A aplicação da Pena de Prisão prevista no Código Penal Militar

 

A aplicação da Pena de Prisão prevista no Código Penal Militar








INTRODUÇÃO

A estipulação das sanções penais, a sua aplicação no caso concreto e posterior execução constituem dos temas mais instigantes, curiosos e árduos do Direito Penal.

No presente estudo, a pretensão é realizar uma breve análise da pena de prisão, modalidade de sanção restritiva de liberdade prevista pelo Código Penal Militar (CPM) entre as suas reprimendas principais.

Para tanto, nos valemos de pesquisa na doutrina e na jurisprudência, em especial, do Superior Tribunal Militar (STM).

DESENVOLVIMENTO

Diferentemente do Código Penal Brasileiro, o CPM estipula penas principais e penas acessórias e penas principais.

São penas principais, previstas no art. 55 do CPM, a de morte, prevista para hipóteses de crime militar tempo de guerra; a reclusão; a detenção; a prisão; o impedimento; a suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou função; e a reforma.

A prisão está assim regrada no CPM:

Art. 59 - A pena de reclusão ou de detenção até 2 (dois) anos, aplicada a militar, é convertida em pena de prisão e cumprida, quando não cabível a suspensão condicional: (Redação dada pela Lei nº 6.544, de 30.6.1978)
I - pelo oficial, em recinto de estabelecimento militar;
II - pela praça, em estabelecimento penal militar, onde ficará separada de presos que estejam cumprindo pena disciplinar ou pena privativa de liberdade por tempo superior a dois anos.
Separação de praças especiais e graduadas
Parágrafo único. Para efeito de separação, no cumprimento da pena de prisão, atender-se-á, também, à condição das praças especiais e à das graduadas, ou não; e, dentre as graduadas, à das que tenham graduação especial.

A primeira particularidade dessa modalidade punitiva decorre do fato de que a pena de prisão não se encontra prevista no preceito secundário das normas penais incriminadoras previstas na Parte Especial do CPM. Em outras palavras, para nenhum crime militar é prevista a pena de prisão.

A pena de prisão é, na verdade, a conversão da pena de reclusão ou de detenção de até 2 (dois) anos, aplicadas ao condenado militar, a fim de que seja ela cumprida, no caso de oficiais, em recinto de estabelecimento militar ou, se praça, em estabelecimento penal militar.

Logo não se confunde nem se assemelha à pena de prisão simples prevista no art.  da Lei de Contravencoes Penais

Mas por quê é assim?

A condenação de militar em até 2 (dois) anos não resulta, por si, na instauração de processo para perda do posto e da patente para oficial das Forças Armadas e das Forças Auxiliares; para a perda de graduação de praças das Forças Auxiliares; ou na aplicação da pena acessória exclusão de praça das Forças Armadas.

Assim, a Lei pressupõe que os militares condenados em penas restritivas de liberdade de até 2 (dois) anos voltarão a desempenhar as atribuições inerentes ao seu posto ou graduação.

Numa estrutura na qual impera a hierarquia e a disciplina, a preservação da força moral do indivíduo que voltará a exercer a função militar ganha relevo. Daí a estipulação das regras da pena de prisão, nos incisos I, II e parágrafo único do art. 59 do CPM, as quais se destinam a preservar o escalonamento hierárquico militar em sanções não superiores a 2 (dois) anos.

Note-se que a sanção de reclusão ou detenção não permite a separação entre oficiais e praças, civis e militares, o que afetaria os princípios da hierarquia e da disciplina militares, os quais restam preservados com a aplicação da pena de prisão.

Por isso se diz, na doutrina e em diversos julgados que a conversão da pena de detenção e reclusão em prisão é mais benéfica ao militar.

Porém, em verdade, a aplicação da pena de prisão visa à manutenção dos princípios da hierarquia e da disciplina militares e ao funcionamento regular das Forças Armadas e das Forças Auxiliares, a partir da preservação da pessoa dos condenados, que regressarão ao exercício de posto ou graduação no seio da corporação.

