sem respostas claras – não conseguiam escapar da consciência mítica. Para as três maiores religiões mundiais [Cristianismo, Islamismo e Judaísmo] observamos ser Deus o denominador comum delas.

É incomensurável, portanto, não deixar de pensar e/ou falar em Deus. Para alguns, Deus se tornou o centro das suas reflexões racionais. Sendo assim, os teólogos pertencentes aos determinados seios religiosos judaico-cristãos propuseram diversas maneiras de conceber a natureza divina [atributos, qualidades, entre outros] do Criador. Entretanto, graças à explicação metafísica proposta por Aristóteles ficou mais “nítido”, se é que cabe este termo, estruturar logicamente um objeto de estudo puramente sobrenatural. Voltemos na história e vejamos, portanto, o que propôs Aristóteles.

Houve determinado momento histórico para os gregos, em que a consciência mítica se viu separada dos moldes da razão. Quando esta separação atingiu o imaginário grego, alguns filósofos tentaram instrumentalizar seus discursos criando conceitos na expectativa de explicar o irreal/abstrato seguido por um pensamento mais articulado. No entanto, a contribuição intelectual de Aristóteles será o cerne dessa análise.





1 Licenciado em História (UnP) e em Filosofia (UFRN). Possui especialização em Docência no Ensino Superior (UnP). Atua(ou) lecionando os seguintes componentes curriculares: Artes, História, Filosofia, Sociologia, Religião, Idioma Hebraico (A1 – nível básico) em escolas de ensino regular da rede pública e privada, além da UFRN. Atualmente, é professor do quadro permanente do RN, militar, escritor, tradutor, compositor e orientador de trabalhos científicos. E-mail: diegoavelinohistoriador@yahoo.com.br

Aristóteles é reconhecidamente lembrado, graças, aos seus esforços voltados para o campo da Lógica. Amparado pela logicidade silogística no discurso, conceitos abstratos puderam receber explicações. Para isso, Aristóteles, adotou o termo de Filosofia Primeira ou, simplesmente, Metafísica.

O modo de conhecer os vastos conceitos universais acerca do Ser [em geral] é [primeiramente] apresentado a cada homem a partir dos sentidos. Para Aristóteles, seria a visão o elemento sensível mais importante. Com o amparo do elemento sensitivo o estabelecimento do modo mais sensato para acesso à Filosofia Primeira acontecerá mediante a indução. Isto é, através das imagens das coisas particulares haverá a possibilidade de atingirmos os conceitos universais. Após, inferir qualquer pensamento indutivo será mais simples compor, posteriormente, qualquer reflexão dedutiva, i.e., dos conceitos universais serão extraídas conclusões.

Por meio da sua teoria do conhecimento, Aristóteles, atinge causas universais que extrapolam nossos sentidos. Dessa maneira, a ciência [creditada por Aristóteles como a detentora do conhecimento verdadeiro] seria capaz de fazer com que o indivíduo superasse os enganos da opinião acessando, assim, o conhecimento das causas.

Antes de adentrarmos, na Filosofia Primeira, será necessário estabelecer distinções fundamentais sobre a metafísica aristotélica para haver, em suma, qualquer avanço epistemológico. As distinções serão estabelecidas entre: Essência e Acidente (substância); Ato e Potência; Forma e Matéria. Lembrando que, sem dúvida alguma, a perspectiva aristotélica forjou a cultura ocidental judaico-cristã. Ao entendermos o pensamento metafisico aristotélico seremos capazes de revisar à natureza dogmática dos elementos sacros.


Essência X Acidente

Aristóteles afirma que cada ser existente é uma Substância. Com isso, é possível haver determinados atributos [ou seja, a essência e o acidente]. A essência é o atributo que está contido, incondicionalmente, na Substância. Sem ela, a Substância não seria o que é.

O Acidente será um atributo no qual sua existência pode estar ou não na Substância. Não importa qual seja a Substância, se nela há o acidente ou não, simplesmente não deixará de ser.


Matéria X Forma

Aristóteles menciona que todo ser é constituído, intrinsecamente, de Matéria e Forma. Na visão aristotélica, o mundo físico é composto por um princípio indeterminado, permitindo-se deste modo que a Matéria seja indeterminada. A Matéria concreta, existente na realidade, será a Matéria Segunda. A Matéria é a constituição da essência em forma ou a constituição do Ato em Potência [ver abaixo a diferença entre ambas].

A Forma será àquilo que permite tornar o que a coisa é. Nela se compreende um princípio comum aos indivíduos da mesma espécie permitindo ser o que são [essência comum].


