A infância de Cristo

 A infância de  Cristo 

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N.º17’2010

CONTENTS 

María Eugenia Díaz Tena 

Jesus Childhood in Medieval Castillan Literature ....................9  Maria Lucília Gonçalves Pires 

Chris’s Childhood in Baltasar Estaço’S Poetry ............................47 Maria Idalina Rodrigues  

“Journey of the child god to Egypt”: tradition and  innovation .......................................................................................................59 João Carlos Serafim 

Christ’s childhood in “Ednotationes et meditationes in  euangelia” from Padre Jeronimo Nadal (S.J.) ...............................79 Sara Augusto  

“School of Bethlem”: Love and Pedagogy ...................................109 Frei António-José de Almeida (O.P.) 

“Annuntiationis Puer”. The child in the Annunciation, in  Portugal .........................................................................................................133 Alena Robin 

The Passion of Christ according to José de Alcíbar ..............197 

VARIA 

Jorge Alves Osório 

The Humanist and the City: Erasmian Lucubration ...............231 Cristina Osswald 

The College of the Holly Name of Jesus in Bragança: The Everyday of a jesuit community ...............................................261 Vera Peixoto 

Editorial of Frei Miguel Pacheco’s Vida de la Sereníssima  

Infanta Doña Maria .................................................................................273 Abstracts in English at the end of each article. 

Recensões .....................................................................................................287 Crónica .........................................................................................................291

ÍNDICE 

A Infância de Cristo 

1 – La infancia de Jesús en la literatura medieval española María Eugenia Díaz Tena Analisamos neste artigo, que é a primeira parte de um estudo mais amplo, a presença  e o tratamento da infância do menino Jesus na produção literária da Idade Média  espanhola, do século XII ao século XIV. Tentamos reunir o maior número possível de  textos pertencentes a diferentes géneros da nossa literatura medieval, os quais contam ou  fazem referência a passagens da infância de Jesus e que têm como fonte a Bíblia ou os  evangelhos apócrifos. O nosso trabalho é organizado ao longo dos séculos, embora nas  conclusões finais fiquem muito definidas as diferenças no tratamento desta questão ao  longo dos séculos e dos gêneros da literatura. 

2 – A infância de Cristo na poesia de Baltasar Estaço Maria Lucília Gonçalves Pires No panorama da poesia portuguesa dedicada à infância de Cristo durante o período  Maneirista, a obra de Baltazer Estaço distingue-se pelo número de poemas que o autor  dedica a este tema e pela variedade de episódios que invoca. Neste artigo é analisada a  obra inédita do poeta, Diálogo do Menino Perdido, um longo panegírico da Sagrada  Família que se centra sobre o episódio de Jesus no templo. Contudo, é dada maior  atenção à poesia que narra a infância de Cristo incluída no seu trabalho impresso  intitulado Sonetos, canções, églogas e outras rimas, analisando-se os temas dominantes  e os principais processos estilísticos. A espiritualidade presente nesta obra também é  comparada com a literatura religiosa do tempo de modo a evidenciar alguns aspectos  contrastantes. 

 3 – Jornada do Menino Deos para o Egypto: tradição e inovação – Maria Idalina Resina  Rodrigues  

O artigo ocupa-se de um texto de teatro do século XVIII, Jornada do Menino Deos  para o Egypto, analisando-o na sua organização interna, no cruzamento de personagens  de diferentes esferas, na diversidade de teor dos diálogos, na originalidade do remate.  Procede-se igualmente ao confronto com seguros e possíveis antecedentes, desde a  narrativa evangélica de S. Mateus, aos evangelhos apócrifos e a determinados autos do  teatro espanhol e apontam-se alguns exemplos de tratamento do mesmo tema nas artes  plásticas.

4 – A infância de cristo em Ednotationes et meditationes in Euangelia do Padre Jerónimo  Nadal (S.J.) – João Carlos Serafim  

D. Vasco Luís da Gama (1612-1676), 1º Marquês de Niza, foi um dos primeiros  senhores que, em meados do século XVII, fez questão de dar corpo a uma livraria pública  capaz de impressionar Lisboa. Entre os muitos livros pedidos e aconselhados está a obra  do Padre Jerónimo Nadal – Adnotationes et meditationes in Euangelia (1594) – já na  altura reconhecida como uma preciosidade iconográfica... As imagens da infância –  anotadas e meditadas... – analisadas neste trabalho, mostram bem o virtuosismo do  estilo apologético jesuíta de então. A obra de Nadal assumiu a responsabilidade de fixar  uma retórica, de cristalizar uma paideia posteriormente cultivada com vigor. 

5 – Escola de Bethlem: amor e pedagogia – Sara Augusto  

A Escola de Bethlem, obra publicada em Évora em 1678, resulta da conjugação de dois  factores: em primeiro lugar, da preocupação do seu autor, o padre jesuíta Alexandre de  Gusmão (1629-1724), fundador do Seminário de Belém, no Estado da Bahia, com a  educação dos mais jovens e com a sua aprendizagem espiritual; em segundo lugar, do seu  particular afecto pelo Menino Deus do Presépio, fazendo desta representação uma fonte  inesgotável de metáforas e imagens do amor divino. Tratando-se de um compêndio de  lição e meditação, centrado sobre as três vias do amadurecimento espiritual, a Escola de  Bethlem é uma obra didáctica, perfeitamente enquadrada no contexto religioso e literário  em que se insere. Na sua função didáctica, tendo em conta as práticas de espiritualidade  e oração da Companhia de Jesus, esta obra de Alexandre de Gusmão corporiza o  princípio da necessidade de íntima relação entre a acção, a missionação e evangelização,  com a necessidade de oração e de intimidade com Deus. Em segundo lugar, a Escola  de Bethlem segue o princípio que norteou grande parte da produção religiosa ou moral  da época barroca: que a lição se torna mais eficaz quando proporcionada de forma mais  aprazível. Os artifícios discursivos, as metáforas e os emblemas, o engenho e a agudeza,  ao mesmo tempo que envolvem a atenção e o gosto do leitor, tornam simultaneamente  mais efectiva a lição transmitida. Assim, entre a lição e a meditação, a Escola de Bethlem  conta-nos a história da alma humana, etapa a etapa, classe a classe, até à união com  o divino, partindo, em cada pormenor, do cenário do Presépio, origem e motor da  produção de conceitos e da eficácia do ensino. 

6 – Annuntiationis Puer. O Menino na Anunciação, em Portugal – Frei António-José de  

Almeida (O.P.) 

Apresentam-se cronologicamente as imagens existentes em Portugal de uma forma rara  de representação do episódio evangélico da Anunciação: aquela em que aparece a figura  de um Menino pequenino nu, descendo do céu em direção à Virgem Maria. Além das 

já anteriormente conhecidas e reveladas em publicações especializadas, mostram-se aqui  pela primeira vez algumas novas imagens. Um grande espaço é concedido à procura de  explicação do surgimento de uma entalhadura impressa em Portugal numa edição do Flos  Sanctorum de Fr. Diogo do Rosário O.P. e a relação desta com iluminuras ou estampas  semelhantes (de origem francesa, alemã ou espanhola), em que o motivo do homúnculo  está ou não presente. Também aqui se faz a revelação de uma estampa desconhecida com  esta temática, impressa num livro francês conservado numa biblioteca de Santiago de  Compostela. 

7 – La Pasión de Cristo según José de Alcíbar – Alena Robin 

Este artigo propõe um estudo sobre uma série da Paixão, executada pelo pintor novo hispano José de Alcíbar (ativo 1751-1803), que se encontra atualmente conservada  no Museo de Arte Sacra, Chihuahua, México. Assinada e datada de 1776, a série se  compõe de 14 telas grandes. Porém, segundo o inventário dos bens pertencendo à igreja  paroquial de Chihuahua (atual Catedral), datado de 1801, a série teria sido constituída,  originalmente, por 15 telas. Também se sabe, pelo mesmo documento, que a série  decorava a nave da igreja. Este conjunto é singular por várias razões. Uma delas é que  foi encomendado à um dos mais famosos pintores do vice-reinado durante o período o  menos glorioso da cidade. Outra, é que a iconografia das pinturas é bastante complexa.  Apesar de faltar uma tela ao conjunto, todas as pinturas restantes possuem duas, as vezes  até três, cenas secundárias. O propósito deste artigo é de analisar esta série importante e  de tentar entender de que forma funcionava, tanto por si só como em relação ao espaço  no qual se encontrava : como deveria ser lida, e como se relaciona com os exercícios  piedosos que se realizavam no interior da igreja. 

VARIA 

8 – O humanista e a cidade: lucubrações erasmianas. – Jorge Alves Osório «Que outra coisa não é a cidade senão um grande mosteiro» (carta de 1518 a Martinho  Dorp); «Sempre me deixei encantar pelos grandes edifícios e as grandes cidades» (carta de  1529 a Johann Choler). Estas duas frases de Desidério Erasmo sintetizam o assunto deste  artigo: a ideia do humanista de Roterdão de que a vida dos cristãos se devia concentrar  na imitação e na filosofia de Cristo. Ao contrário do tão frequente elogio renascentista da  vida campestre, Erasmo valorizava e apreciava a convivência que a cidade proporcionava  no plano da amizade e das letras.

9 – O Colégio do Santo nome de Jesus em Bragança: um quotidiano jesuíta –  Cristina Osswald 

Este texto aborda alguns dos principais aspectos que marcaram o quotidiano da  comunidade habitando esta instituição. A fundação deste colégio ocorreu no período  de maior expansão da Companhia de Jesus em Portugal. Todavia, os seus inícios foram  muito difíceis (dificuldades climáticas, alimentares, a pouca apetência dos jesuítas para  viverem em zonas periféricas), o que levou mesmo a colocar-se a hipótese de encerrar o  colégio brigantino. Naturalmente, o desempenho de actividades religiosas era um aspecto  principal do quotidiano destes homens de religião. No entanto, todos os membros da  comunidade estavam obrigados a realizar tarefas manuais. Os horários seguidos eram  os horários da Assistência Lusitana. A alimentação era variada, respeitando o vestuário  as características climáticas locais. A preocupação com a saúde era um outro factor  fundamental marcando o quotidiano desta comunidade. Finalmente, esta comunidade  era afectada por dois tipos principais de hábitos nocivos: os abusos alimentares e os  problemas disciplinares.  

10 – O Percurso Editorial da obra Vida de la Sereníssima Infanta Doña Maria de Frei  Miguel Pacheco Vera Peixoto 

Vida de la Serenissima Infanta D. Maria, de Frei Miguel Pacheco (? – 1668), Regular  da Ordem de Cristo, foi obra publicada em 1675, em Lisboa. Trata, como próprio  nome indica, da insigne Princesa D. Maria (1521 – 1577), filha do Rei D. Manuel I de  Portugal (1469 – 1521), e inscreve-se na longa tradição de “escrita de vidas”, oferecendo  aos leitores/ouvintes um exemplo real de virtude e devoção. 

Embora publicado em 1675 em Lisboa (única edição conhecida), o texto foi redigido  em Madrid – aonde Frei Miguel Pacheco fora enviado pela Ordem Religiosa, para dar  seguimento aos legados testamentários da referida Infanta. A impressão da obra teve  início na corte castelhana, mas foi interrompida em 1668, ano da morte do autor, e  retomada apenas oito anos depois já na corte portuguesa.  

Neste artigo pretendemos explorar o singular e obscuro percurso editorial da obra de Frei  Miguel Pacheco, entre 1668 e 1675, entre Madrid e Lisboa. Para isso basear-nos-emos  em grande medida num exemplar impresso incompleto, recentemente encontrado no  Fundo Antigo da Biblioteca de Castilla-La Mancha, em Toledo, que veio, através das  variantes que apresenta, lançar alguma luz sobre a história de vida deste livro.

TENA, María Eugenia Díaz - LA INFANCIA DE JESÚS EN LA LITERATURA MEDIEVAL CASTELLANA Via Spiritus, Revista de História da Espiritualidade e do Sentimento Religioso, CITCEM, nº 17, 2010, págs.9-45  

La Infancia de Jesús 

en la Literatura Medieval Castellana (*) 

María Eugenia Díaz Tena  

(CiLengua & CITCEM) 

ABSTRACT 

Discussed in this article, which is the first part of a broader study, the  presence and treatment of childhood of Jesus in the literary production  of the Spanish Middle Ages, from the twelfth to the fourteenth century.  We tried to gather the largest possible number of texts belonging to  different genres of our medieval literature narrating or refer to passages  in the childhood of Jesus and the Bible or the apocryphal gospels are the  sources. Our work is organized for centuries, although the conclusions  are clear differences in the treatment of this issue for centuries and genres. 

El período de la vida de Jesús que nos interesa es el que va desde el momento  de su nacimiento hasta sus diez o doce años. Desde un enfoque global,  pretendemos analizar la presencia y el tratamiento de la infancia de Jesús en  la producción literaria de la edad media castellana. Hemos tratado de reunir  el mayor número posible de textos pertenecientes a los diferentes géneros de  nuestra literatura medieval que narran o hacen referencia a pasajes de la infancia  de Jesús y que tienen como fuente la Biblia o los evangelios apócrifos. Nuestro  trabajo está organizado por siglos, aunque intentaremos que en las conclusiones  finales queden muy claras las diferencias en el tratamiento de este tema por  siglos y por géneros literarios1

La infancia de Jesús en los textos canónicos: el Nuevo testamento2 Como es bien sabido, la Iglesia Católica sólo admite como inspirados por  Dios los evangelios llamados canónicos: Mateo, Marcos, Lucas y Juan, que  fueron fijados por los Padres de la Iglesia en el Concilio de Nicea (año 325)  y refrendados en Laodicea (año 363), donde se estableció la separación oficial  entre evangelios canónicos y apócrifos. 

* Este trabajo ha sido elaborado en el marco del Proyecto de Investigación «Modelos intelectuales, nuevos  textos y nuevos lectores en el siglo XV» (FFI2008-01563), financiado por el Ministerio de Ciencia e Inno vación. 

1 En la segunda parte de este artículo se presenta el grupo de textos relativos al siglo XV, que es el más nume roso, y las conclusiones globales del trabajo. 

2 La edición de la Biblia que hemos seguido es: La Sagrada Biblia (2002) - Bogotá: Zamora Editores.

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La materia común a los cuatro evangelistas comienza con la vida pública de  Jesús. Pero sólo Mateo y Lucas, en los dos primeros capítulos de sus respectivos  evangelios, refieren algunos episodios sobre el nacimiento e infancia de Jesús.  Aunque estos dos evangelistas no coinciden entre sí en lo que cuentan. 

El evangelio de la infancia en san Mateo comprende cinco episodios  redactados, remitiéndose a otros tantos textos del Antiguo Testamento:  concepción virginal de Cristo y nacimiento (Isaías 7,14), adoración de los  magos en Belén (Miqueas 5, 1-3), huida a Egipto (Óseas 11, 1), degollación  de los inocentes (Jeremías 31, 15) y regreso a Nazaret; mientras que en san  Lucas se advierten seis sucesos distintos, que se corresponden de dos en dos:  dos anunciaciones paralelas (a Zacarías y a la Virgen), dos nacimientos y  circuncisiones (de Juan y de Jesús), y finalmente, dos escenas correlativas en el  Templo (presentación y pérdida del Niño). 