Diante disso, é constitucional a conversão da reclusão ou detenção em prisão. Nesse sentido, destaco a Ementa da Apelação nº 20-27.2014.7.06.0006/BA, relatada pelo Ministro Artur Vidigal de Oliveira, julgada em 6.6.2017, e a do HC nº 7000663-70.2019.7.00.0000, relator Min Gen Ex LUIS CARLOS GOMES MATTOS, julgado em 14.8.2019:

“EMENTA: APELAÇÃO. DEFESA. DESERÇÃO. ALEGAÇÕES DE ORDEM FINANCEIRA. CONSTITUCIONALIDADE DA ALÍNEA A DO INCISO II DO ART. 88 DO CPM. CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 59 DO CPM.
(...)
3. Remansosa é a jurisprudência firmada acerca da constitucionalidade da norma do art. 59 do CPM. A conversão da pena de reclusão ou detenção em prisão, em se tratando de militar em atividade, tem a finalidade de resguardar a disciplina e a hierarquia militares, permitindo que o condenado cumpra o tempo restante de sua pena em estabelecimento prisional militar e separado dos demais presos comuns.
Apelo não provido. Decisão unânime.”
“EMENTA: HABEAS CORPUS. ESPECIALIDADE DA JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO. RECEPÇÃO DO ARTIGO 59 DO CPM PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL A PAIRAR SOBRE O PACIENTE. DENEGAÇÃO DA ORDEM. A Carta Magna preconiza, em diversos artigos, o tratamento que deve ser dispensado ao jurisdicionado militar. Consagra, em particular nos arts. 122123 e 124, uma Justiça especializada para processá-lo e julgá-lo, de acordo com uma codificação penal e processual penal, orientada para tutelar bens jurídicos cuja preservação é indispensável à manutenção da estabilidade e da operacionalidade das Forças Armadas.
Nessa linha de compreensão, a dicção do art. 59 do CPM - ora questionada em sua constitucionalidade - de nenhum modo maltrata a Constituição da República, não estando, pois, a significar afronta a qualquer princípio constitucional.
Como ressai com clareza meridiana do quanto fundamentado na Inicial, deixou a Impetrante de levar em conta, no seu juízo de ponderação dos princípios constitucionais a serem considerados na espécie, principalmente o da soberania, o qual avulta como razão maior para a existência das Forças Armadas e da própria Justiça Militar como um dos mais efetivos meios para garantir-lhes a estabilidade e a efetividade da sua destinação constitucional de defesa da Pátria, da garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer deles, da lei e da ordem.
Nessa perspectiva, o art. 59 do CPM deve ser conceituado como preceito regulatório de cumprimento da pena de natureza especial, perfeitamente justificado, em última análise, pelo interesse das Forças Armadas, em determinadas hipóteses, de ver reprimidas condutas criminosas de seus integrantes, mas sem o comprometimento irreversível dos seus retornos às suas atividades na Caserna.
Também na mesma perspectiva, não cabe dizer que seria preceito a conter lacunas, na medida em que, com clareza meridiana, estabelecem as condições que devem ser cumpridas na aplicação da pena dos sentenciados a que se refere; e, obviamente, na dicção do art. 59 do CPM, há silêncio quanto aos regimes prisionais elencados no art. 33 do Código Penal, visto que, como norma especial não carente de complementação, dispensa alusão a qualquer outro dispositivo de lei, tendo, inclusive, justamente por essa sua natureza especial, prevalência sobre outra congênere de caráter geral.
Desse modo - e mais uma vez realçada a natureza especial do direito penal militar como um todo harmônico e sistêmico -, não há que se ver constrangimento ilegal algum a pairar sobre o Paciente, em face de não estar cumprindo a reprimenda que lhe foi imposta em regime aberto, conforme pretendido pela Impetrante. Denegação da Ordem. Decisão unânime.”.

Uma questão, que gerou divergência em diversos julgados do STM mas parece caminhar para a pacificação, refere-se à conversão das penas de reclusão e detenção em prisão, quando cabível o “sursis”.