Ato X Potência

Na natureza, todas as coisas concretas são estabelecidas mediante a relação ocorrida entre o Ato e a Potência. A Potência corresponde a algo que virá ser ou tornar-se-á em alguma coisa. Ato corresponde à essência da coisa tal como ela é.


A partir, da investigação acima [dividida em conceitos], Aristóteles, chegou à conclusão de que os seres não se limitavam ao acaso. Após, traçar os conceitos e suas distinções entre Ato e Potência; Matéria e a Forma; Essência e Acidente, Aristóteles queria entender como ocorreria a mudança do Ato para a Potência resultando na Matéria e Forma. Para que isso acontecesse, Aristóteles concluiu que nessa movimentação existiam “forças” que contribuiriam para o tal. Essas tais “forças” foram classificadas como as Causas.

As Causas seriam os elementos que determinavam a realidade própria de cada ser. Com isto, foram definidas em 04 (quatro) causas, sendo-as: Causa Material [do que é feito]; Formal [formato de algo], Eficaz [como é levado a existir] e, a Final [objetivo da coisa]. Desta maneira, a movimentação ocasionada durante esta passagem da Potência para o Ato, será eterna. E mais, a Forma sempre estaria atualizando a Matéria garantindo esta passagem da Potência para o Ato.

Sobre o auspício de uma análise investigativa, o conhecimento científico [mais adequado para tal missão investigativa] se debruçará num processo de retrocesso sucessivo das causas. Para que este regresso não caia em um jogo de sequência infinita, concebe-se a existência de uma Causa Primeira. Esta chamada de Primeiro Motor Imóvel.

O Motor Imóvel não depende de nenhum outro ser contingente [qualquer coisa não tem em si, a razão para estabelecer sua existência] para sua geração. Ele é puro Ato estando desprovido de Potência. Simplesmente, o Motor Imóvel consiste na Causa Primeira de todo ser existente. Este mesmo Motor com o advento do monoteísmo assumiu a postura de Deus.

Não há como negar que a grande contribuição cultural árabe, na tradução das obras gregas clássicas, garantiu que diversos filósofos da Idade Média pudessem ser influenciados pelas ideias de Platão ou Aristóteles. Advém destes dois gregos as grandes contribuições explicativas acerca da crença religiosa cristã, islâmica e judaica.

Moisés Maimônides na tentativa de discorrer sobre a existência de Deus utilizou o método aristotélico, exposto no Guia dos Perplexos, para explanar sobre sua teoria filosófica. Na visão maimonidiana, Deus foge de qualquer sentido antropomórfico, ou seja, não é cabível pensar Deus como sendo um ser humano. Deus não tem atributos porque seriam estabelecidos conceitos acidentais ou essenciais a Ele. Se Deus estiver submetido aos acidentes ou a uma essência, Ele estará sujeito a mudanças. Portanto, Deus não sofre mudança [acidentes] ou nem é definido [essência]. Para tanto, deve-se dizer o que fazer, não o que O constitui [não podemos dizer o que é]. O mundo não é eterno, mas criado [contingente].

Por causa, do pensamento de Maimônides outros filósofos foram influenciados, dentre eles: Tomás de Aquino, Mestre Eckhart e Soren Kierkegaard. Nosso modo de pensar sobre Deus é muito mais grego do judaico-cristão.



REFERÊNCIA BIBLIOGRAFICA

ABAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Tradução da 1a edição brasileira coordenada e revista por Alfredo Bossi; revisão da tradução e tradução dos novos textos Ivone Castilho Benedetti. – 5a ed. – São Paulo: Martins Fontes, 2007.


AMSTRONG, Karen. Uma História de Deus: quatro milênios de busca do judaísmo, cristianismo e islamismo – São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofando: Introdução à Filosofia. – 4. ed. – São Paulo: Moderna, 2009.


CORNFORD, Francis Macdonald. Antes e Depois de Sócrates; Tradução Valter Lellis Siqueira. – São Paulo: Martins Fonte, 2001.


MAIMONIDES, Moses. O guia dos Perplexos, parte 01 e 02 / Maimônides; tradução e prefácio Uri Lam – São Paulo: Landy, 2004.


REALE, Giovanni. ANTISERI, Dario. História da Filosofia: Patrística à Escolástica, v. 2; [tradução Ivo Storniolo] – São Paulo: Paulus, 2003.


_________. O livro da Filosofia; Tradução Rosemarie Ziegelmaier. – São Paulo: Globo, 2011.






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