Los evangelios de la infancia de Mateo y Lucas son un ejemplo del interés que  suscita este tema y constituyen el primer eslabón de una cadena que se prolongará  más tarde en los evangelios apócrifos –de los que hablaremos a continuación–,  cuyo propósito fue recuperar los años ocultos de la vida de Jesús. Si leemos  atentamente Mateo 1-2 y Lucas 1-2 veremos que efectivamente es muy poco lo  que tienen en común, y que –incluso– existen algunas discrepancias entre ellos.  Observamos, por ejemplo, que mientras en el relato de Lucas la protagonista  es María, en el de Mateo es José quien desempeña el papel principal. Tampoco  están de acuerdo Mateo y Lucas sobre la relación de Jesús y su familia con Belén  y Nazaret. Lucas parece dar a entender que la familia de Jesús era originaria  de Nazaret y que el nacimiento de Jesús en Belén se debió a una situación  coyuntural. Por su parte, Mateo parece presuponer que la familia de Jesús era  originaria de Belén y que su traslado a Nazaret fue debido al temor de que  Arquelao tuviera hacia Jesús la misma actitud que Herodes, su padre. En Mateo  no hay alusión al Templo ni al culto, ni siquiera a los preceptos de la Ley; en Lucas  casi todas las escenas se desarrollan en el Templo o en ambientes sacerdotales.  En definitiva, se diferencian en la selección de los episodios narrados; aunque  coinciden en la afirmación de múltiples hechos: la ascendencia de la familia de  David, la concepción virginal de Jesús, el nacimiento en Belén en tiempos del  rey Herodes, la atribución del nombre de Jesús, la estancia en Nazaret... 

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La infancia de Jesús en los textos apócrifos3 

En los orígenes del cristianismo, parece que no existían diferencias entre  escritos canónicos y apócrifos. Y estos últimos reflejan el sentir de aquellas  primeras comunidades cristianas acerca de Cristo, su persona y su familia. Lo  que está claro es que estos escritos apócrifos han influido en nuestras tradiciones  y folclore en general, además de ser determinantes en el establecimiento de  algunas devociones populares. 

¿En qué textos apócrifos encontramos referencias a la infancia de  Jesús?  

Protoevangelio de Santiago: 

Capítulo XIX: El hijo de María en la gruta; XX: Imprudencia de Salomé;  XXI: Visita de los magos; XXII: Furor de Herodes. 

Evangelio del Pseudo-Mateo4

Capítulo XIII: Visión de los dos pueblos/ Nacimiento de Jesús en la  gruta/ Testimonio de los pastores; XIV: El buey y el asno del pesebre; XV: La  circuncisión; XVI: Visita de los magos; XVII: Degollación de los inocentes;  XVIII: Jesús y los dragones; XIX: Los leones guían la caravana; XX: Milagro  de la palmera; XXI: La palma de la victoria; XXII: Los ídolos de Sotina; XXIII:  Cumplimiento de una profecía de Isaías; XXIV: Afrodisio adora a Jesús; XXV:  Regreso de Egipto a Judea; XXVI: Juegos del niño Jesús; XXVII: Los gorriones  de Jesús; XXVIII: Muerte del hijo de Anás; XXIX: Castigo de los hijos de Satán;  XXX: Zaquías; XXXI: Sabiduría de Jesús/ Confusión de Leví; XXXII: Jesús  resucita a un niño muerto; XXXIII: Jesús en la fuente; XXXIV: Milagro del  grano de trigo; XXXV: Jesús en medio de los leones; XXXVI: Jesús despide en  paz a los leones y les ordena que no hagan daño a nadie; XXXVII: Milagro del  trozo de madera; XXXVIII: Explicación del alfabeto; XXXIX: El niño Jesús  explica la ley; XL: Jesús resucita a un muerto a ruegos de José; XLI: Curación de  Jacobo; XLII: Jesús y su familia. 

Evangelio de santo Tomás: 

Capítulo I: Preámbulo; II: Gorriones hechos con barro; III: Muerte del hijo  de Anás; IV: Castigo infligido por Jesús a un niño; V: José reprende a Jesús;  VI: Exposición del alfabeto; VII: Perplejidad de Zaqueo; VIII: Conclusión de  la historia de Zaqueo; IX: Niño caído de una terraza; X: Resurrección de un  joven; XI: Jesús en la fuente; XII: Milagro del grano de trigo; XIII: Milagro  

3 Evangelios apócrifos (2004) - Madrid: Arkano Books. 

4 De este evangelio debemos destacar los capítulos XVIII, XIX, XX, XXI y XXXV, ya que veremos que  tienen una marcada resonancia en la literatura medieval castellana.

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de las dos piezas de un lecho; XIV: Relaciones con un segundo maestro; XV:  Jesús confunde a un tercer maestro; XVI: Jacobo, curado de una mordedura de  víbora; XVII: Resurrección de un niño; XVIII: Resurrección de un hombre;  XIX: Jesús en medio de los doctores. 

Historia de la infancia de Jesús, según santo Tomás: 

Capítulo I: De cómo María y José huyeron con Jesús a Egipto; XII: Jesús y  los doce pajarillos; III: Jesús vuelve de Egipto a Judea; IV: Cosas que hizo Jesús  en la villa de Nazareth; V: Los nazarenos se irritan contra José por las cosas que  obra Jesús; VI: De cómo fue tratado Jesús por un maestro de escuela; VII: Jesús  resucita a un niño; VIII: Jesús cura el pie de un niño; IX: Jesús lleva el agua en  su ropa; X: Jesús siembra trigo; XI: Jesús iguala dos maderos desiguales; XII:  Jesús es llevado a otro maestro para aprender las letras; XIII: Jesús es llevado  por tercera vez a otro maestro; XIV: Jesús cura a Jacobo de la mordedura de una  víbora; XV: Jesús resucita a otro niño. 

Evangelio árabe de la infancia5

Capítulo I: Palabras pronunciadas por Jesús en la cuna; II: Viaje de María y  de José a Bethlehem; III: La partera de Jerusalén; IV: Adoración de los pastores;  V: Circuncisión; VI: Presentación de Jesús en el templo; VII: Llegada de los  magos; VIII: Vuelta de los magos a su tierra; IX: Cólera de Herodes/ La huida  a Egipto; X: Llegada de la sagrada familia a Egipto/ Caída de los ídolos; XI:  Curación del hijo del sacerdote idólatra; XII: Temores de María y de José; XIII:  Liberación de viajeros capturados por bandidos; XIV: Curación de una poseída;  XV: Curación de una joven muda; XVI: Curación de otra poseída; XVII:  Curación de una leprosa; XVIII: Curación de un niño leproso; XIX: El joven  esposo librado de un sortilegio; XX: El joven convertido en mulo; XXI: El mulo  transformado en hombre; XXII: Unión de dos jóvenes curados por Jesús; XXIII:  Los dos bandidos; XXIV: La Sagrada Familia en Matarieh; XXV: La Sagrada  Familia en Misr; XXVI: Regreso a Nazareth; XXVII: Epidemia en Bethlehem/  Curación de un niño; XXVIII: Curación de otro niño; XXIX: Curación de  Cleopas/ Rivalidad de dos madres; XXX: Curación de Tomás Dídimo (o de  Bartolomé); XXXI: Curación de una leprosa; XXXII: Curación de otra leprosa;  XXXIII: La joven obsesionada por el demonio; XXXIV: Liberación de la poseída;  XXXV: El demonio expulsado de Judas Iscariotes; XXXVI: Las figurillas de  barro; XXXVII: Jesús en casa del tintorero; XXXVIII: Jesús en el taller de José;  XXXIX: El trozo de madera alargado; XL: Los niños convertidos en machos  

5 De este evangelio debemos destacar los capítulos XVIII y XXIII, ya que veremos que tienen una marcada  resonancia en la literatura medieval castellana, como comprobaremos más adelante.

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cabríos; XLI: Jesús en papel de rey; XLII: Curación de Simón, mordido por una  serpiente/ Dos prodigios más; XLIII: Jacobo mordido por una víbora; XLIV:  Resurrección de Zenón, caído de una azotea; XLV: El agua recogida en una  túnica; XLVI: El hijo de Hanan castigado con parálisis; XLVII: Jesús empujado  por un niño; XLVIII: Jesús en la escuela de Zaqueo; XLIX: El profesor castigado  de muerte; L: Jesús en medio de los doctores; LI: Ciencia de Jesús; LII: Jesús y  el filósofo; LIII: Jesús hallado en el templo. 

El evangelio armenio de la infancia6

Capítulo VIII: Del nacimiento de Nuestro Señor Jesucristo en la caverna;  IX: De cómo Eva, nuestra primera madre, y José llegaron a la caverna con  premura y vieron el parto de la muy bendita y santa virgen María; X: De los  pastores que vieron la natividad del Señor; XI: De cómo los magos llegaron con  presentes, para adorar al niño Jesús recién nacido; XII: De cómo José y María  circuncidaron a Jesús, y lo llevaron al templo de Jerusalén con presentes; XIII:  De la cólera de Herodes, y de cómo degolló a los niños de Bethlehem; XIV: De  cómo Herodes mató, en el templo, a Zacarías, el Gran Sacerdote, a causa de  su hijo Juan; XV: De cómo el ángel significó a José que huyese a Egipto; XVI:  De cómo la Sagrada Familia volvió a la tierra de Israel, y habitó en el país de  Galilea, en el pueblo de Nazareth; XVII: De cómo la Sagrada Familia abandonó  Egipto y fue al país de Siria/ Otros milagros y resurrecciones de muertos; XVIII:  De cómo la Sagrada Familia fue a la tierra de Canaán/ Travesuras infantiles  de Jesús; XIX: De cómo la Sagrada Familia volvió a la tierra de Israel y aplicó  a Jesús al estudio de las letras; XX: De cómo Jesús fue confiado a Gamaliel  para aprender las letras/ Nuevos prodigios realizados por Jesús; XXI: De cómo  la Sagrada Familia fue a la villa de Tiberíades y aplicó a Jesús al oficio de la  tintorería/ Milagros que allí pasaron; XXII: De cómo la Sagrada Familia fue  a Arimatea, donde Jesús hizo milagros y resucitó muertos; XXIII: De cómo  la Sagrada Familia fue al país de Galilea y lo que hizo Jesús con los niños de  los hebreos/ Un milagro; XXIV: De cómo la Sagrada Familia fue a la villa de  Emmaús y cómo Jesús curó a los enfermos/ Milagros obrados por él; XXV: De  cómo el ángel advirtió a José que fuese al pueblo de Nazareth; XXVI: Sobre las  numerosas curaciones que Jesús realizó en el pueblo, en al aldea y en diferentes  lugares; XXVII: De cómo se cumplieron las tradiciones escritas por los profetas  y sobre las cosas sorprendentes que hizo Jesús; XXVIII: Sobre el juicio que Jesús  pronunció entre dos soldados. 

6 De este evangelio debemos destacar el capítulo XI, ya que tiene una marcada resonancia en la literatura  medieval castellana.

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Historia copta de José el carpintero: 

Capítulo VII: Empadronamiento ordenado por Augusto y viaje de la Sagrada  Familia a Bethlehem; VIII: Satánica decisión de Herodes y huida a Egipto; IX:  Regreso de Egipto a Galilea; XI: Sumisión de Jesús a sus padres. 

Historia árabe de José el carpintero: 

Capítulo VII: Natividad de Jesús; VIII: Huida a Egipto; IX: Vuelta a  Nazareth. 

Fragmento del Evangelio de los egipcios: 

El niño Jesús y los alfareros. 

Evangelio de Taciano: 

Capítulo V: Genealogía y natividad de Jesús; VI: Aparece el ángel a los  pastores; VII: Jesús es llevado por sus padres a que lo circunciden; VIII: Los  magos que llegaron de Oriente; IX: Huida a Egipto de Jesús con sus padres José  y María; X: Herodes ordena matar a todos los niños pequeños; XI: Jesús vuelve  de Egipto; XII: Jesús en el templo de Jerusalén. 

Evangelio de Ammonio: 

Capítulo I: Acontecimientos que precedieron y que siguieron al nacimiento  de Jesús; II: Infancia de Jesús/ Aparición de Juan el Bautista. 

Una importante forma de difusión de los textos apócrifos fueron las  leyendas, hagiografías y ejemplarios, que circularon repetidamente durante la  Edad Media. La Leyenda Áurea de Jacobo da Vorágine (escrita en latín hacia  el año 1264)7, donde se incluyen numerosos episodios apócrifos tomados del  Pseudo-Mateo, alcanzó notable popularidad. Lo mismo sucede con el Speculum  Historiale de Vicente de Beauvais. Por otra parte, la iconografía y la imaginería  medieval contribuyeron a la fijación de muchos elementos que han adquirido el  carácter de tradicionales: el buey y la mula, la adoración de los reyes magos, el  milagro de la palma o los leones que se rinden ante el niño Jesús… 

7 VORÁGINE, Jacobo de (2006-2008) - La leyenda dorada (2 vols.). Madrid: Alianza editorial. Véanse  especialmente los siguientes capítulos del volumen I: VI (La Natividad de Nuestro Señor Jesucristo según la  carne), X (Los Inocentes), XIII (La Circuncisión del Señor), XIV (La Epifanía del Señor).

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Textos de la literatura medieval castellana en los que encontramos referencias  a la infancia de Jesús8 

SIGLO XII 

Encontramos, en este siglo, un texto teatral en el que aparece reflejado un  momento de la infancia de Jesús: la adoración de los reyes. A pesar de todas las  dudas e interrogantes en torno a la existencia o no del género teatral en esta  época, queda claro que las manifestaciones teatrales o parateatrales de la edad  media están vinculadas a la liturgia, tanto en el texto como en el espectáculo.  Esa subordinación hace que sean los criterios litúrgicos aquellos que se tienen  en cuenta para una clasificación por ciclos. Y el que más nos interesa para  nuestro trabajo es el ciclo de Navidad, ya que la liturgia de Navidad propició  representaciones dramáticas para escenificar el tema del nacimiento de Jesús y  de esta manera aparece el género del officium pastorum. La liturgia de epifanía  originará el subgénero del officium stellae, dentro del que se encuentra nuestro  primer texto teatral conservado. 

