Grandes Clássicos: Guerras Secretas (1984)
Entre os anos de 1984 a 1985, a Marvel e a DC forneceram aos fãs de quadrinhos duas sagas épicas e que até hoje são referenciadas e constituem o pilar dos respectivos universos. A Marvel foi a primeira, com a lendária Guerras Secretas (Secret Wars), um arco grandioso dividido em doze capítulos que se estendeu por um ano inteiro e reuniu boa parte de seus principais personagens, tanto super-heróis quanto vilões em uma batalha épica num planeta distante.
Muitos consideram como a primeira megassaga das HQs, que depois viraram estratégia de marketing com um evento anual (às vezes, até mais de um) e até mesmo uma “muleta” para impulsionar as vendas. Fato é que reunião de dezenas de personagens já havia ocorrido em outras oportunidades, mas nada comparado aos números vistos nessa saga – cerca de 800 mil exemplares vendidos por edição, com alguns chegando a um milhão.
O arco prolongado foi concebido graças à fabricante de brinquedos Mattel (sim, a mesma que produziu a linha do He-Man), que estava interessada em lançar uma nova linha de brinquedos com os personagens da Marvel. Para isso, a empresa imaginou uma HQ que estivesse atrelada aos brinquedos, a fim de aumentar as vendas. Também era o sonho dos fãs da editora um evento que reunisse grande parte dos seus heróis e vilões. Como o interesse foi mútuo, o editor-chefe da Marvel, Jim Shooter, deu sinal verde para o projeto.
O título “Guerras Secretas” surgiu porque a Mattel, numa pesquisa entre o público infanto-juvenil, reparou que as palavras “secreto” e “guerra” eram atraentes entre essa faixa etária. Para a arte, foi convidado o desenhista Mike Zeck, que estava em alta por seus trabalhos com Capitão América e Mestre do Kung Fu. Bob Layton chegou a substituir Zeck em alguns poucos capítulos. A história começou a ser concebida nas revistas de linha dos heróis participantes, com um gancho no final da história que mostrava os heróis sendo atraídos por uma geringonça que surgia do nada no meio do Central Park em Nova York. Ao se aproximarem, simplesmente sumiam.
Assim, o leitor era conduzido ao primeiro número da minissérie, que mostrava a máquina teletransportando todos paro espaço sideral. Entre os heróis capturados estavam os Vingadores (Capitão América, Thor, Homem de Ferro, Gavião Arqueiro, Capitã Marvel e Vespa), os X-Men (Prof. Xavier, Noturno, Colossus, Wolverine, Vampira, Ciclope e Tempestade), Quarteto Fantástico (Senhor Fantástico, Coisa e Tocha Humana), Homem-Aranha, Hulk e Mulher-Hulk. Para surpresa geral, entre os heróis também se encontrava Magneto, o arqui-inimigo dos X-Men.
Encontrando-se no que parecia uma nave espacial, o grupo descobre uma outra nave próxima à deles, transportando conhecidos super-vilões: Galactus, Dr. Destino, Dr. Octopus, Lagarto, Homem-Absorvente, Kang, Homem-Molecular, Ultron, Encantor e a Gangue da Demolição (Destruidor, Bate-Estacas, Maça e Aríete), que ali chegaram da mesma maneira que os heróis. Não demora e as naves presenciam a destruição de uma galáxia inteira e a formação de um novo planeta, reunindo partes de vários mundos. Esse local se chama Mundo Bélico.
Ainda sob o impacto disso tudo, os grupos ouvem a voz misteriosa do responsável por tudo: a entidade conhecida como Beyonder, que lança um desafio para todos: derrotarem o grupo inimigo em troca da realização de todos os seus desejos. O poderoso ser observava os terráqueos e ficou curioso em conhecer mais sobre a natureza humana. Para se ter uma ideia de seu imenso poder, logo de cara ele simplesmente nocauteou ninguém menos que o Galactus, que ousou enfrentá-lo.
É bom destacar que o Beyonder não se apresenta com forma física inicialmente e mal aparece durante toda a saga. Somente sua voz se faz ouvir numa fissura no céu. Magneto foi colocado entre os heróis pelo Beyonder por conta de seu propósito “altruísta” de defender a causa mutante. Como esperado, as desavenças logo começam a correr, tanto entre os vilões como entre os heróis e os X-Men preferem atuar à parte dos demais. Entre os vilões, além da guerra de egos e disputas internas por poder e liderança, o grupo questiona a presença de Galactus, uma entidade cósmica acima do bem e do mal.
Tanto que o poderoso personagem se aliena da batalha e tem seus próprios planos: consumir aquele pequeno planeta. Ele é impedido pelo Dr. Destino, que praticamente rouba a cena durante a saga, tentando vencer o próprio Beyonder e se tornar ainda mais poderoso. Além disso, ele também cria duas novas vilãs – Titânia e Vulcana – quando é descoberto que uma vila terrestre foi trazida pelo Beyonder para formar o Mundo Bélico. A saga se desenrola com muitas tramas e subtramas, interesses pessoais, discussões e, claro, vários embates entre heróis e vilões.