Há entendimentos, encontradiços em alguns julgados e em declarações de voto, no sentido de que não seria cabível a conversão da detenção ou reclusão em prisão quando cabível o “sursis”.

Isso se deve à redação do art. 59 do CPM, cuja rápida leitura leva à crer que não cabe a conversão em prisão quando cabível o “sursis”. Transcrevo, novamente, o “caput” e os incisos do predito dispositivo:

Art. 59 - A pena de reclusão ou de detenção até 2 (dois) anos, aplicada a militar, é convertida em pena de prisão e cumprida, quando não cabível a suspensão condicional: (Redação dada pela Lei nº 6.544, de 30.6.1978)
I - pelo oficial, em recinto de estabelecimento militar;
II - pela praça, em estabelecimento penal militar, onde ficará separada de presos que estejam cumprindo pena disciplinar ou pena privativa de liberdade por tempo superior a dois anos.

Uma rápida e isolada leitura do “caput” do art. 599 doCPMM tem gerado o entendimento minoritário no sentido de que a expressão “quando não cabível a suspensão condicional” exclui a aplicação da conversão das penas de reclusão e detenção em prisão

No entanto, a leitura atenta e global do “caput” e dos incisos do art. 59 da norma nos faz extrair que o seu real sentido é o seguinte: a pena de reclusão ou de detenção até 2 (dois) anos, aplicada a militar, é convertida em pena de prisão e, quando não cabível a suspensão condicional, cumprida, pelo oficial, em recinto de estabelecimento militar e, pela praça, em estabelecimento penal militar.

Logo, o cumprimento da conversão da reclusão em prisão será cumprido nos estabelecimentos previstos nos incisos I e II do art. 59 do CPM se não for cabível a concessão do “sursis”.

Nesse sentido, vale citar, entre outros julgados do STM, a Apelação nº 30-21.2008.7.08.0008/PA, de relatoria da Min Dra. Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha, julgada em 7.6.2011, em cujo Voto restou consignado seguinte:

“Exortar a inaplicabilidade do art. 59 do CPM quando cabível a suspensão condicional seria interpretar a parte final do dispositivo da forma mais desfavorável ao réu.
Ao revés, a ratio essendi da norma insculpida no art. 59in fine, do CPM é determinar o modo de cumprimento da pena de prisão, que será executada nos estabelecimentos descritos nos incisos I e II, salvo se, obviamente, o condenado estiver solto, tendo sido sua pena suspensa condicionalmente.
Ainda que beneficiado com o sursis, a conversão para a pena de prisão é vantajosa para o réu, pois em caso de desobediência às condições do primeiro, o agente cumprirá a pena de prisão e não a detenção ou reclusão.”

Esse tem sido o entendimento prevalente no âmbito do STM.

En passant, vale destacar que o art. 59 do CPM não trata do regime aplicável ao cumprimento da pena prisão, o que, na doutrina de Cícero Robson Coimbra Neves e Marcelo Streifinger, não impede que o juiz aplique os benefícios dos regimes de cumprimento de reclusão e de detenção aos condenados.

No entanto, há um cuidado a ser adotado no momento da conversão da reclusão e da detenção em prisão, relativo à questão da fixação do regime aberto de cumprimento de pena.

O regime aberto é fixado unicamente para o caso de cumprimento de pena em estabelecimento prisional comum, nos termos da jurisprudência do STM:

"Enquanto o réu apenado detiver a condição de militar da ativa, permanecerá encarcerado em presídio castrense ou congênere, não sendo possível a aplicação do regime aberto previsto no art. 33, alínea 'c', do Código Penal comum, devido in casu ser imprescindível a observância à especialidade da lei castrense" (Superior Tribunal Militar, Apelação nº 7000147-84.2018.7.00.0000. Relatora Ministra Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha. Julgamento em 17/10/2018, Publicação DJE de 05/11/2018).