Auto de los reyes magos, anónimo [teatro] (finales del siglo XII)9: En 1863 Amador de los Ríos publica, por primera vez, uno de los textos  más sugerentes y controvertidos de nuestro teatro medieval. Calificado por  los especialistas como la primera y única obra conservada del teatro castellano  anterior al siglo XV. Se trata de una representación sobre la adoración de los  reyes magos, basada en el texto de Mateo y en los apócrifos. Pertenece al ciclo  litúrgico de la epifanía y procede de la Catedral de Toledo. Compuesto en la  segunda mitad del siglo XII y copiado en las páginas sobrantes de un códice  (Biblioteca Nacional de Madrid vª 5-9, letra de principios del siglo XIII). La  lengua del fragmento apunta a una posible fuente francesa, pero también es  verosímil pensar en una tradición vernácula peninsular. Su verdadero interés  radica en ser la primera obra del teatro europeo compuesta en una lengua vulgar. La imagen de la infancia de Jesús que se nos transmite es la de la visita y  adoración de los magos. Desde una perspectiva dramática, la duda es el núcleo  sobre el que se asienta la acción, observándose una gradación en el escepticismo  inicial de los magos; Baltasar es el más escéptico, mientras Gaspar y Melchor se  

8 Algunos de los textos, por su amplitud, aparecen en el anexo final a este trabajo. 

9 En la Navidad de 2008 ha sido representado este Auto de los Reyes Magos en el teatro Abadía de Madrid,  por la compañía segoviana Nao d´amores, dirigida por Ana Zamora (nieta del insigne filólogo Alonso Zamora  Vicente) y especializada en teatro prebarroco. Se mezclaron con el texto pasajes de un antiquísimo Canto de  la Sibila en latín y textos de Gonzalo de Berceo, del siglo XIII.

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muestran más crédulos10. Este es – sin duda – el texto más conocido de nuestra  literatura medieval que aborda la temática de la infancia de Jesús. 

SIGLO XIII 

Durante el siglo XII ya se vislumbran algunos focos de intensa actividad  cultural, como la escuela de traductores de Toledo, el Monasterio de Ripoll  o la corte arzobispal de Santiago de Compostela. Sin embargo, el verdadero  resurgimiento cultural no se logra en nuestra Península hasta el siglo XIII,  en el que nos encontramos con casi una decena de textos en los que se trata  abiertamente o se insinúa el tema de la infancia de Jesús. 

Cantar de Mío Cid, anónimo [poesía] (c. 1207): 

El primero de esos textos es el Cantar o Poema de Mío Cid, el monumento  más importante que se conserva de la épica castellana, que nos ha llegado en  un solo testimonio del siglo XIV (Biblioteca Nacional de Madrid, vª 7-17).  La composición del poema se sitúa en torno a 1200, como bien ha señalado  Alberto Montaner Frutos11

De la clásica división en tres cantares establecida por Menéndez Pidal, es en el  primero (Cantar del destierro, vv. 1 a 1086) y en el tercero (Cantar de la afrenta de  Corpes, vv. 2278 a 3730) donde encontramos las referencias a la infancia de Jesús.  

Será doña Jimena –esposa del Cid y personaje que sirve para dar realce a la  figura del héroe como esposo– la que hará referencia a la infancia de Jesús en el  Cantar del destierro, en la parte que se conoce como la «oración de doña Jimena»  (vv. 330-365)12

330 ¡Señor Glorioso, Padre que en el cielo estás!  

Hiciste el cielo y la tierra, lo tercero el mar;  

hiciste estrellas y luna, y el sol para calentar;  

realizaste tu encarnación en Santa María, tu madre,  

en Belén naciste, como fue tu voluntad,  

335 los pastores te glorificaron, te fueron a alabar,  

tres reyes de Arabia te vinieron a adorar,  

Melchor, Gaspar y Baltasar  

oro, incienso y mirra te ofrecieron, como fue tu voluntad; 

10 MENÉNDEZ PELÁEZ, Jesús (1999) - Historia de la literatura española. Edad media (vol. I), León: Eve rest, 329-333; ÁLVAREZ PELLITERO, Ana Mª (1990) - Teatro medieval. Madrid: Espasa Calpe. El texto del  Auto es el primero que aparece recogido en el anexo final. 

11 Cantar de Mio Cid (ed. Alberto MONTANER), Barcelona: Galaxia Gutenberg, 2007, LXXI-LXXIX. 12 El texto del Cantar de Mío Cid se cita por la edición modernizada y digital de Alberto MONTANER FRU TOS: http://www.caminodelcid.org/Camino_ElCantarenPDF.aspx

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Es el único texto del Cantar que hace un recorrido sucinto por diversos  libros de la Biblia y refleja la doble naturaleza del Dios-hombre. Del Nuevo  Testamento proceden las alusiones a la Encarnación (Lc 1, 26; Jn 1, 14); el  nacimiento del Salvador en la ciudad de Belén (Lc 2, 3-6); la adoración de  los pastores (Lc 2, 8-20)… Pero también da buena cuenta de la notoriedad y  autenticidad conferida a los evangelios apócrifos la mención de la adoración  de los tres reyes (vv. 336-338). El único evangelista que refiere la llegada de los  magos de Oriente a Belén y el ofrecimiento de los tres dones al niño es Mateo  (2, 1-12); sin embargo, el título de reyes y los respectivos nombres proceden de  los evangelios apócrifos (Evangelio armenio de la infancia). 

La segunda referencia a la infancia de Jesús en el Cantar no se hace de forma  directa, sino indirectamente. Nos referimos al conocido episodio de los leones,  que marca el inicio del tercer cantar y ha venido relacionándose principalmente  con el episodio bíblico de la liberación de Daniel del pozo de los leones (Dn  4, 17-25) –que también menciona doña Jimena en su oración–, pero que a  nosotros nos recuerda sobremanera el episodio narrado en el evangelio apócrifo  del Pseudo-Mateo (capítulo XXXV: Jesús en medio de los leones), en el que los  leones se humillan ante Jesús, tal y como sucede en el episodio del Cantar:  

En Valencia estaba mio Cid con todos los suyos  

con él sus dos yernos, los infantes de Carrión.  

2280 Echado en un escaño dormía el Campeador;  

un mal suceso sabed que les pasó:  

se salió de la jaula y se desató el león.  

Mucho miedo tuvieron en medio del salón;  

embrazan los mantos los del Campeador  

2285 y rodean el escaño y se quedan junto a su señor;  

Fernando González [................]  

2286b no vio dónde retirarse, ni habitación abierta ni torre,  

se metió bajo el escaño, tal fue su temor;  

Diego González por la puerta salió  

diciendo a voz en grito —¡No veré más Carrión!—,  

2290 tras la viga de un lagar se metió con gran temor,  

el manto y la túnica todos sucios los sacó.  

En esto se despertó el que en buena hora nació,  

vio el escaño rodeado de sus buenos varones:  

 —¿Qué es esto, mesnadas, y qué queréis vos?—  

2295 —¡Nuestro horado señor, nos asaltó el león!—  

Mio Cid hincó el codo, en pie se levantó, 

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el manto echado a la espalda, se encaminó hacia el león;  

el león, cuando lo vio, así se le humilló,  

ante mio Cid agachó la cabeza y el hocico bajó.  

2300 Mio Cid don Rodrigo por el cuello lo cogió,  

lo condujo con la mano y en la jaula lo metió. 

Este episodio nos hace pensar en la caracterización mesiánica del Cid a lo  largo de toda la obra y en una posible comparación entre la imagen y la vida  de Jesús y la del campeador, pues nos parece que existe un paralelismo en sus  biografías: la huida, el exilio y la pobreza, la abundancia de buenas obras…13 

La Fazienda de Ultramar se conserva en un códice único de la Biblioteca  Universitaria de Salamanca, el cual se ha fechado entre 1210 y 123514. Para  Deyermond constituye un itinerario geográfico e histórico como guía de  peregrinos a Tierra Santa, habitualmente relacionado con los libros de viajes y  las Biblias romanceadas15.  

La Fazienda incorpora una de las traducciones más tempranas de la Biblia  en lengua romance, por ello podemos encontrar en el texto referencias a Belén,  en las que se señala que allí nació Cristo ‘en el pesebre’ y así se engarzan los tres  tiempos que conforman el espacio referencial de la Fazienda, el de los grandes  personajes del Antiguo Testamento, el de Cristo y el contemporáneo. Es así  como –el autor– indica la pervivencia de los espacios bíblicos. 

La Doncella Teodor, es un texto anónimo en prosa, que se ha transmitido en  códices del siglo XV, aunque es muy probable que sea del XIII, como el resto  de la literatura sapiencial conservada16. La doncellita protagonista del texto,  que debería rondar los doce años cuando se enfrenta a los sabios, nos recuerda  sobremanera la escena del niño Jesús perdido en el templo al final de su infancia,  que nos narran Lucas y los evangelios apócrifos. Lo que nos hace pensar que  esa escena de la infancia subyace en una gran cantidad de textos sapienciales o  gnómicos de la edad media. 

13 Algo parecido podemos decir del combate de un caballero casi desarmado contra un fiero león, que aparece  en El rey Canamor, en el Amadís de Gaula o en Oliveros de Castilla

14 ALVAR, Carlos & LUCÍA MEGÍAS, José Manuel (2002) - Diccionario filológico de literatura medieval  española. Madrid: Castalia, 494-497; Moshé LAZAR (ed.), La Fazienda de Ultra Mar, Salamanca: Acta  Salmanticensia, 1965; SÁNCHEZ-PRIETO BORJA, Pedro (2008) - La Biblia en la historiografía medieval.  In La Biblia en la literatura española. I. Edad Media. I/2. El texto: fuente y autoridad. Madrid: Trotta. 

15 DEYERMOND, Alan D. (1973) - Historia de la literatura española I. La Edad Media. Barcelona: Ariel. 16 BARANDA, Nieves & INFANTES, Víctor (1995) - Narrativa popular de la edad media. Madrid: Akal,  59-83.

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Loores de Nuestra Señora de Gonzalo de Berceo [poesía] (c. 1250): En este poema de Gonzalo de Berceo se resume el papel de María dentro  de la historia de la salvación, desde el Antiguo Testamento hasta el momento  en que se escribe el poema; intentando fundamentar teológicamente el poder  intercesor de María entre su hijo y los hombres. La obrita rebasa el reducido  marco de los loores medievales, que sería su precedente, y se convierte en un  Compendium Historiae Salutis, como ha indicado Víctor García de la Concha17. En la época en la que Berceo escribe se acentúa la devoción a la humanidad  de Cristo, concentrada en el doble espacio de su Nacimiento y su Pasión, cosa  que también veremos en el Libro de la infancia y muerte de Jesús.  No asistimos en los Loores a una exposición por extenso de la vida de Cristo,  ni de su infancia, pero varias estrofas (de la 25 a la 42) se dedican a esta última18 y en ellas nos narra Berceo el momento de la natividad, la adoración de los  pastores, la estrella, la circuncisión del niño, la adoración de los Reyes –aunque  no se menciona que lo sean, pues se da más importancia a sus ofrendas y lo que  significan–, la presentación en el templo, la matanza de los inocentes, la huida  a Egipto y el regreso tras la muerte de Herodes. Sin embargo, como hace notar  García de la Concha, el orden en el que se presentan las escenas de la infancia de  Jesús muestra algunas incoherencias: 

En efecto, si es indiscutible que la Circuncisión, estrofa 30, precedió a la adoración  de los Magos, ya no resulta, en cambio, tan claro que ésta, estrofas 31 y s., haya  ocurrido antes que la Presentación en el Templo, referida en 33 y 34. El evangelio  de Lucas, que la sitúa -2, 22 y ss.- a renglón seguido de la Circuncisión -2,21- no  nos resuelve la duda, por cuanto silencia el episodio de los Magos; inversamente,  Mateo, que lo relata, no da la actual ordenación. El asunto no es baladí, ya que la  actual ordenación distancia e independiza la venida de los magos, estrofa 31, de la  inquietud de los “reyes de judea”, 35b, y de Herodes, 36a y ss., cuando, en realidad  y tal como Berceo señala en 39a, están muy ligados19

No quisiéramos dejar de mencionar que en el Evangelio armenio de la  infancia (capítulo XI, dedicado a los reyes magos), se nos cuenta que Gaspar  reconoce a Jesús como hijo de Dios encarnado y le ofrece incienso; que Baltasar  le reconoce como hijo de rey y le ofrece oro; y Melchor como hijo del hombre  

17 GARCÍA DE LA CONCHA, Víctor (1978) - Los Loores de Nuestra Sennora. ‘Un Compendium Historiae  Salutis’. In Actas de las II Jornadas de Estudios Berceanos, Berceo 94-95, 133-189. 18 Ver anexo final. 

19 GARCÍA DE LA CONCHA, Víctor (1978) - Los Loores de Nuestra Sennora. ‘Un Compendium Historiae  Salutis’, 152.

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y le ofrece mirra. Por lo que es probable que este motivo, que encontramos en  los Loores de Berceo y que se repite en el Libro de la infancia, se haya tomado de  este evangelio apócrifo. 

Así que en el texto de Berceo vemos cómo se mezclan la tradición canónica  y la apócrifa, además de darse bastante importancia a las revelaciones proféticas  y al hecho de que se cumplan las profecías marcadas en el Antiguo Testamento  con respecto al nacimiento e infancia de Jesús. 

Cantigas de Santa María de Alfonso X [poesía en galaico-portugués] (c. 1250): Dentro de la producción histórica, jurídica, científica y literaria, planificada  por Alfonso X el Sabio, su obra lírica ocupa un lugar importante y singular en  la historia de la literatura. En esta inmensa obra poética, la infancia de Jesús  aparece mencionada en la primera cantiga, que se inscribe en la tradición de los  loores de la virgen20

Esta é a primeira cantiga de loor de Santa Maria,  

ementando os VII goyos que ouve de seu fillo.  

[...] 

E demais quero-ll’ enmentar  

como chegou canssada  

a Beleem e foy pousar  

no portal da entrada,  

u paryu sen tardada  

Jesu-Crist’, e foy-o deytar,  

como moller menguada,  

u deytan a cevada,  

no presev’, e apousentar  

ontre bestias d’arada.  

   

E non ar quero obridar  

com’ angeos cantada  

loor a Deus foron cantar  

e «paz en terra dada»;  

nen como a contrada  

aos tres Reis en Ultramar  

ouv’ a strela mostrada,  

por que sen demorada  

veron sa offerta dar  

estranna e preçada.  

[...] 

