SÉRIE FILOSOFIA | A ÉTICA NO SERVIÇO POLICIAL MILITAR: DUALIDADE IDENTITÁRIA

 





A ÉTICA NO SERVIÇO POLICIAL MILITAR: DUALIDADE IDENTITÁRIA


Diego Avelino de Macêdo1


INTRODUÇÃO

Por muito tempo diversas civilizações antigas refletiram sobre o modo de agir em sociedade, buscando ações práticas que pudessem guiá-los a partir do crivo da boa convivência coletiva. Todavia, tais condutas se mesclavam aos elementos míticos/divinos, permitindo inspirar o ser ético, a partir, dos exemplos dos heróis e/ou deuses. Tivemos com os gregos e outros pensadores europeus [Maquiavel, p.ex.] rupturas no imaginário transcendental, no momento constituinte de uma consciência do “ser ético”. A substituição, agora, prezava pelo uso da racionalidade nas ações/posturas/condutas. É impossível negar a importância da ética em qualquer relação social, pois, com ela temos a plausibilidade de uma convivência justa. Doravante, ao policial militar que precisará numa dúbia postura saber representar o Estado e perceber-se enquanto cidadão.


HISTORICIDADE DA ÉTICA: BREVÍSSIMO COMENTÁRIO

A vida em sociedade sempre ocorreu desde os primórdios da humanidade – mesmo que em estruturas primitivas. Ressalte-se ainda que, mesmo sem uma organizada estrutura fonética definida – ainda quando se balbuciavam ou produziam alguns ruídos ou não havia caracteres alfabéticos, o hominídeo de alguma forma se organizava coletivamente. Agora, será tarefa difícil ditar qual(is) fora(am) o(s) fator(es) estimulante(es) para o surgimento dessa sociabilidade comunitária. O que podemos sugerir é que parece estar [intrinsecamente] em nossa natureza ontológica essa condição tendenciosa à sociabilidade.

Com o evoluir da humanidade, os fatores míticos rechearam o imaginário dos homens a ponto de se tornar um “produto final e único” para o bom-viver social. Algumas das grandes civilizações se viram presas aos seus discursos poéticos [através dos aedos e rapsodos, por exemplos], livros sagrados e doutros produtos que pudessem extrair mecanismos éticos capazes de aplicar em sociedade. Porém, sem sombra de dúvida, a percepção grega foi a mais magnífica acerca do ser ético!

Os hélades2, por muito tempo, adotavam discursos repletos de contos/narrativas acerca dos feitos galgados através dos semideuses e/ou deuses. A racionalidade se via estraçalhada diante desse imaginário mítico! Ora, alguns pensadores gregos percebendo a obscuridade explicativa acerca dos seus mais diversos questionamentos existenciais, instigaram-se a encontrar na observação da natureza outras maneiras reflexivas da realidade. Estes pensadores ficaram conhecidos como pré-socráticos3.

Quando o grego passou a refletir a partir dos elementos físicos/naturais e destes foram formados pensamentos racionais acerca da sua realidade, romperam-se os grilhões do misticismo, enquanto, fator constituidor do pensamento. Infelizmente, outras civilizações continuaram presas aos antigos paradigmas metafísicos, limitando-se a quimérica abstração.

Estando bem articulados nas pólis4, os hélades necessitaram adotar posturas éticas que pensassem no bem-comum, enquanto elemento fundamental para a articulação epistémica. O que ocorria desta maneira ao se pensar racionalmente? A abrangência do viver eticamente, na sociedade grega, passou a adotar elementos e mecanismos lógicos presentes na Filosofia, Política, Economia, entre outros. Imagine, por um breve momento, o quão pomposo seria pensar o modo de viver a partir da ética (gr. Éthos5). Exatamente, graças, aos hélades que surge a Ética e, felizmente, sua disseminação epistemológica não parou no tempo.

No medievo surge a concepção da moralidade (lat. Mores6). Com o aparecimento da moral, indubitavelmente, a ética pôde contar com um elemento indissociável para si. De antemão, tanto a ética quanto a moral estão justapostas harmoniosamente e mutuamente mesmo sendo ambas, conceitualmente, diferentes. Como ocorre esta distinção [ética x moral]? A ética analisará o pensamento. Já, a moralidade debruçará na produção dos atos evocados desse pensar ético. Temos o cumprimento da lei [ipsi literis] como manifestação da moralidade e, por fim, a reflexão nesse cumprir à lei como uma postura ética.