Há até mesmo algumas mortes, mas não são impactantes o suficiente, porque a editora não teve ousadia suficiente em eliminar personagens importantes. No entanto, Jim Shooter soube lidar muito bem com o roteiro, de modo que nenhum grupo tivesse mais destaque que o outro e a saga abrisse questionamentos sobre as consequências de uma guerra e poder a uma só pessoa. Além disso, Guerras Secretas também deixou muitas consequências que seriam aproveitadas futuramente, com situações que repercutiram e influenciaram o universo Marvel.
Um dos personagens mais afetados foi o Homem-Aranha: no Mundo Bélico, o personagem ganha um uniforme negro, com propriedades bastante úteis – ele não rasgava e se transformava em roupas comuns com o pensamento. Ao final da batalha, Peter traz esse uniforme para a Terra sem saber que se trata de um simbionte alienígena que se alimenta de emoções e de sua adrenalina, deixando-o mais agressivo. Mais tarde, esse “uniforme” se tornou o temível Venom, que cresceu em popularidade ao longo dos anos, tornando-se um dos maiores antagonistas do Escalador de Paredes.
Outro grupo bastante afetado foi o Quarteto Fantástico, que perdeu um de seus principais membros. Ao final do evento, o Coisa decidiu permanecer no Mundo Bélico visto que ali ele podia ocasionamente voltar à forma humana. Seu lugar foi ocupado pela Mulher-Hulk, que permaneceu na equipe por quase um ano, até o retorno triunfal do pedregoso herói. Outro personagem que também não saiu ileso foi o x-man Colossus, que vivia um relacionamento com a mutante Kitty Pryde. Durante as guerras, ele se apaixona pela alienígena Zsaji, que se sacrifica pelos heróis, afetando-o tão profundamente que ele até terminou sua relação com Kitty.
Para os Vingadores, a principal consequência foi o Visão tomar a liderança entre os membros que não participaram do evento e formar os Vingadores da Costa Oeste. A nova versão da Mulher-Aranha, que surgiu na metade da saga, se uniu a esse grupo posteriormente. Além disso, a saga influenciou outras mídias, sendo adaptada para a série animada do Homem-Aranha produzida nos anos 90, com algumas óbvias modificações (o uniforme negro surgiu antes das Guerras e a batalha contou com menos personagens).
Existe uma curiosidade digna de atenção: perto da conclusão das Guerras Secretas, a DC também lançou sua superssaga envolvendo uma tonelada de super-heróis: Crise Nas Infinitas Terras. O curto espaço entre ambas levou ao tradicional questionamento de quem copiou quem. Como a Marvel saiu na frente, o editor Jim Shooter tratou de atirar contra a concorrência e, numa entrevista, declarou que Guerras Secretas estava sendo desenvolvida há um ano e a DC não tinha planejamento de lançar algo parecido, por isso, correram atrás de fazer sua própria saga.
Porém, o fato é que Crise nas Infinitas Terras, que também teve 12 capítulos, estava em desenvolvimento há pelo menos cinco anos e seria lançada naquela época para comemorar os 50 anos da editora. Mais: Crise foi infinitamente superior porque reuniu TODOS os heróis e vilões da DC, num roteiro muito bem escrito e a arte do incrível George Pérez e mortes impactantes de personagens consagrados. Em julho de 1985, Shooter lançou Guerras Secretas II, com o Beyonder vindo à Terra e assumindo a forma humana, considerada uma das piores HQs de todos os tempos. Posteriormente, em 1988, Steve Englehart trouxe o Beyonder de volta em Guerras Secretas 3, numa HQ do Quarteto Fantástico.
A Editora Abril lançou as Guerras Secretas numa publicação própria, com o título em inglês, como lançado pela linha de brinquedos Gulliver, dividida em 12 edições quinzenais de 36 páginas, entre agosto de 1986 a janeiro de 1987. Ocorre que a cronologia das histórias estava dois anos atrasada em relação à que era publicada nos Estados Unidos, mas a minissérie precisou ser lançada por força de contrato com a Gulliver. Para não causar confusão nos leitores, que não iam entender as referências e alguns novos personagens, a editora alterou o final da história e suprimiu alguns personagens, como a Capitã Marvel e Vampira.
Foi só em 1994 que os leitores puderam ler a concepção original da saga, quando esta foi republicada na revista A Teia do Aranha (edições 62 a 66). Depois disso, ela já foi relançada em 2007, numa edição encadernada. Em 2015, a Salvat lançou em duas edições de capa dura na Coleção Oficial de Graphic Novels (Edições Vols. 6 e 7). No ano seguinte, ela saiu na Coleção Histórica Marvel, em quatro volumes (com o acréscimo de algumas HQs relacionadas) e, finalmente, um encadernado em capa dura. Por fim, a saga foi romanceada por Alex Irvine e publicada em livro pela Novo Século em 2015.
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