20 El texto se cita por la edición digital completa de las cantigas, hecha por Christian BRASSY y que reprodu ce – además – la música de cada cantiga: http://brassy.perso.neuf.fr/PartMed/Cantigas/CSMIDI.html

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Aunque excede nuestros objetivos, no queremos dejar de mencionar que  algunas de las miniaturas que acompañan a las Cantigas de Alfonso X también  hacen referencia a momentos de la infancia de Jesús: el nacimiento –en las  cantigas I y LXXX–, la anunciación a los pastores –en la cantiga I– y la adoración  de los reyes magos –también en la cantiga I–, como muy bien ha estudiado  María Rosa Fernández Peña21

Las Siete Partidas de Alfonso X [prosa] (c. 1256-1265): 

En este texto jurídico se habla del nacimiento de Jesús y de la llegada de los  tres reyes magos para adorar al niño, en la ley que expone las cosas buenas que  pueden hacer los clérigos y en la que se habla de las representaciones que ellos  pueden llevar a cabo. Concretamente en la Partida I, título VI, ley XXXIV, que  dice ‘Cómo los clérigos deben decir las horas et facer las cosas que son buenas et  convenientes, et guardarse de las otras’: «Pero representaciones hi ha que pueden  los clérigos facer, asi como de la nascencia de nuestro señor Iesu Cristo que  demuestra como el ángel vino á los pastores et díxoles como era nacido, et otrosi  de su aparecimiento como le vinieron los tres reyes adorar…»22

General Estoria de Alfonso X [prosa] (1270-1284): 

De la sexta parte de la General Estoria de Alfonso X sólo se conserva un  fragmento de veinte folios en un códice de la catedral de Toledo, más una copia  del mismo. El manuscrito que transmite el fragmento está trunco y termina de  manera abrupta al llegar a los padres de María y, por tanto, antes del nacimiento  de Cristo. Pero según Pedro Sánchez-Prieto Borja23, el argumento principal de  esta parte de la General Estoria era contar la vida de María y Jesús (en el prólogo  se dice «siguiremos la ordenación de los capítulos del libro de las vidas e de los  miraglos e de las muertes de todos los santos»). Así que lo más probable es que  en esta parte se hablara de la infancia de Jesús. 

Libro de la Infancia y Muerte de Jesús, anónimo [poesía] (c. 1250)24: Este breve texto, considerado por algunos el poema hagiográfico en pareados  más antiguo, aparece junto al Libro de Apolonio y a la Vida de santa María  

21 FERNÁNDEZ PEÑA, María Rosa (2009) - Miniaturas de la Navidad en las Cantigas a Santa María de  Alfonso X. In La Natividad: arte, religiosidad y tradiciones populares. San Lorenzo de El Escorial: Real  Centro Universitario Escorial-María Cristina, 433-448. 

22 EL SABIO, D. Afonso (1807) - Las Siete Partidas. Madrid: Real Academia de la Historia, tomo I,  276 

23 SÁNCHEZ-PRIETO BORJA, Pedro (2008) - La Biblia en la historiografía medieval. In La Biblia en la  literatura española. I. Edad Media. I/2. El texto: fuente y autoridad. Madrid: Trotta. 24 ALVAR, Manuel (1965) - Libro de la Infancia y Muerte de Jesús (Libre de tres reyes d’ Orient). Madrid:  CSIC.

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Egipçiaca en el manuscrito escurialense K-III-4 y suele datarse en la primera  mitad del siglo XIII. La obrita contiene información sobre los tramos de la  vida de Jesús más oscuros, de ahí que coincida con los evangelios apócrifos en  algunos datos. 

Como señala Gómez Redondo, este texto poético «selecciona un conjunto  de viñetas de la infancia de Jesús con el difícil propósito de engarzar dos núcleos  significativos –el nacimiento y la muerte de Cristo– que en apariencia pueden  parecer contradictorios, pero que, en el fondo, revelan el hondo misterio de la  naturaleza, humana y divina, de Jesucristo»25.  

El Libro de la Infacia comienza narrando la adoración de los reyes26, que  desata la furia de Herodes y provoca la muerte de los inocentes y la huida de la  Sagrada Familia a Egipto; momento en el que se desarrolla la parte más original  de la obra, ya que no existe ninguna fuente que narre los acontecimientos que  suceden durante la huida:  

la Sagrada Familia cae en poder de dos salteadores, uno malo (cuya osadía llega hasta  el extremo de querer partir en dos al niño recién nacido: símbolo de los sufrimientos que  luego le aguardan) y otro bueno (que se horroriza por tal disparate); en casa de éste se  cobijan todos, ocurriendo en ella el primer milagro que obra Jesús: con el agua (nuevo  símbolo de salvación) en que ha sido bañado, sana el hijo del ladrón bueno, que había  nacido gafo27

Más tarde descubrimos que el ladrón malo también tiene un hijo, y que  estos dos niños seguirán los pasos de sus padres y serán condenados a morir en  la cruz junto a Cristo. 

En el Evangelio árabe de la infancia hay bastantes casos de curación de  leprosos, entre los que destacamos los capítulos XVIII («Curación de un niño  leproso», en los mismos términos que se produce la curación del niño en el  Libro) y XXIII («Los dos bandidos, Tito y Dúmaco, que asaltan a la Sagrada  Familia»). El argumento del Libro podría proceder de la refundición de esos  capítulos, unida al ingenio del anónimo autor, que crea una bella y tierna  imagen costumbrista. 

El anónimo autor, al igual que los evangelios apócrifos, se centra en los  pasajes y personajes más oscuros de la vida de Jesús, que son los que realmente  despiertan la curiosidad y centran la atención del pueblo. 

25 GÓMEZ REDONDO, Fernando (1996) - Poesía Española 1. Edad Media: juglaría, clerecía y romancero.  Barcelona: Crítica, 247. 

26 Véase texto en anexo. 

27 GÓMEZ REDONDO, Fernando (1996) - Poesía Española 1. Edad Media: juglaría, clerecía y romancero,  247-248.

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Castigos e Documentos del Rey D. Sancho de Sancho IV [prosa] (1292): El programa de instrucción religiosa salido del IV Concilio de Letrán  facilitó la difusión de un tipo de literatura que potenciaba el saber práctico y lo  encaminaba hacia el perfeccionamiento de la conducta moral, en particular, la  de los jóvenes nobles, llamados a convertirse en espejos en los que se habían de  mirar sus súbditos. Nace así un género literario, cuya función era la de educar y  formar al príncipe cristiano. 

A lo largo del siglo XIII se pueden encontrar varias obras de este signo,  como Poridad de poridades o el Libro de Alexandre, que en la versión del mester  de clerecía sigue la línea de los ‘espejos de príncipes’. Y no podemos obviar – salvando las distancias– la relación existente entre el nacimiento de Jesús y el de  Alejandro Magno, rodeados ambos de signos y señales maravillosas. 

Sancho IV –siguiendo la tradición heredada de su padre, Alfonso X–  patrocinó los Castigos e documentos, destinados a la educación de su hijo,  Fernando. Una obra que en su estructura y temática sigue la línea de los espejos  de príncipes europeos, tomando ejemplos de la Biblia, a los que se añaden  apólogos orientales y sentencias de autores clásicos. 

En el capítulo IX delinea la figura salomónica del rey justiciero y hace un  recorrido por la historia de la humanidad mostrando la manera en que Dios  castiga la injusticia; el capítulo está construido con materiales bíblicos, casi  exclusivamente. En la parte en la que muestra el castigo que dio Dios a aquellos  que incurrieron en algún modo de injusticia, menciona –entre otros ejemplos–  la matanza de los inocentes por parte de Herodes (Mt 2, 13-18): «Otrosí para  mientes en el juicio que dió Dios sobre el rey Herodes por los inocentes que  mató á tuerta que fueron ciento é cuarenta é cuatro mill criaturas»28

Más interesante es el capítulo XXXI, dedicado a la paciencia, que recoge  algunos episodios de la infancia del niño: Jesús y los dragones (capítulo XVIII  del Evangelio del Pseudo-Mateo), los leones guían la caravana (capítulo XIX  del Evangelio del Pseudo-Mateo), el milagro de la palmera (capítulo XX  del Evangelio del Pseudo-Mateo) y la palma de la victoria (capítulo XXI del  Evangelio del Pseudo-Mateo)29; estas dos últimas escenas, no será la única vez  que aparezcan en la prosa medieval castellana, ya que también las encontramos  en algunos de los textos del XV que finalmente hemos decidido no incluir en  este trabajo por motivos de extensión. 

28 Castigos é documentos del rey don Sancho in Escritores en prosa anteriores al siglo XV, Pascual de  GAYANGOS (ed.), Madrid: Rivadeneyra, 1860, 104. Véase también la edición más moderna de Castigos  del rey don Sancho IV (ed, introducción y notas de Hugo O. BIZZARRI), Frankfurt am Main: Vervuert Iberoamericana, 2001. 

29 Ver anexo final.

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SIGLO XIV 

Este siglo se caracteriza en Europa por una crisis de calado, que alcanzó  también a la Península y –especialmente– al reino de Castilla, dividido por las  cruentas luchas civiles protagonizadas por Pedro I el Cruel y los Trastámara. 

Los poemas del mester de clerecía presentan determinadas singularidades  formales y temáticas, que los diferencian de los poemas del siglo XIII. Los  hemistiquios del alejandrino ya no son tan rígidos como en el XIII y, con  frecuencia, el hemistiquio pasa a ser octosilábico. La cuaderna vía alterna con  otros esquemas estróficos, por lo que se da una polimetría estrófica. Temática  y funcionalmente también se observan algunas modificaciones: la tendencia  descriptiva y la narratividad de los poemas del siglo XIII dan paso a un fuerte  criticismo social y de las costumbres en el XIV. Se evoluciona, así, hacia un tipo de  literatura que adopta actitudes de denuncia. 

El tema de la infancia de Jesús lo hemos encontrado referenciado en tres textos  de este siglo. 

«Gozos de la Virgen», anónimo [poesía] (principio del XIV): Los Gozos marianos se difunden en dos versiones de distinta longitud: la más  breve hace referencia a siete momentos de la vida de María y aparece testimoniada  en la obra de Alfonso X o en Juan Ruiz; mientras que la más amplia hace  referencia a doce episodios o escenas. Como indica Gómez Redondo30, son dos  los testimonios conservados de la versión más extensa: el que aparece junto al  Libro de Miseria de Omne31 en el ms. 77 de la Biblioteca Menéndez Pelayo y parece  estar escrito en el molde de la cuaderna vía; y un testimonio conservado en el ms.  9/5809 de la Real Academia de la Historia, que ha sido estudiado y editado por  Ángel Gómez Moreno32. Como veremos más adelante, el Marqués de Santillana  también divide los gozos en doce. 

En la versión larga de los Gozos de la Virgen se hace referencia a varias escenas  de la infancia de Jesús, entre los gozos tercero y séptimo: nacimiento de Jesús,  adoración de los pastores y los tres Reyes, presentación de Jesús en el templo,  huida a Egipto y pérdida del niño en el templo33

30 GÓMEZ REDONDO, Fernando (1996) - Poesía Española 1. Edad Media: juglaría, clerecía y romancero, 574. 31 El Libro de miseria de omne es un poema de clerecía que romancea el De comtemptu mundi y se conserva  en un códice facticio de principios del siglo XV, donde se incluyen los Gozos. Para una descripción completa  del ms. 77, véase SORIANO, Catherine & MIRANDA, Alberto (1993) - Nueva descripción del manuscrito  77 (Miseria de omne) de la Biblioteca Menéndez Pelayo de Santander. In «Revista de Literatura Medieval»,  V, 279-285. Los Gozos de la Virgen fueron editados por ARTIGAS, Miguel (1925) - Unos Gozos de la Virgen,  

del siglo XIV. In Homenaje ofrecido a Menéndez Pidal. Madrid: Hernando, I, 371-375. 32 GÓMEZ MORENO, Ángel (1991) - Los Gozos de la Virgen en el ms. 9/ 5809 de la Real Academia de la  Historia in Studia in honorem prof. M. de Riquer. Barcelona: Quaderns Cremà, 233-245. 33 Ver texto en apéndice final.

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Libro de Buen Amor de Juan Ruiz, Arcipreste de Hita [poesía] (c. 1343) 34: En el famoso Libro del Arcipreste35, denominación que utiliza el Marqués de  Santillana en su Carta Proemio al condestable de Portugal, también encontramos  alguna referencia a la infancia del niño Jesús. Y, una vez más, esas noticias  aparecen en un cántico a la virgen María. 

Casi al principio de la obra, en las estrofas 20 a 43, podemos leer dos series  de gozos a la virgen y, en ambas series, vemos que en los gozos segundo y tercero  se trata el nacimiento de Jesús y la adoración de los Reyes36

[…] 

[25] En Belem acaesçió 

el segundo quando nasçió 

e sin dolor aparesçió 

de ti, Virgen, el Mexía. 

[26] El terçero cuentan las Leyes 

quando venieron los reyes 

e adoraron al que veyes 

en tu braço do yazía. 

[27] Ofreçiól mirra Gaspar, 

Melchior fue ençienso dar, 

oro ofreçió Baltasar 

al que Dios e omne seía. 

[…] 

[36] El segundo fue conplido 

quando fue de ti nasçido, 

e sin dolor; 

de los ángeles servido, 

fue luego conocido 

por Salvador. 

[37] Fue el tu gozo terçero 

quando vino el luzero 

a demostrar 

el camino verdadero 

a los reyes, conpañero 

fue en guiar. 

[…] 

34 Véase MORREALE, Margherita (1983) - Los ‘gozos’ de la Virgen en el Libro de Juan Ruiz (I). In «Revista  de Filología Española», tomo 63, fasc. 3-4, 223-290; y Los ‘gozos’ de la Virgen en el Libro de Juan Ruiz (II).  In Revista de Filología Española, tomo 64, fasc. 1-2, 1984, 1-70. 

35 Recordemos que el título de Libro de Buen Amor no se encuentra en ninguno de los manuscritos que  contienen esta obra y que fue Menéndez Pidal, el que le dio ese título, basándose en las estrofas 13 y 933. 36 RUIZ, Juan, Arcipreste de Hita, (1996) - Libro de buen amor (ed. Alberto BLECUA). Madrid: Cátedra, 15-21.

25 

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Al final del Libro de Buen Amor encontramos otros gozos a la virgen, en  las estrofas 1642 a 1648, y una nueva referencia al nacimiento del niño y a la  llegada de los Reyes37

[…] 

[1644] Parió su fijuelo, 

¡qué gozo tan maño!, 

a este moçuelo, 

el trezeno año; 

reys vinieron lluego 

con presente estraño 

adorallo. 

[…] 

Flor de istorias de Oriente, es una obra fraguada en el scriptorium del gran  maestre Juan Fernández de Heredia, de origen zaragozano, que se conserva  en un manuscrito de El Escorial. Es una traducción hecha según las versiones  catalana y francesa de la obra del monje Hayton [prosa historiográfica], del  último cuarto del siglo XIV. 

Como señala Pedro Sánchez-Prieto, en esta obra hay una curiosa referencia,  no bíblica, al pueblo del que proceden los tres reyes magos: 

[…] en el regno de Tarsia ay tres provincias, e los senyores de aquellas provincias se  fazen clamar reyes, e an una letra e un lenguage por sí mismos, e aquellas gentes son  clamadas iougout, e todos tiempos son estados idolatrices, e encara lo son todos el día de oy,  salvant la nación de aquellos tres reyes qui vinieron adorar la nativitat de Nuestro Senyor  Jesucristo por la demostrança de la estrella (7v-8r)38

Conclusión 

Planteamos a continuación unas conclusiones parciales del trabajo, que  serán ampliadas en la segunda parte del mismo. 

Las referencias a la infancia de Jesús en el género teatral son escasas durante  los siglos XII, XIII y XIV, pues sólo contamos con el testimonio del Auto de los  reyes magos; aunque la verdad es que esa nómina aumentará sensiblemente en  el siglo XV; y que en todos los casos la temática de la infancia se aborda desde  una perspectiva muy ajustada a la de los ciclos litúrgicos, con referencias menos  abundantes a la temática de la infancia presente en los evangelios apócrifos. 