A nova ruptura dos valores judaico-cristãos presentes na moralidade [e no entendimento da ética] ocorreu por intermédio do pensador italiano Niccoló Maquiavel7. Todavia, este pontapé inicial – proposto pelo pensador supracitado – ganhou maior projeção na Modernidade com a profunda racionalização produzida por Descartes [cogito ergo sum8].

Na Revolução Industrial, a tecnicidade e objetividade mecanicista forjaram novos produtos científicos, isto é, a massificação da ciência tomou uma projeção latente sufocando os fatores metafísicos. Com isso, foram cedidos lugares ao estudo de normas axiológicas que pudessem prover as carências e necessidades sentidas nas sociedades industrializadas (capitalistas).

A onda capitalista exigia da sociedade a capacidade de lidar com os dilemas éticos-morais de forma aprazível. Para isso, deveria existir um ritmo que objetivasse a eficácia e rapidez na geração de produtos e respostas. Códigos de éticas-morais profissionais passam a se (re)modelar continuamente para que os sujeitos pudessem estar enquadrados, de acordo, com a vontade mercadológica, em voga!


POSTURA ÉTICA-MORAL POLICIAL

O Estado (macroestrutura) consegue garantir o cumprimento da sua vontade, graças, aos seus elementos instituídos (microestruturas) detentores de poder/força sobre os sujeitos. Para que haja um limite singular e democrático, onde não se burla e nem fira a vontade comum, a normativa legal será o justo medidor/barreira/limite no momento das tomadas de ações promovidas pela macroestrutura e/ou microestrutura.

As leis surgem como meio delimitador das condutas, pois dentro de uma sociedade todos precisam saber, sem escusa alguma, qual sua finalidade teleológica. Infelizmente, uma preconcepção simplista da lei se baseia, meramente, numa projeção punitiva. Há outros aspectos ligados à lei, que não “se resumem” somente na concepção do punir! O que existem são cartilhas socialmente aceitas organizadas por meio de leis, que definem o modo como cada sujeito, indiscutivelmente, deve se portar para promover à boa convivência coletiva. Para isso, todos os conteúdos jurídicos produzidos devem ser refletidos, discutidos e fundamentados sob juízos valorativos. Eis, portanto, a entrada triunfal do papel da ética-moral.

Numa sociedade tendenciosa à corrupção e infração dos mecanismos legais socialmente elencados, competirá ao agente de segurança ser o elemento ímpar na execução da vontade estatal. Isto quer dizer, que cabe ao policial militar durante sua atividade-fim, saber questionar e julgar quais são os bons e maus valores a serem tomados, sabendo, finalmente, respeitar e dignificar as pessoas a partir das suas diferenças e potencialidades.

Afinal, o policial também é um sujeito enquadrado num circunspecto normativo. Como membro de uma sociedade, o policial também é um cidadão. Daí a extrema necessidade surgida para o policial, enquanto, ser social. Ou seja, o policial ao mesmo tempo que “representa à extensão estatal” será acima de tudo... um cidadão! Eis, o grande diálogo ontológico a ser travado.

Estes dois papéis assumidos – extensão do Estado e cidadão – por parte do policial não deve ser uma barreira identitária na hora de relacionar-se socialmente. O mais importante será saber lidar com esta dualidade! É desafiador ter que transitar entre duas posturas; devendo saber, pormenorizadamente, estar bem apresentado [sentido ético-moral] onde for preciso.

Portanto, antes de assumir qualquer ato é importantíssimo que o policial saiba estar sintonizado à sua realidade, enquanto, cidadão e agente público. Ambos, por sua vez, são abraçados por um corpo normativo que preza por um código ético-moral – seja explicitamente ou não sua manifestação. Daí a necessidade de que todo policial deve ter, quando estiver em interação social: saber ser e se fazer ético-moral.


NOTAS



1 Licenciado em História (UnP) e em Filosofia (UFRN). Possui especialização em Docência no Ensino Superior (UnP). Atua(ou) lecionando os seguintes componentes curriculares: Artes, História, Filosofia, Sociologia, Religião, Idioma Hebraico (A1 – nível básico) em escolas de ensino regular da rede pública e privada, além da UFRN. Atualmente, é professor do quadro permanente do RN, militar, escritor, tradutor, compositor e orientador de trabalhos em trabalhos científicos. E-mail: diegoavelinohistoriador@yahoo.com.br


2 The name of Hellas and of the Hellenes embraced at first only the two northern settlements of Phtiotis and Dodona. Then it be­came the name for Thessaly; after that for the Isthmus; later for the territory including the Peloponnesus; and, finally, it was the name for everything that was nonbarbarian. Even after Hellas was deprived of independence and was the scene of various conquests, her name was, nonetheless, to become forever imortal. THE GOSPEL OF HELLAS, p.18.