Nos casos em que sentença de primeira instância aplicou a pena de reclusão ou de detenção, fixou o regime aberto para o seu cumprimento e converteu a sanção em prisão, o STM, quando há recurso exclusivo da Defesa, tem suprimido a conversão daquela reprimenda em prisão, por ser mais benéfico ao réu:

“APELAÇÃO. RECURSO DEFENSIVO. DESERÇÃO. APLICAÇÃO DO SURSIS. DETENÇÃO E REGIME ABERTO. (...) A Sentença condenatória aplicou a pena de seis meses de detenção, transformando-a em prisão, com base no art. 59 do CPM. Entretanto, foi (...) determinado o regime aberto para o cumprimento da pena. Como na Sentença constam as duas situações, deve prevalecer a mais benéfica, qual seja, a que permite o regime aberto. Provimento parcial ao recurso defensivo tão somente para alterar a pena de prisão para detenção, em virtude de ter sido fixado o regime aberto para o caso de descumprimento das condições do sursis. Maioria.” (STM - AP: 111-59.2013.7.02.0202/SP, Relator: José Barroso Filho, Data de Julgamento: 21.10.2014, Data de Publicação: 03.11.2014, Veículo: DJE).
“Apelação. Réu denunciado pela prática dos crimes ínsitos no art. 160 (duas vezes) e no art. 163 (uma vez), ambos do CPM, em concurso material. Manutenção da condenação. (...) Provimento parcial ao recurso defensivo. Unânimes. (...) Foi fixado o regime inicial da pena aberto e, em contrapartida, a pena fixada foi convertida em prisão, à luz do art. 59 do CPM, o que torna, segundo a Corte, inviável a execução da pena, caso venha a ser revogado o benefício da suspensão condicional da pena. Restabelecimento da pena de detenção. Provimento parcial ao recurso defensivo. Decisão unânime.”. (STM - AP: 19-82.2015.7.10.0010/CE, Relator: José Barroso Filho, Data de Julgamento: 15.03.2016, Data de Publicação: 5.4.2016 Veículo: DJe).

Assim, conveniente se adotar o cuidado, muito comum nos Acórdãos do STM, de, no dispositivo, aplicar a pena de reclusão ou detenção e convertê-la em prisão, consignando, em parágrafo a parte, a fixação do regime aberto para o caso de cumprimento da sanção em estabelecimento civil.

Ao MPM, como “custus legis”, ou à parte interessada, convém, observada a concomitante fixação de pena de prisão e o regime aberto, apresentar embargos de declaração ou recorrer dessa parte da sentença, sob pena de revogação, pelo STM, da conversão da reclusão ou detenção em prisão, em razão da fixação do regime aberto para cumprimento da sanção penal.

CONCLUSÃO

A pena de prisão, aplicada a partir da conversão das penas de reclusão ou detenção de até 2 (dois) anos, é preceito regulatório de cumprimento da pena privativa de liberdade de natureza especial, perfeitamente constitucional e justificada pelos princípios da hierarquia e da disciplina, bem como no regular funcionamento das Forças Armadas e das Forças Auxiliares, as quais têm o interesse de ver reprimidas condutas criminosas de seus integrantes, mas, em algumas hipóteses, sem o comprometimento irreversível dos seus retornos às suas atividades na Caserna.



Faciens optimum optimo quod habet
Formado em Direito pela Faculdade de Direito de Varginha –1998, ingressou no Quadro Complementar de Oficiais do Exército em 2000.
É especialista em Direito Público (Faculdade Projeção –2006) e Direito Administrativo ( Anhanguera - 2010). Realizou o Curso de Direito Internacional Militar dos Conflitos Armados – San Remo – Itália 2012
FUNÇÕES EXERCIDAS:
- Assessor Jurídico do Comando Militar do Planalto, de 12/2000 a 10/2009;
- Assessor Jurídico do Comando de Operações Terrestres, 11/2009 a 11/2014;
- Analista no Gabinete do Ministro Marco Antônio de Farias - STM 12/2014 a 1/2021;
- Assessor Jurídico do Departamento de Ciência e Tecnologia do Exército desde 1/2021.

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