37 RUIZ, Juan, Arcipreste de Hita (1996) - Libro de buen amor, 427-429. 

38 SÁNCHEZ-PRIETO BORJA, Pedro (2008) - La Biblia en la historiografía medieval, 163.

26 

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Por lo que respecta a la poesía, abundan los gozos y loores de la virgen  en los que se menciona la infancia de Jesús como un motivo más que ayuda  al ensalzamiento de María y refuerza la imagen de intercesora entre Dios y el  Hombre, tan presente en la literatura mariana de la edad media europea y latina.  En el caso de este género, las referencias a la infancia se desvían en contadas  ocasiones del canon bíblico para hacer referencia a informaciones de la infancia  sacadas de los evangelios apócrifos, es el caso de los Loores de Berceo o del  anónimo Libro de la Infancia, que –probablemente– utilizan esos episodios  más oscuros de la infancia de Jesús para llamar la atención del auditorio en un  contexto de predicación. 

En cuanto a la prosa39, comprobamos que la materia apócrifa de la infancia  tiene mayor cabida en este género, debido sin duda a su dimensión narrativa,  ejemplar y ficcional. Destaca la presencia de episodios milagrosos y fantásticos  relativos a la huida a Egipto –como el de la palmera, los dragones o el león– y la  pérdida de Jesús en el templo, que marca el final de su infancia y nos transmite  una imagen de Jesús como ‘niño sabio’ capaz de vencer con su conocimiento y  dar lecciones a los maestros de la comunidad. 

39 Incluimos dentro de este género la épica, por su carácter claramente narrativo.

27 

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ANEXO 

Auto de los reyes magos, anónimo [teatro] (finales del siglo XII): 

[Caspar, solo]40 

¡dios criador, qual marauila,  

no se qual es achesta strela!  

agora primas la e ueida,  

poco timpo a que es nacida.  

5 ¿nacido es el criador  

que es de la[s] gentes senior?  

non es uerdad, non se que digo; 

todo esto non uale uno figo. 

otra nocte me lo catare;  

10 si es uertad, bine lo sabre.  [Pausa] 

¿bine es uertad lo que io digo?  

en todo, en todo lo prohio.  

¿non pudet seer otra sennal?  

achesto es i non es al;  

15 nacido es dios, por uer, de  fembra  

in achest mes de december.  

ala ire, o que fure, aoralo e,  

por dios de todos lo terne.  

[Baltasar, solo

esta strela non se dond uinet,  

20 quin la trae o quin la tine.  ¿por que es achesta sennal?  

en mos dias [no] ui atal.  

certas nacido es en tirra  

aquel qui en pace i en guera  

25 senior a a seer da oriente de todos hata in occidente.  

por tres noches me lo uere  

i mas de uero lo sabre.  

[Pausa]  

¿en todo, en todo es nacido? 

30 non se si algo e ueido.  ire, lo aorare,  

i pregare i rogare.  

40 Reproducimos el texto del Auto de la edición  digital de la Bibliotheca Augustana: http://www.hs augsburg.de/~harsch/hispanica/Cronologia/siglo12/ Magos/mag_auto.html

[Melchior, solo

ual, criador, atal facinda  

¿fu numquas alguandre falada  

35 o en escriptura trubada?  tal estrela non es in celo,  

desto so io bono strelero;  

bine lo ueo sines escarno  

que uno omne es nacido de  

carne,  

40 que es senior de todo el mundo,  asi cumo el cilo es redondo;  

de todas gentes senior sera  

i todo seglo iugara.  

¿es? ¿non es?  

45 cudo que uerdad es.  

ueer lo e otra uegada,  

si es uertad o si es nada.  

[Pausa]  

nacido es el criador  

de todas las gentes maior; 

50 bine lo [u]eo que es uerdad;  ire ala, par caridad.  

[Caspar a Baltasar

dios uos salue, senior: ¿sodes  

uos strelero? 

dezidme la uertad, de uos  

sabelo quiro. 

[¿uedes tal marauilla?

55 [nacida] es una strela. 

[Baltasar] 

nacido es el criador, 

que de las gentes es senior. 

ire, lo aorare. 

[Caspar] 

io otrosi rogar lo e. 

[Melchior a los otros dos

60 seniores, ¿a qual tirra, o  que[redes] andar? 

28 

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¿queredes ir conmigo al criador  rogar? 

¿auedes lo ueido? io lo uo [aor] 

ar. 

[Caspar] 

nos imos otrosi, sil podremos  

falar. 

andemos tras el strela, ueremos  el logar. 

[Melchior] 

65 ¿cumo podremos prouar si es  homne mortal, 

o si es rei de terra o si celestrial? 

[Baltasar] 

¿queredes bine saber cumo lo  

sabremos? 

oro, mira i acenso a el  

ofreceremos: 

si fure rei de terra, el oro quera; 

70 si fure omne mortal, la mira  tomara; 

si rei celestrial, estos dos dexara, tomara el encenso quel  

pertenecera. 

[Caspar y Melchior] 

andemos i asi lo fagamos. 

[Caspar y los otros dos reyes, a  

Herodes

[Caspar] 

salue te el criador, dios te curie  

de mal:  

75 un poco te dizeremos, non te  queremos al; 

dios te de longa uita i te curie  

de mal;  

imos in romeria aquel rei  

adorar  

que es nacido in tirra, nol  

podemos fallar.  

[Herodes] 

¿que decides, o ides? ¿a quin  

ides buscar?  

80 ¿de qual terra uenides, o  queredes andar?  

decid me uostros nombres,  

nom los querades celar.  

[Caspar] 

a mi dizen caspar,  

est otro melchior, ad achest  

baltasar.  

rei, un rei es nacido que es  

senior de tirra,  

85 que mandara el seclo en grant  pace sines gera. 

[Herodes] 

¿es asi por uertad? 

[Caspar] 

si, rei, por caridad. 

[Herodes] 

¿i cumo lo sabedes?  

¿ia prouado lo auedes? 

[Caspar] 

90 rei, uertad te dizremos,  que prouado lo auemos. 

[Melchior] 

esto es grand ma[ra]uila; 

un strela es nacida.  

[Baltasar] 

sennal face que es nacido  

95 i in carne humana uenido.  

[Herodes] 

¿quanto i a que la uistes  

i que la percibistis?  

[Caspar] 

tredze dias a,  

i mais non auera,  

100 que la auemos ueida  i bine percebida. 

29 

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[Herodes] 

pus andad i buscad 

i a el adorad 

i por aqui tornad. 

105 io ala ire 

i adorarlo e.s c e n a   I V ] 

[Herodes, solo

¿quin uio numquas tal mal? 

¡sobre rei otro tal! 

¡aun non so io morto 

110 ni so la terra pusto! 

¿rei otro sobre mi? 

¡numquas atal non ui! 

el seglo ua a caga, 

ia non se que me faga. 

115 por uertad no lo creo ata que io lo ueo. 

uenga mio maiordo[ma] 

qui mio aueres toma. 

[Sale el mayordomo] 

id me por mios abades 

120 i por mios podestades i por mios scribanos 

i por meos gramatgos 

i por mios streleros 

i por mios retoricos; 

125 dezir man la uertad, si iace in escripto, 

o si lo saben elos o si lo a

sabido. 

[Salen los sabios de la Corte] 

[Los sabios] 

rei, ¿que te plaze? he nos  

uenidos. 

[Herodes] 

¿i traedes uostros escriptos? 

[Los sabios] 

rei, si traemos, 

130 los meiores que nos auemos. 

[Herodes] 

pus catad, 

dezid me la uertad, 

si es aquel omne nacido 

que estos tres rees man dicho. 

135 di, rabi, la uertad, si tu lo as  sabido. 

[El rabí] 

po[r] ueras uo[s] lo digo 

que nolo [fallo] escripto. 

[Otro rabí, al primero

¡hamihala, cumo eres enartado! 

¿por que eres rabi clamado? 

140 non entendes las profecias,  las que nos dixo ieremias. 

¡par mi lei, nos somos erados! 

¿por que non somos acordados? ¿por que non dezimos uertad? 

[Rabí primero] 

145 io non la se, par caridad. 

[Rabí segundo] 

por que no la habemos usada, 

ni en nostras uocas es falada.

30 

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Loores de Nuestra Señora de Gonzalo de Berceo [poesía] (c. 1250): 

25 Nueve meses folgó en el tu sancto seno 

fasta que el tïempo de la pariçón veno; 

quand´ se llegó la hora e el cuento fue lleno, 

fijo parist´ e padre sobre lecho de feno. 

26 Santo fue el tu parto, santo lo que pariste; 

virgo fust´ ant´ el parto, virgo remaneciste; 

pariendo, menoscabo ninguno non prisiste; 

el dicho d´ Isaía en esso lo compliste. 

27 Falliéronte lugares, ovist´ grant angostura, 

en pesebre de bestiasposiste la criatura; 

Ábacuch lo dixiera en la su escriptura 

Que conteçrié assí e ovo end´ pavura. 

28 Madre, en el tu parto nuevos signos cuntieron: 

pastores que velavan nuevas lumbres vidieron, 

de gozo e de paz nuevos cantos oyeron, 

la verdat de la cosa [estonz´ la entendieron].  

29 Otros signos cuntieron assaz de marabella: 

olio manó de piedra,nasció nueva estrella; 

el templo fue destructo, quand´ parió la puncella; 

paz fue por tod´ el mundo qual non fue ante d´ Ella. 

30 Siete días passados, vino la luz octava, 

circuncidest´ el niño, como la ley mandava; 

Tú faciés el misterio,mas Elli lo guïava, 

Tú cevavas a Elli, Él a ti governava. 

31 Nueva ´strella paresco estonce en Oriente; 

Balaam dixo d´ella, maguer non fue creyente. 

[………………… ………………….] 

Sopieron qu´ era signo del Rey omnipotente, 

a buscarlo vinieron, trayéronli presente. 

32 Tres dones l´ ofrecieron, cad´ ún con su figura: 

oro, porqu´ era rey e de real natura; 

a Dios davan encienso, qu´ assí es derechura; 

e mirra por condir la mortal carnadura. 

33 Al quarenteno día de la su pariçón, 

ofrecístel´ en templo, recibiól´ Simeón; 

mucho l´ plogo con Elli, dióli la bendición; 

nunca fue ofrecida tan rica oblación.

31 

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34 Madre, d´ aqueste passo profetó Malachías 

cómo vernié al templo el amado Mesías; 

e Tú, como saviés leyes e profecías, 

Tú lo fuisti cumpliendo como venién los días. 

35 Las nuevas d´ esti rëy ívanse levantando, 

los reyes de Judea ívanse apartando; 

non eran de natura, por end´ s´ ivan cuitando; 

maguer que se denueden, regnará sivuelquando. 

36 Herodes sobre todosfuertmiente fue irado; 

temié perder el regno, por end´ era quexado; 

asmó un mal consejo, vínoli del peccado; 

el mal finó en elli, quand´ fue bien denodado. 

37 Por cayer sobr´ el niño, un coto malo puso: 

que matassen los niños de dos años ayuso; 

Joseph s´ alçó con Elli, com´ el ángel l´ empuso. 

¡Rëy de tal justicia de Dios sea confuso! 

38 Quando los degollavan, cad´ uno pued´ veer 

el planto de las madres quánt grant podrié seer; 

como diz´ Jheremías, que bien es de creer, 

en Rama fue oído el planto de Rachel. 

39 Quand´ entendió Herodes que era engañado, 

los magos eran idos, el niño escapado, 

dolores lo cubrieron,de muerte fue quexado, 

matóse con su manoe murió desperado. 

40 Allí murió señero como mal traïdor, 

luego t´ fizo el ángel de la muert´ sabidor; 

tornaste de Egipto, do eras morador; 

Joseph te ministrava, com´ leal servidor. 

41 En todas las faciendas, Madre, mientes paravas, 

de dichos nin de fechos nada non olvidavas; 

en las humanas cosas al fijo ministravas, 

en las que son durables a Él te comendavas. 

42 Quand´ fue de doce años, maguer niño de días, 

ya iva voceando las sus derechurías; 

concludié los maestros, solvié las profecías, 

non osavan ant´ Él decir sobejanías. […] 41 

41 BERCEO, Gonzalo de (1992) - Loores de Nuestra Señora (ed. Nicasio SALVADOR MIGUEL). In Obra  Completa. Madrid: Espasa Calpe, 859-932.

32 

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Libro de la Infancia y Muerte de Jesús, anónimo [poesía] (c. 1250)42

Açi comença lo libre dels tres Reys Dorient  

Pues muchas vezes oyestes contar  

de los tres Reyes que vinieron buscar  

a Ihesuchristo, que era nado , 

una estrella los guiando; 5 

et de la grant marauilla  

que les a uino en la villa  

do Erodes era el traydor , 

enemigo del Criador.  

Entraron los Reyes por Betlem la çibdat, 10 

por saber Herodes si sabia verdat , 

en qual logar podrian ffallar  

aquell Senyor que hiuan buscar;  

que ellos nada non sabien  

Erodes si lo querie mal ho bien. 15 

E quando conell estudieron  

el estrella nunqua la vieron.  

Quando Erodes oyó el mandado  

mucho fue alegre e pagado.  

E ffizo senblante quel plazia, 20 

Mas nunqua vio tan negro dia.  

Dixo que de que fuera nado  

Nunqua oyera tan negro mandado.  

«Hitlo buscar sse que deuedes,  

venit aqui mostrar-me-lo edes; 25 

en qual logar lo podredes ffallar  

yo lo yré adorar».  

Los Reyes sallen de la çibdat,  

e catan a toda part,  

42 Texto disponible en: http://www.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/02582785400247240759079/ p0000001.htm#5

33 

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e vieron la su estrella 30 tan luziente e tan bella,  

que nunqua dellos se partió  

Ffasta que dentro los metió  

do la gloriosa era  

el Rey del cielo e de la tierra. 35 Entraron los Reys mucho omildosos  

e fincaron los ynoios;  

el houieron gozo por mira,  

offreçieron oro e ençensso e mirra.  

Baltasar offreçió horo 40 Por que era Rey poderoso.  

Melchor mirra por dulçora,  

por condir la mortal corona.  

E Gaspar le dio ençiensso  

que así era derecho. 45 Estos Reyes cumplieron sus mandados  

e sson se tornados  

por otras carreras a sus regnados.  

Quando Erodes ssopo  

que por hi non le an venido 50 mucho sen touo por escarnido.  

E dixo: «¡todo me miro!»  

E quando vio esta maravilla,  

fuerte fue sanyoso por mira;  

e con grant hira que en si auia 55 Dixo a sus vasallos: «¡via!»  

«Quantos ninyos fallar podredes  

todos los descabeçedes»;  

mezquinos que sin dolor  

obedecieron mandado de su sennyor. 60 Quantos ninyos fallauan  

Todos los descabeçauan.  