O nome de hélas e dos Helenos abrangeu inicialmente apenas os dois assentamentos do norte de Phtiotis e Dodona. Então tornou-se o nome da Tessália; depois para o Isthmu; depois para o território, incluindo o Peloponeso; e, finalmente, era o nome de tudo que não era bárbaro. Mesmo depois que Hellas foi privada da independência e foi palco de várias conquistas, seu nome foi, no entanto, tornar-se para sempre imortal. O EVANGELHO DOS HÉLAS, p.18. [Tradução nossa]


3 Thus in saying that the Presocratics were rational men I mean no more than this: that the broad and bold theories which they advanced were presented not as ex cathedra pronouncements for the faithful to believe and the godless to ignore, but as the conclusions of arguments, as reasoned propositions for reasonable men to contemplate and debate. And in holding that the Presocratics were the fathers of rational thought I hold only that they were the first men self-consciously to subordinate assertion to argument and dogma to logic. Some readers may wonder if such a weak form of rationality is not too common a property to merit admiration: to them I commend the aphorism of Bishop Berkeley: All men have opinions, but few men think. THE PRESOCRATIC PHILOSOPHERS, p. 03.


Assim, ao dizer que os pré-socráticos eram homens racionais, não quero dizer mais do que isso: que as teorias amplas e ousadas que eles apresentaram não foram apresentadas como pronunciamentos ex cathedra para os fiéis acreditarem e os ímpios ignorarem, mas como conclusões de argumentos, como proposições fundamentadas para homens razoáveis ​​contemplarem e debaterem. E, ao sustentar que os pré-socráticos eram os pais do pensamento racional, sustento apenas que eles foram os primeiros homens conscientemente a subordinar a afirmação ao argumento e o dogma à lógica. Alguns leitores podem se perguntar se uma forma tão fraca de racionalidade não é uma propriedade muito comum para merecer admiração: a eles recomendo o aforismo do bispo Berkeley: todos os homens têm opiniões, mas poucos pensam. OS FILÓSOFOS PRESOCRÁTICOS, p. 03. [Tradução nossa]


4 The term polis has, therefore, been translated as ‘city-state’ as there was typically only one city and because an individual polis was independent from other poleis in terms of political, judicial, legal, religious and social institutions and practices, each polis was in effect a state. ANCIENT HISTORY ENCYCLOPEDIA.


O termo pólis foi, portanto, traduzido como 'cidade-estado', pois havia tipicamente apenas uma cidade e porque uma polis individual era independente de outras póleis em termos de instituições e práticas políticas, judiciais, legais, religiosas e sociais, cada polis estava em vigor um estado. ENCICLOPEDIA DA HISTÓRIA ANTIGA. [Tradução nossa]

5 The code of good conduct for an individual or group. THESAURUS.PLUS


O código de boa conduta para um indivíduo ou grupo. O código de boa conduta para um indivíduo ou grupo. THESAURUS.PLUS [Tradução nossa]

6 Personal conduct or behavior as evaluated by an accepted standard of appropriateness for a social or professional setting. THESAURUS.PLUS


Conduta ou comportamento pessoal avaliado por um padrão aceito de adequação para um ambiente social ou profissional. THESAURUS.PLUS [Tradução nossa]

7 Machiavelli was a 16th century Florentine philosopher known primarily for his political ideas. His two most famous philosophical books, The Prince and the Discourses on Livy, were published after his death. His philosophical legacy remains enigmatic, but that result should not be surprising for a thinker who understood the necessity to work sometimes from the shadows. INTERNET ENCYCLOPEDIA OF PHILOSOPHY: A PEER-REVIEWED ACADEMIC RESOURCE.


Maquiavel era um filósofo florentino do século XVI, conhecido principalmente por suas ideias políticas. Seus dois livros filosóficos mais famosos, O Príncipe e os Discursos sobre Livy, foram publicados após sua morte. Seu legado filosófico permanece enigmático, mas esse resultado não deve ser surpreendente para um pensador que entendeu a necessidade de trabalhar às vezes a partir das sombras. ENCICLOPÉDIA DA FILOSOFIA NA INTERNET: UM RECURSO ACADÊMICO REVISADO POR PARES. [Tradução nossa]


8 René Descartes is often credited with being the “Father of Modern Philosophy.” This title is justified due both to his break with the traditional Scholastic-Aristotelian philosophy prevalent at his time and to his development and promotion of the new, mechanistic sciences. His fundamental break with Scholastic philosophy was twofold. First, Descartes thought that the Scholastics’ method was prone to doubt given their reliance on sensation as the source for all knowledge. Second, he wanted to replace their final causal model of scientific explanation with the more modern, mechanistic model. [...] In the Second Meditation, Descartes tries to establish absolute certainty in his famous reasoning: Cogito, ergo sum or “I think, therefore I am” INTERNET ENCYCLOPEDIA OF PHILOSOPHY: A PEER-REVIEWED ACADEMIC RESOURCE.