Por las manos los tomauan,  

por poco que los tirauan,  

sacaban a la vegadas, 65

34 

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los braços con las espaldas.  

¡Mesquinas, qué cuytas vieron  

las madres que los parieron!  

Toda madre puede entender  

qual duelo podrie seyer, 70 

que en el cielo fue oydo  

el planto de Rachel.  

Dexemos los moçuelos  

e non ayamos dellos duelos.  

Por quien fueron martiriados 75 

Suso al cielo son leuados.  

Cantarán siempre delante él,  

en huno con Sant Miguel,  

la gloriosa tamanyas  

sera que nunqua mas fin non haura 80 

Destos ninyos que siempre ffiesta façedes.  

Si por enogo non lo ouieredes,  

dezir uos e huna cosa  

de Christo e de la Gloriosa.  

Josep jazia adormido, 85 

el angel fue a él venido.  

Dixo: «lieua varon e ve tu vía, 

fuye con el ninyo e con Maria;  

vete pora Egipto,  

que assi la manda el escripto.» 90 

Leuantosse Josep mucho espantado,  

pensó de complir el mandado.  

Prende el ninyo e la madre  

e el guiólos como a padre.  

Non leuó con ellos re 95 

Sino huna bestia e ellos tres.  

Madrugaron grant manyana,  

solos pasan por la montanya.  

Encontraron dos peyones  

grandes e fuertes ladrones, 100 

que robauan los caminos 

35 

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e degollauan los pelegrinos.  

El que alguna cosa traxiesse  

non ha auer que lo valiesse.  

Presos fueron muy festino, 105 sacándolos del camino.  

De que fuera los touieron,  

entre si ravon ouieron.  

Dixo el ladron mas fellón,  

«Asi seya la petçión: 110 Tu que mayor e meior eres  

descoig dellos qual mal quisieres;  

desi partamos el mas chiquiello  

con el cuchiello».  

El otro ladron touo que dixie fuerte cosa 115 Et fablar por miedo non osa,  

por miedo que sse hiraria  

e que faria lo que dizia.  

Antes dixo que dizia sseso, 120 e quel partiessen bien por pesso.  

«Et oyas me amigo por caridat  

e por amor de piadat:  

penssemos de andar  

que hora es de aluergar. 125 En mi casa aluergaremos  

E cras como quirieres partiremos.  

E ssi se fueren por ninguna arte  

yo te pecharé tu parte».  

¡Dios!, que bien recebidos son 130 de la muger daquell ladron.  

A los mayores daua plomaças,  

e al ninyo toma en braço;  

e faziale tanto de plaçer  

quanto mas les podie fer. 135 Mas ell otro traydor quisiera luego  

Que antes ques posasen al fuego,  

manos e piedes les atar, 

36 

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e en la carçel los echar.  

El otro ladron començo de fablar 140 

como oyredes conptar:  

«Oyas me amigo por caridat  

e por amor de piedat;  

buena cosa e fuerte tenemos,  

cras como quisieres partiremos. 145 

E ssi se fueren por ninguna arte  

Yo te pechare tu parte.»  

La vespeda nin come nin posa  

Siruiendo a la Gloriosa.  

E ruegal por amor de piedat 150 

Que non le caya en pesar,  

E que su fijo lo de ha bañar.  

La Cloriosa diz: «banyatle,  

e fet lo que quisieredes,  

que en vuestro poder nos tenedes.» 155 

Va la huespeda correntera  

E puso del agua en la caldera.  

De que el agua houo asaz caliente,  

el ninyo en braços prende.  

Mientre lo banya al non faz 160 

sino cayer lagrimas por su faz.  

La Gloriosa la cataua;  

Demandól porque lloraua;  

«Huespeda, ¿porque llorades?,  

non me lo çeledes si bien hayades». 165 

Ella dixo: «non lo çelaré amiga  

mas queredes que uos diga.  

Yo tengo tamanya cueyta  

que querria seyer muerta.  

Un fijuelo que hauia 170 

Que pari el otro dia,  

afelo alli don jaz gafo  

por mi pecado despugado.»  

La Gloriosa diz: «dármelo varona, 

37 

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yo lo banyaré que no so ascorosa; 175 e podedes dezir que en este annyo  

Non puede auer meior vannyo.»  

Ffue la madre e prisolo en los braços,  

a la Gloriosa lo puso en las manos.  

La Gloriosa lo metio en el agua 180 do banyado era el Rey del çielo e de la tierra.  

La vertut fue fecha man a mano,  

metiol gafo a sacól sano.  

En el agua fincó todo el mal,  

tal lo saco com un cristal. 185 Quando la madre vio el fijo guarido  

grant alegria a consigo.  

«Huespeda, en buen dia a mi casa vieniestes  

Que a mi fijo me diestes.  

Et aquell ninyo que alli yaz 190 que tales miraglos faz,  

a tal es mi esperança  

que Dios es sines dubdança.»  

Corre la madre muy gozosa,  

al padre dize la cosa. 195 Contól todo cómol auino,  

mostról el fijo guarido.  

Quando el padre lo vio sano  

non vio cosa mas fues pagado;  

e por pauor del otro despertar, 200 pensó quedo des leauantar;  

e con pauor de non tardar  

Priso carne, vino e pan.  

Pero que media noche era  

Metiose con ellos a la carrera. 205 Escurriolos fasta en Egipto,  

Asi lo dize el escripto.  

E quando de ellos houo a partir  

merçet les començo de pedir,  

que el fijo que ell ha sanado 210

38 

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suyo seya acomendado.  

A tanto ge lo acomendo de suerte  

que suyo fues a la muerte.  

La Gloriosa ge lo ha otorgado;  

el ladron es ya tornado […] 

Castigos e Documentos del Rey D. Sancho de Sancho IV [prosa] (1292)43

Capítulo XXXI. 

Que fabla de cuán noble cosa es la paciencia, é cuántos bienes nacen della. … E con grand paciencia lo parió la gloriosa Virgen Santa María, su Madre, sin  dolor é sin corrompimiento de sí mesma, é sin todo mal. E con grand paciencia  lo tomó desque fue nascido é lo envolvió en su almajar, é le puso en el pesebre  ante el buey é el asno. 

Con grand paciencia fuyó con él para Egipto por miedo del rey Heródes,  cuando mandó matar los inocentes. Segund cuentan los nazarenos en los sus  Evangelios, dicen que yendo José é la gloriosa Virgen María por su camino,  vieron una cueva, é porque facia gran calentura, fueron á ella por reposar y un  poco. E estando allí Santa María, tenie el niño chiquito en su regazo, é andaban  con ellos tres mancebos é una doncella. É ellos así estando salieron de la cueva  á ellos muchos dragones, é cuando los vieron venir, dieron grandes voces con  grand pavor de muerte que hobieron. É cuando esto vió Jesucristo levantóse en  pié, é pasóse ante ellos; é desque los dragones lo vieron dejáronse todos caer en  tierra é adorárosle, é después fuéronse su carrera. É Jesucristo fue en pos dellos, é  díjoles que non tornasen á facer mal á ninguno de su compaña. Otrosí vinieron  despues á ellos muchos leones pardos é muchas maneras de bestias bravas, que  les tovieron compañía en tanto que andodieron por el desierto, é iban siempre  guiándoles por do fuesen, é facian señal que habian grand alegría en ir en su  compañía. 

Mas el primero día que la gloriosa Señora Santa María vió las bestias fieras  bravas, fue muy espantada que non le meciesen mal al niño; é el niño desque  la vió turbada comenzó á haber alegría é á confortarla. E díjole: «Madre mía é  Señora, non hayades miedo, que non nos vienen facer mal, que antes vienen  al mi servicio é al vuestro.» E con esto que dijo el glorioso niño fueron todos  confortados. 

43 Castigos é documentos del rey don Sancho in Escritores en prosa anteriores al siglo XV, Pascual de  GAYANGOS (ed.), Madrid: Rivadeneyra, 1860, 145-146.

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É en este comedio andaban todos de consuno los leones é las otras bestias  bravas con las ovejas é con los otros ganados que levaban, é iban retozando é  habíendo placer, é non se facian mal el uno al otro, é andaban paciendo todos  de consuno. E aquí se complió lo que dijo Isaías: «El leon é el buey comerán  en uno paja, é el lobo é el cordero pacerán en uno.» É aun por verdat levaban  toda su facienda en dos bueyes por el desierto, que era muy grande, é á cabo de  tres dias entraron por un desierto, é Santa María hobo muy grand miedo por  la grand calentura del sol, é Joseph cató é vió una palma muy fermosa é muy  espesa de ramas, et facia y muy buena sombra, é levólo allí. Et el niño estando  en el regazo de su madre, cató á la palma, é vióla estar cargada de dátiles, é dijo  á Joseph que le diese de aquellos dátiles. Respondió Joseph é dijo: «Mucho só  maravillado de lo que dices: ellos estando tan altos, ¿cómo los podré alcanzar?  No sé cómo te los dé; por cierto mas me pesa que non tenemos agua para nos  nin para estas nuestras bestias que están traspasadas de sed.» É cuando esto oyó  Jesucristo dijo á la palma: «Abájate, palma, é faz placer del tu fruto á mi Madre.»  E luego se apremió la palma fasta los piés de Santa María, é todos comieron de  aquel fruto cuanto les fue menester, é non se quiso erguir la palma, é esperaba de  se erguir por mandado de aquel Señor por quien se abajara. Et aquí se complió  lo que dijo Salomon: «Sobiré en la palma é tomaré del su fruto.» E entonce el  dicho Jesucristo dijo: «Palma, enderézate, é sey compañera de las otras palmas  que son en paraíso, é abre tus raíces, de que salga una fuente de agua de que  beba toda esta compaña.» Et la palma se erguió luego, é salia de las sus raíces una  fuente muy clara é fria é muy sabrosa. E cuando ellos vieron la fuente fueron  muy alegres, é bebieron della, é dieron á sus bestias á beber é dieron gracias á  Dios. E otro dia siguiente, cuando hobieron á mover de allí, dijo Jesucristo á  la palma: «Este don é esta gracia te dó, que un ramo sea tomado de ti de los  mis ángeles, é sea puesto en el paraíso terrenal del mi Padre.» E luego apareció  el ángel con muy grand claridad sobre la palma, é tomó un ramo é fuése con  él. E cuando esto vieron cayeron amortecidos en tierra con pavor del ángel así  como muertos. E cuando Jesucristo así los vió espantados díjoles: «¿Por qué vos  espantades? ¿Non sabedes que esta palma que yo fago levar que es vistoria de  todos los santos? Otrosí será llamada en el paraíso de los altos electos.» E cuando  esto vieron, fueron alegres é levantáronse luego. 

E Joseph dijo á Jesucristo: «Señor, la calentura nos acoita mucho; si te  ploguiere vayámonos á par del mar por las ciudades que yacen á par dél, é por  allí irémos mas folgados.» Et Jesucristo dijo: «Non temas, que las jornadas son  pequeñas de manera que hoy llegarémos á Egipto.» Et fueron muy alegres por  esta maravilla, é llegaron á la entrada de Hieropolis, que es provincia, é entraron  en una cibdat que habia nombre Sieño; é porque non conocían á ninguno en 

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aquella cibdat do fuesen posar, fuéronse al templo que era llamdo capitolio de  los egipcianos. 

Con grand paciencia lo crió despues Santa María, su Madre… 

«Gozos de la Virgen», anónimo [poesía] (principio del XIV)44

9 […] El tercero de tus gozos fue de salud e de vida, 

cuando a los nueve meses veniste parida: 

pariste Dios e omne, e non fueste corronpida, 

por esto que non creyó Judea fue perdida. 

10 En este mesmo gozo vinieron los pastores, 

los que fueron por el ángel de aquesto sabidores, 

denunciando a tu fijo, dándole gracias e grandes loores; tornáronse al ganado donde eran guardadores. 

Ruégote por este gozo, virgen coronada; 

que seas en el tiempo de mi muerte muy dulce abogada, 

por que del tu enemigo la mi alma sea librada 

e de los tus sanctos ángeles acompañada. 

El cuarto de los tus gozos, señora, fue de gran maravilla, 

que cuando nació el tu fijo nació una nueva estrella, 

viéronla los tres reys e sopiéronla conocer, 

e cada uno con sus dones guiáronse por ella. 

E a los treze días de la su aparición 

entraron al tu fijo con muy gran devoçión, 

ofreciéronle grandes dones de muy rica oblación; 

recibiólos él todos, e dioles su bendición. 

El tu quinto gozo, señora, fue de gran contemplación 

cuando ofreciste el tu bendito fijo en los brazos del justo Simeón, nunca fue ofrecida tan rica oblación. 

44 Seguimos el texto de GÓMEZ REDONDO, Fernando (1996) - Poesía Española 1. Edad Media: juglaría,  clerecía y romancero. Barcelona: Crítica, 581-584. Las estrofas numeradas proceden del ms. 77 y las que  no llevan numeración siguen el ms. 9/5809, para suplir las lagunas del ms. 77 en los gozos cuarto y quinto.

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Ruégote por este gozo, madre Sancta María, 

que me guardes de todo pecado de noche e de día, 

por que merezca morar en la tu compañía. 

13 El sexto de tus gozos fue muy maravilloso, cuando dixo el ángel a Josepe tu esposo 

que tomase a Ti, madre, e al tu fijo precioso, 

que se fuese a Egito, aý sería gozoso. 

14 Ruégote por este gozo, Señora, merced te pido que las mis oraciones non las ayas en olvido. 

Tú me guarda e me defiende del mortal enemigo por que yo pueda morar en el reino del tu fijo. 

 Amén. 

15 El seteno de tus gozos que oviste 

cuando entre los maestros el tu fijo fallaste; 

viste que los vencía: Tú mucho te gozaste, 

mas todos los sus dichos en tu corazón los guardaste. 

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A infância de Cristo na poesia  

de Baltasar Estaço 

María Lucília Gonçalves PIRES  

Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa - CITCEM 

ABSTRACT 

In the panorama of Portuguese poetry dedicated to Christ’s childhood  during the Mannerist period, Baltasar Estaço’s work distinguishes itself in  the number of poems that he dedicates to this theme and the variety of  episodes he invokes. In this article the poet’s unpublished work, Diálogo do  Menino Perdido [Dialogue of the Lost Boy], is analysed, a long panegyric  of the Sacred Family focusing on the episode where Jesus is lost in the  temple. However, most of the attention is given to the poetry on Christ’s  childhood included in his published work entitled Sonetos, canções, églogas  e outras rimas [Sonnets, songs, eclogues and other rhymes], analysing its  dominating themes and main stylistic processes. The spiritual line of  thought expressed in this work is also compared to the religious literature  of the time, revealing some contrasting aspects. 