René Descartes é frequentemente creditado como o "Pai da Filosofia Moderna". Este título se justifica devido à sua ruptura com a filosofia tradicional escolástica-aristotélica predominante em sua época e ao seu desenvolvimento e promoção de novas ciências mecanicistas. Sua ruptura fundamental com a filosofia escolástica foi dupla. Primeiro, Descartes achava que o método dos escolásticos era propenso a duvidar, devido à sua confiança na sensação como fonte de todo conhecimento. Descartes queria substituir o modelo causal final de explicação científica pelo modelo mecanicista mais moderno. [...] Na Segunda Meditação, Descartes tenta estabelecer certeza absoluta em seu famoso raciocínio: Cogito, ergo sum ou “eu penso, logo existo”. ENCICLOPÉDIA DA FILOSOFIA NA INTERNET: UM RECURSO ACADÊMICO REVISADO POR PARES. [Tradução nossa]







FONTES CONSULTADAS


BARNES, Jonathan. THE PRESOCRATIC PHILOSOPHERS. Routledge & Kegan Paul Ltd: London and New York: 1982. Disponível em: https://www.hrstud.unizg.hr/_download/repository/Barnes%2C_Presocratic_Philosophers.pdf <Acesso em: 02/07/2023>.


CARTWRIGHT, Mark. POLIS. Ancient History Encyclopedia. Published on 06 June 2013. Disponível em: https://www.ancient.eu/Polis/ < Acesso em: 02/07/2023>.


HIEBEL, Frederick. THE GOSPEL OF HELLAS: The Mission of Ancient Greece and The Advent of Christ. Anthroposophic Press: New York, 1949. Disponível em: http://www.waldorfresearchinstitute.org/pdf/Hellas.pdf <Acesso em: 03/07/2023>.


SIDGWICK, Henry. OUTLINES OF THE HISTORY OF ETHICS FOR ENGLISH READERS. Macmillan and CO. London, 1886. Disponível em: http://www.henrysidgwick.com/outlinesofhistor00sidguoft.pdf <Acesso em: 01/07/2023>.


SINGER, Peter. ETHICS PHILOSOPHY. Encyclopaedia Britannica. Disponível em: https://www.britannica.com/topic/ethics-philosophy < Acesso em: 01/07/2023>.


SILVA, Alcionir do Amarante. ÉTICA POLICIAL. Disponível em: http://www.pmrv.sc.gov.br/publicacoesETrabalhosArquivo.do?cdPublicacao=3268#:~:text=Atrav%C3%A9s%20do%20estudo%20a%20respeito,social%20que%20a%20profiss%C3%A3o%20lhe <Acesso em: 02/07/2023>.


SOARES, João Thiago Aureliano. ÉTICA E MORAL: INFLUÊNCIA NAS CORPORAÇÕES POLICIAIS MILITARES. Disponível em: https://joaothiago.jusbrasil.com.br/artigos/217712072/etica-e-moral-influencia-nas-corporacoes-policiais-militares <Acesso em: 02/07/2023>.



___________. Criminal Justice 101: Intro to Criminal Justice: Chapter 13 – The Role of the Police Department / Lesson 02: ETHICS, DISCRETION & PROFESSIONALISM IN POLICING. Disponível em: https://study.com/academy/lesson/ethics-discretion-professionalism-in-policing.html <Acesso em: 03/07/2023>.


___________. ETHOS AND MORES. Thesaurus.plus. Disponível em: https://thesaurus.plus/related/ethos/mores < Acesso em: 03/07/2023>.


___________.  INTERNET ENCYCLOPEDIA OF PHILOSOPHY: A PEER-REVIEWED ACADEMIC RESOURCE. Disponível em: https://www.iep.utm.edu/ <Acesso em: 03/07/2023>.














Postar um comentário

0 Comentários

Postagem em destaque

42 | CURSO SEI- Aprenda a Verificar o histórico do processo -AULA :01-BLOCO:05