1 — A obra poética de Baltasar Estaço constitui sem dúvida o campo  mais fecundo para analisar o tema da infância de Cristo na poesia do período  maneirista. É certo que em quase todos os poetas da época deparamos com  poemas que celebram o nascimento de Cristo, a esse episódio se limitando  quase exclusivamente a evocação da sua infância. Recordemos, por exemplo, Fr.  Agostinho da Cruz, com dois sonetos «à noite de Natal» e outro «às palhas do  presepe de Belém»1; ou Diogo Bernardes que, além de um soneto «à noite de  Natal» e outro «à estrela dos Reis Magos», trata o tema do nascimento de Cristo  apenas em poemas de cunho tradicional, glosando motes de sabor popular1.  Aliás, este tipo de poesia tradicional é o que ocorre com maior frequência na  celebração poética do Natal, não só nestes anos finais de Quinhentos e início  de Seiscentos, mas ainda bastante mais tarde, como se verifica na obra de D.  Francisco Manuel de Melo. Encontramos também reminiscências do popular  auto pastoril em obras como o Auto del Nascimiento de Christo, atribuído a  Francisco Rodrigues Lobo, mas só publicado em 1674 e com outra edição em  16762, ou o poema de D. Francisco da Costa em que dois pastores, recorrendo  

1 BERNERDES, Diogo Bernardes (data?) - Várias rimas ao Bom Jesus. Porto: CIUHE, pp. 81-91 e 149-150. 2 Auto del Nascimiento de Christo y edicto del Emperador Augusto Cesar, por Francisco Rodrigues Lobo.  Lisboa, na oficina de Domingos Carneiro, 1676.

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PIRES, Maria Lucília Gonçalves - A INFÂNCIA DE CRISTO NA POESIA DE BALTASAR ESTAÇO Via Spiritus, Revista de História da Espiritualidade e do Sentimento Religioso, CITCEM, nº 17, 2010, págs.47-57  

quer à velha quintilha, quer à oitava rima, celebram em canto alternado o  nascimento do Redentor3

De forma mais original, Fernão Álvares do Oriente integra a celebração  poética do Natal na estrutura narrativa dessa obra tão interessante e tão  tipicamente maneirista que é a sua Lusitânia transformada4, em dois momentos  diferentes da novela. No primeiro, inserido no relato da romaria dos pastores  ao templo da «Santíssima Donzela que, sem detrimento da sua pureza, pariu o  Pastor celeste na celebrada montanha de Belém» (livro II, prosa 1.ª), descreve-se  minuciosamente um presépio pintado na porta do templo com um «letreiro»  que declarava «o altíssimo mistério» ali representado, letreiro esse que é um  belo soneto, expressão artificiosa de espanto e admiração perante a paradoxal  associação de miséria e grandeza na figura de Cristo recém-nascido (livro II,  prosa 2.ª). O segundo momento situa-se no final da novela, quando todos os  pastores se reúnem para celebrar a festa do Natal. Então um deles canta, ao som  do rabil de um companheiro, um soneto que é um convite à alegria universal  pela descida de Deus do céu à terra; replica-lhe outro pastor que, acompanhado  da «rústica sanfonina», canta uma longa e erudita canção «em louvor do Menino  nascido», poema com que termina a narrativa. 

Outro exemplo de celebração poética original da Natividade, embora um  pouco mais tardio (1627), encontra-se na Laura de Anfriso, de Manuel da Veiga  Tagarro5. Trata-se da descrição ecfrástica da cena do nascimento de Cristo que  Laura borda numa toalha de altar (Livro VI, ode VI). 

Neste panorama poético destaca-se a obra de Baltasar Estaço, não só pelo  elevado número de poemas que dedica à infância de Cristo, como pela variedade  de episódios de que se ocupa. Uma variedade relativa, é certo, necessariamente  limitada aos factos referidos pelos Evangelhos de S. Lucas e S. Mateus. 

Comecemos por nos ocupar do extenso volume de poemas que publicou  com o título de Sonetos, canções, églogas e outras rimas (Coimbra, na oficina de  Diogo Gomes Loureiro, 1604), dedicado a D. João de Bragança, então bispo de  Viseu, sendo o poeta cónego da Sé daquela cidade. No conjunto destes poemas,  em que predominam os temas de carácter moral e religioso, deparamos com  uma sequência de dezassete sonetos (fol. 57r-62v) que, desde a Encarnação  até ao episódio da perda de Jesus e seu reencontro no templo, trata os vários  momentos da infância de Cristo narrados pelos Evangelhos. O nascimento é  objecto de particular destaque, sendo-lhe dedicados onze sonetos; mas também  

3 COSTA, D. Francisco da (1956) - Cancioneiro chamado de D Maria Henriques. Introdução e notas de  Domingos Maurício Gomes dos Santos. Lisboa: Agência Geral do Ultramar, pp. 387-396. 4 Fernão Álvares do Oriente, Lusitânia transformada, Lisboa, por Luis Estupiñan, 1607. Há uma edição  moderna, com introdução e actualização do texto de António Cirurgião (Lisboa, INCM, 1985). 5 Manuel da Veiga Tagarro, Laura de Anfriso, Évora, por Manuel Carvalho, 1627.

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a circuncisão, a adoração dos Magos, a perseguição de Herodes e a fuga para  o Egipto são motivos de outros tantos sonetos, sendo o último desta série  inspirado no episódio do «Menino perdido». 

Além desta série de sonetos, temos ainda uma canção ao nascimento de  Cristo (fol. 105v-110v), um conjunto de quatro vilancetes com o mesmo tema  (fol. 185r-186r) e uma composição sob a forma de diálogo entre dois pastores  «acerca do nascimento de Deus e da vinda dos Reis» (fol. 186v-187v). 

Mas o trabalho poético de Baltasar Estaço em torno de momentos da infância  de Cristo não se limita a estes poemas incluídos na única obra que publicou. É  necessário ter também em conta o Diálogo em verso chamado Menino perdido,  um texto constituído por mais de mil oitavas que ficou inédito6. O manuscrito,  que se encontra na Torre do Tombo7, apresenta-se como trabalho pronto para  a impressão. No frontispício, além do título e da indicação dos interlocutores  do diálogo — «Jesus, Maria, José» —, lêem-se todos os habituais elementos  informativos: o dedicatário — «D. José de Melo, arcebispo de Évora» —, o  autor — «Baltesar Estaço, teólogo de profissão e natural da cidade de Évora»  — e um resumo do conteúdo do texto. Juntam-se algumas recomendações para  a impressão: a estampa que deve levar, representando a Sagrada Família, e o  formato em que deve ser impresso — «em quarto oitavo por que valha menos e  se comunique mais». Nem faltam os habituais textos preambulares: a dedicatória  a D. José de Melo, justificada por se tratar de uma obra com louvores a S. José,  por quem o pai do dedicatário teria especial devoção, e como agradecimento  pelas mercês particulares que do arcebispo recebera; e o prólogo ao leitor em  que, enaltecendo a poesia pela sua origem sagrada e função de louvor divino,  declara a sua decisão de enfrentar as críticas e desprezos do mundo e publicar a  sua obra «pera honrar a Deus e aproveitar os escolhidos». O conteúdo da obra é  assim indicado no frontispício: 

Nele trata o autor louvores do glorioso S. José, da Rainha dos anjos e do Minino Jesus,  todos fundados na Escritura Sagrada. Trata a jornada que fizeram de Nazaré a Jerusalém,  como perderam o Minino ao sair do templo, como três dias o buscaram, como nele o acharam  e como se tornaram pera Nazaré, com muitas notícias mui importantes a todas as almas fiéis. 

6 João Franco Barreto, na sua Biblioteca Lusitana, escreve que o poeta «compôs e imprimiu em outava rima  O Menino perdido», o que é lapso evidente, pois a obra não chegou a ser impressa. 7 Baltesar Estaço, Diálogo em verso chamado Menino perdido, ANTT, Ms. 102. O texto encontra-se  reproduzido em fotocópia e transcrito no segundo volume da dissertação de Mestrado de Celestina Maria  da Costa Cavaleiro, Nos meandros do Maneirismo — Baltasar Estaço e a poesia religiosa de Quinhentos (Coimbra, Faculdade de Letras, 1999), trabalho de que me servi.

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Três vectores temáticos, portanto: a linha narrativa em que se desenrola o  curto episódio evangélico (Luc, 2, 41-51); os louvores dos três membros da  Sagrada Família; as «notícias mui importantes a todas as almas fiéis», isto é, as  orientações de carácter espiritual deduzidas da meditação deste episódio. 

Um episódio breve que nesta obra se amplifica em mil e vinte oitavas (quase  tantas como Os Lusíadas...), organizadas em dez cantos. A linha narrativa  funciona como suporte do texto, mero pretexto para os louvores com que os  três interlocutores reciprocamente se exaltam, pois é esta dimensão laudatória  a mais relevante na obra. A função catequética decorre dos aspectos anteriores  e intercala-se nos discursos das personagens, tornando-se mais insistente no  canto final. Aqui se apontam «meios por que Deus se deve buscar e se pode  achar», insistindo-se na lição de renúncia ao mundo e às coisas terrenas, pois se  o homem anda «polos bens deste mundo distraído,/ mal pode o mesmo Deus  ser dele achado» (fol. 174v). 

Estamos perante um texto que, além de reiterar linhas de espiritualidade  já expressas no volume de Sonetos, canções, églogas e outras rimas, pode ser visto  também como documento na história de duas devoções que por esta época se  manifestavam de forma mais acentuada e assumiam expressões de carácter oficial  e litúrgico8. Trata-se do culto a S. José e também à Sagrada Família, essa trindade  familiar — Jesus, Maria e José —, cuja invocação parece ter nascido na Espanha  de finais do século XVI. Duas devoções historicamente interligadas, tendo a  devoção à Sagrada Família decorrido naturalmente do incremento da devoção a  S. José8. Essa interligação verifica-se também neste texto de Baltasar Estaço que,  pretendendo agradar a um devoto de S. José, compõe um texto que se expande em  louvores dos três membros daquele núcleo familiar. As três personagens louvam-se  mutuamente, em longos discursos panegíricos que recorrem fundamentalmente  a expressões, factos, figuras e símbolos bíblicos, tentando representar um espaço  perfeito de comunhão do amor divino e de contemplação do mistério da  Encarnação. 

A obra chegou a ser apreciada por um censor, como se vê pelos versos riscados  e observações à margem. De vez em quando surge uma ou outra correcção de  carácter meramente literário, como sucede com este verso metricamente errado  «com jejum e cilício, muito afligida» (fol. 140v, est. 3.ª, v. 2) que é corrigido para  «com cilício, jejum muito afligida», em que a alteração da ordem vocabular é o  bastante para lhe conferir a medida correcta. Por vezes a expressão utilizada pelo  poeta parece não corresponder à noção de decorum do censor. Assim, perante  

8 O papa Pio V inscreve a festa de S. José na reforma do Breviário (1568) e do Missal (1570), e Gregório  XV declara-a festa de preceito em 1621 (cf. Dictionnaire de spiritualité, ascétique et mystique, vol. 8,  Beauchesne, Paris, 1974).

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PIRES, Maria Lucília Gonçalves - A INFÂNCIA DE CRISTO NA POESIA DE BALTASAR ESTAÇO Via Spiritus, Revista de História da Espiritualidade e do Sentimento Religioso, CITCEM, nº 17, 2010, págs.47-57  

estes versos dirigidos à Virgem «Grande vos fez por fora, alta por dentro/o Deus  vosso princípio e vosso centro» (fol.11r, 1.ª est.), surge a recomendação «aliud  verbum castius», seguida de uma hipótese de alteração que não passa de sugestão,  pois se acrescenta: «ou se ponham outros que façam melhor sentido». 

Mas, como seria de esperar, a maior parte das observações refere-se a questões  doutrinárias. Não que se detectem na obra ideias heréticas, mas dir-se-ia que o  poeta, no afã da construção prosódica, nem sempre consegue a expressão mais  adequada, quer no aspecto poético, quer (e é isto que ao censor mais importa)  no aspecto teológico. Por exemplo, os versos «Serão por tempo eterno hinos  cantados/ao Filho homem e Deus seu descendente» (fol. 24r, 1.ª est.) merecem  a seguinte observação: «Descendente só a ūa e longação (?) de geração e na de  Cristo não há isto quanto à divindade; e por isso não me soa bem descendente». 

Contudo o censor nem sempe explicita muito claramente o que considera  incorrecto, limitando-se a observações vagas, como: «isto vem arrastado» (fol.  28r); ou, perante exaltados encómios a S. José: «é necessário não aplicar tanto  que venha a profanar o santo» (fol. 44r); ou, poucas estrofes depois, quatro  versos cortados tendo ao lado apenas a recomendação «lá faça outros trocados»  (fol. 44v). 

Como se vê, as observações do censor não são de molde a lançar sobre a  obra labéu de heterodoxia, relevando antes o que mais parecem ser deficiências  da expressão, falta de destreza do autor na construção do discurso poético.  Observações que apontam para possíveis alterações e correcções, não sendo pois  suficientes para explicar o facto de o texto não ter sido publicado. 

Quanto à sua datação, embora não tenhamos elementos para situar  cronologicamente a elaboração de tão longo poema, sabemos pela dedicatória a  D. José de Melo, em que este é referido como arcebispo de Évora, que terá sido  concluída depois de 12 de Setembro de 1611, data em que este prelado assumiu  tal cargo9. E a insólita identificação do autor como «teólogo de profissão»  significa provavelmente que já então teria sido destituído da dignidade de  cónego da Sé de Viseu, título com que se apresenta no frontispício do volume  publicado em 1604 e que perdeu com a sua prisão e condenação pelo Tribunal  do Santo Ofício (1614-1621)10. As mercês de que se declara devedor a D.  José de Melo estarão acaso relacionadas com este dramático episódio11? É que  

9 Cf. ALMEIDA, Fortunato de (1968) - História da Igreja em Portugal. Porto: Civilização, vol. II, p. 624. 10 Na impossibilidade de consultar o processo inquisitorial de Baltasar Estaço (Inquisição de Lisboa, Proc.  n.º 2384), por este material não se encontrar actualmente disponível para consulta, limito-me aos elementos  fornecidos por António Baião («O cónego e poeta Baltasar Estaço», in Episódios dramáticos da Inquisição  portuguesa, vol. I, Porto, 1919, pp. 63-91) e pela ficha referente a este processo no site do Arquivo Nacional  da Torre do Tombo. 

11 Note-se que os dedicatários das duas obras de Baltasar Estaço — D. João de Bragança, bispo de Viseu, e D.  José de Melo, arcebispo de Évora — são ambos filhos de D. Francisco de Melo, 2º marquês de Ferreira e conde 

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a sentença inquisitorial, publicada no auto-da-fé realizado em 5 de Abril de  1620, condenava o poeta, entre outras penas, a «cárcere perpétuo»12, contudo  é libertado em 3 de Novembro de 1621. Terá beneficiado da intercessão de  alguma influente personagem? do arcebispo de Évora, terra natal do poeta e da  sua prestigiada família13? Meras hipóteses... 

2 — Voltando à obra poética que Baltasar Estaço publicou — Sonetos,  canções, églogas e outras rimas —, procuremos as linhas temáticas dominantes  nos poemas dedicados a momentos da infância de Cristo, bem como os mais  relevantes processos estilísticos em que essas linhas temáticas se corporizam. 

Sendo a maior parte dos poemas dedicados ao nascimento de Cristo, é a  contemplação do mistério da Encarnação que a todos enforma.  Mas como dizer o mistério, se ele é por natureza incompreensível e inefável? O  poeta manifesta a consciência dessa impossibilidade lógica ao interrogar-se num  dos sonetos: 

Se é causa de silêncio o grande espanto, 

como o que tenho aqui me não tem mudo? 

Como posso falar sendo tão rudo, 

pois vejo a mesma Glória posta em pranto? (fol. 60r) 

Embora o espanto perante o mistério devesse levar naturalmente ao silêncio  que o inefável impõe, o poeta consegue falar porque conhece a chave que permite  decifrar o surpreendente desta situação. Essa chave é o imenso amor de Deus pelos  homens, um amor «que tudo vence, acaba tudo». 

De uma forma sintética, pode dizer-se que há em todos estes poemas duas  constantes temáticas: o espanto perante o mistério da Encarnação e a admiração  perante o amor de Deus que a motivou. 

É a meditação sobre o mistério de um Deus feito homem por amor dos  homens, da associação das duas naturezas, humana e divina, na figura de Cristo  que o poeta verte reiteradamente nestes poemas, quase sempre em expressões de  carácter lírico e emotivo, como estas: 

de Tentúgal (cf. SOUSA, D. António Caetano de (1953) - História genealógica da Casa Real Portuguesa.  Coimbra: Atlântida, tomo X, pp. 118-123 e 229-242). O poeta aparece-nos assim sob a proteccção desta  aristocrática família eborense. 

12 A sentença condena Baltasar Estaço à privação «perpétua de suas ordens, uso e exercício delas», à proibição  de pregar e confessar, a cárcere perpétuo, a fazer penitência, a nunca mais entrar em Viseu nem em seu termo,  e ao pagamento das custas do processo. 

13 Gaspar Estaço, um dos irmãos do poeta, publicou um Tratado da linhagem dos Estaços, naturais de Évora,  apenso a outro tratado seu intitulado Várias antiguidades de Portugal (Lisboa, por Pedro Crasbeeck, 1625).  Nesse texto relativamente breve e de claro intuito panegírico, são evocados alguns membros notáveis da  família, com destaque para Aquiles Estaço. O autor refere-se a si próprio nestes termos: «Entre os netos de  Gabriel Estaço é um deles Gaspar Estaço, autor deste tratado, criatura do infante D. Henrique, cardeal e rei de  Portugal» (p. 42). Mas não há qualquer referência ao irmão Baltasar.

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Que suave, que doce e branda história 

Amor pera meu bem inventa e traça! 

Que grande glória hoje a terra abraça, 

pois em seus braços tem ao Deus da glória! (fol. 57v) 

Na evocação das imagens de Cristo recém-nascido é focada sempre a associação  contrastante de grandeza divina e miséria humana, contraste que se desdobra em  múltiplas facetas. Assim, quase todos os poemas se constroem essencialmente  sobre a combinação antitética de grandeza/pequenez, imensidade/brevidade,  omnipotência/fraqueza, riqueza/pobreza. Mas, além destas contraposições que  correspondem à explicitação doutrinária da encarnação do Verbo de Deus, o  poeta desenvolve muitas outras, por vezes de natureza metafórica: fogo/água,  paz/guerra, canto/choro, subir/descer, etc. 

Um conjunto de contrastes afinal redutíveis à grande e fundamental antítese  Deus/homem, oposição que o mistério da Encarnação unificou. Essa unificação  o poeta exprime-a numa paradoxal associação de contrários agenciada pelo  amor omnipotente de Deus: 

Qualquer dos elementos, grave ou leve, 

do seu contrário sempre se desvia: 

nem sofre o ardente fogo a neve fria, 

nem ao fogo ardente a fria neve. 

Sempre um contrário doutro longe esteve: 

foge da noite escura o claro dia, 

ausenta-se a tristeza da alegria, 

tormento a doce glória nunca teve. 

Mas tanto pode amor com Deus lutando 

que ajunta água, fogo, gosto e mágoa, 

que quanto quer fazer tudo faz logo. 

Nascendo chora amor, nasce chorando, 

e vemos que do fogo nasce a água, 

e que esta mesma água acende o fogo. (fol. 59r) 

A função redentora de Cristo — Deus que se faz homem para salvar os  homens — é referenciada nestes poemas mediante a imagem das lágrimas. No  soneto «Às lágrimas do Minino Jesus» (fols 58v-59r) estas são representadas como  chuva de salvação universal, e também de salvação individual do poeta; lágrimas  que «bem podem afogar mares de culpas», numa inundação purificadora dos  pecados do mundo. Também a Canção I, «Do nascimento de Cristo» (fols.  105v-110v), celebra em três longas estrofes essas lágrimas de salvação.

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Ao motivo das lágrimas de Jesus recém-nascido, manifestação da humana  fragilidade por ele assumida, contrapõe-se por vezes o da música dos anjos, em  jogo antitético que é mais uma forma de representação da dupla natureza de  Cristo: música dos anjos no céu revelando-o como Deus; o seu choro na terra  mostrando-o como homem (veja-se, por exemplo, o soneto «Se aparecem nos  céus anjos cantando», fols. 59v-60r). Música e choro que têm um objectivo  comum — atrair o mundo para o amor de Deus. 

3 — Pode dizer-se que o tema do amor de Deus é o que ocorre com maior  frequência na obra de Baltasar Estaço. Além de os poemas sobre a Encarnação  perspectivarem este mistério enquanto manifestação do imenso amor de Deus  pelo homem, deparamos na obra com outros poemas que têm o amor divino  como tema exclusivo. E são numerosos os poemas cujo título indica serem  dedicados «ao amor divino»: trinta e três sonetos (fols. 70r-81v), dois poemas  em oitavas, com seis oitavas cada um (fols. 84 e 85), uma canção «em louvor do  amor divino e despeito do profano» (fol. 119r-122v), além de muitos outros em  que o mesmo assunto está presente em plano secundário. 

Analisando as diversas facetas que o tratamento deste tema apresenta no  conjunto da obra, nota-se, antes de mais, que a contraposição do amor divino  ao amor humano, tão frequente nos autores que por esta época se ocupam  deste assunto, raramente se encontra na obra deste poeta. Além da canção atrás  referida, só acidentalmente o contraste entre os dois tipos de amor é apontado.  A meditação de Baltasar Estaço sobre o amor de Deus (e releve-se a ambiguidade  da expressão, que tanto pode significar o amor de Deus pelos homens como o  amor que a alma devota dedica a Deus) centra-se sobretudo nos efeitos que esse  amor produz na alma. Aliás vários poemas apresentam, com ligeiras variações, o  título «ao amor divino, de alguns efeitos seus», ou se ocupam de forma específica  de um ou outro desses efeitos. 

Ao procurarmos integrar o insistente tratamento deste tema e as formas da sua  abordagem na literatura de espiritualidade da época, na tentativa de encontrar  linhas definidoras de uma orientação espiritual específica ou de integração em  determinada corrente ou magistério, não se consegue chegar (provavelmente por  deficiência da investigação...) a conclusões satisfatórias. Não tanto por escassez  de textos de espiritualidade que do assunto se ocupem, mas sobretudo porque  nestes poemas a expressão do tema apresenta uma formulação vaga, dispersa,  nem sempre muito coerente. Mesmo tendo em conta, obviamente, as diferenças  profundas entre os códigos estético-literários que regem o tratamento poético  de um tema ou a sua exposição num discurso didáctico... Contudo, é possível  aproximar estes poemas de Baltasar Estaço da obra do franciscano Fr. Diego de 

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Estella intitulada Meditaciones devotissimas del amor de Dios14, publicada em 1578  em Salamanca e em Lisboa15, com várias edições posteriores e de que subsistem  múltiplos exemplares em bibliotecas portuguesas. Trata-se de um conjunto de  cem meditações em que são propostos à reflexão do meditante aspectos diversos  do amor divino. Algumas dessas meditações coincidem tematicamente com  textos do poeta português, nomeadamente as que se dedicam à consideração de  alguns dos seus efeitos. 

Centremo-nos, pois, na análise dos poemas em que o poeta, numa linguagem  ora expositiva e doutrinária ora repassada de emoção lírica, se ocupa dos efeitos  que o amor divino produz na alma que a esse amor se entrega. 

O conhecimento de Deus é um dos seus efeitos. A ele dedica Diego de  Estella duas meditações: uma considera «como el amor de Dios nos trae en  conocimiento del» (med. 86), outra «como el conocimiento de Dios nos lleva  a su amor» (med. 87). Na obra de Baltasar Estaço, embora este efeito não seja  aprofundado, surge por vezes referido: «Mas só vos pode amar o que vos sabe,/  só vos pode saber o que vos ama» (fol. 74); «Ninguém sem vosso amor pode  entender-vos,/ ninguém sem vossa luz pode buscar-vos» (fol. 76); «Só quem  vos ama entende a quem vos ama,/e só o que vos ama vos entende» (fol. 76v). 

Mas a caracterização do amor divino e dos seus efeitos tal como se apresenta  na obra deste poeta tenta situar-se, embora de forma desconexa e muitas vezes  poeticamente deficiente, na linha de escritos místicos que proliferaram na  Espanha do século XVI. Assim, são abundantes os poemas que apresentam o  amor de Deus como força que transforma o amador no amado (sonetos «Ao amor  divino, de sua transformação»15 e «Ao amor divino, de sua união»16); que produz  a suave e deleitosa união de ambos («Que gostos, que prazeres, que alegrias/me  tem causado a mim vossos amores»16; «Oh dulce amor de mi dulce deseo!/ Oh  amoroso fuego en que me inflamo!»17); que leva a alma a uma atitude de total  passividade e abandono nas mãos de Deus («Porque depois que a alma chega a  amá-lo/e ocupar-se só em possuí-lo,/fica esse amor nessa alma sendo agente/sem  ser a alma mais que a paciente»17). Há mesmo momentos em que a expressão se  

14 Fr. Diego Estella, Meditaciones devotissimas del amor de Dios. En Salamanca, en casa de Alonso de  Terranova y Neyla, 1578. Outra obra sobre o amor divino que teve por esta época enorme difusão em Portugal  e Espanha é o Tratado del amor de Dios do agustiniano Fr. Cristóbal de Fonseca. Entre as múltiplas edições  desta obra conta-se uma saída em Lisboa em 1598. No entanto, para além de tópicos inevitáveis como a  contraposição entre o amor a Deus e o amor dos bens terrenos ou a transformação do amador na coisa amada,  não parece haver coincidências temáticas entre esta obra e a poesia de Baltasar Estaço. O mesmo acontece  com textos de Fr. Luís de Granada, como o Memorial de la vida cristiana (tratado sétimo) e o Tratado del  amor de Dios que lhe serve de complemento. 

15 Vd. Bibliografia cronológica da literatura de espiritualidade em Portugal (1501-1700). Porto: Instituto de  Cultura Portuguesa, 1988, p. 107. 

16 Fol. 80v. 

17 Fol. 165.

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aproxima da negatividade que caracteriza o discurso místico, isto é, a negação da  capacidade da linguagem para dizer a experiência da união com Deus: 

Lá no secreto da alma sente obrar 

um doce sentimento e um prazer, 

prazer que ele mui bem sabe gostar, 

mas que ele saberá bem mal dizer. 

(...) 

E grandezas de amor de Deus sentindo, 

não sabe dizer nada do que sente, 

e quando o quer dizer em tudo mente. (fol. 170r e 170v) 

4 — Embora nestes poemas sobre o amor de Deus sejam legíveis reminiscências  de textos doutrinários de diversos autores da época e de ideias orientadoras da  religiosidade de alguns círculos devotos de então, trata-se geralmente de ecos vagos  que não permitem inserir este autor numa corrente de espiritualidade bem definida. 

Por outro lado, há nesta obra aspectos que, pela relação contrastante que  estabelecem com o panorama dominante na literatura de inspiração religiosa da  época, não podem deixar de ser questionados. 

Assim, estranha-se que numa tão vasta obra de carácter moral e religioso a  consciência do sujeito como pecador e o consequente tema do arrependimento  estejam quase totalmente ausentes. A mais longa consideração sobre o pecado e  seus efeitos encontra-se na «Égloga espiritual que brevemente ensina a buscar a  Deus» (fols. 161v-171v), mas trata-se de uma exposição didáctica, desprovida  de emoção subjectiva. Ora, sabendo-se com que frequência e intensidade temas  como a dor do pecado cometido, a atitude de arrependimento e desejo de  conversão habitam a poesia religiosa dos anos finais de Quinhentos e iniciais de  Seiscentos, não pode deixar de surpreender esta ausência. Aliás, o poeta chega  mesmo a uma como que desvalorização do pecado, pois o que o pecador devia  pela sua culpa já foi abundantemente pago pela Paixão de Cristo: 

Se em vós, meu Redentor crucificado, 

não dura do pecado a lembrança 

senão enquanto dura o tal pecado; 

(...) 

Se em vós está meu mal tão castigado 

que fica o rigor do tal castigo 

maior do que é a malícia do pecado; 

(...)

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mais grave e mais cruel culpa seria 

de vós desconfiado recear-vos 

que quantas culpas dantes cometia.18 

Além desta insólita atitude de minimização da gravidade do pecado,  considerado quase como dispiciendo perante o caudal de graça conquistado pelo  sofrimento redentor de Cristo, outra notável diferença temática a individualizar  a obra poética de Baltasar Estaço no conjunto da poesia religiosa da época é  precisamente a forma como é tratado o tema da Paixão. 

Este tema, que constitui o centro da espiritualidade cristocêntrica da época  e se expande em manifestações afectivas de compaixão, dor e arrependimento  perante o sofrimento de Cristo, tanto em textos de meditação como em textos  poéticos, dir-se-ia relegado para plano secundário na obra de Baltasar Estaço. É  certo que deparamos com uma série de catorze sonetos (fols. 63v-68r) dedicados  ao desenrolar da Paixão, desde a oração de Cristo no horto até à morte na  cruz. Mas os artifícios formais sobrelevam a expressão de emoção espiritual,  dominados que são estes poemas por jogos de contrastes, umas vezes de razoável  efeito poético, v. g. o último soneto da série, «A Cristo na cruz» (fol. 68r), outras  vezes de resultado pouco feliz, como acontece no soneto «À morte de Cristo»  (fols. 67v-68r), que se esgota na antítese vida/morte, vocábulos a que se reduz o  sistema rimático do poema. 

Creio poder concluir-se que a infância de Cristo, enquanto tema poético,  interessou mais este autor do que a Paixão. Certamente Baltasar Estaço  subscreveria a afirmação de Fr. Luis de Granada, nas suas Meditaciones muy  devotas sobre algunos pasos y misterios principales de la vida de nuestro Salvador, de  que «entre todos los pasos y misterios de su vida santísima, uno de los más dulces  y más devotos y más llenos de maravillas y doctrinas es este de su nacimiento».  E o tratamento estilístico deste tema, com reiterado recurso à associação de  contrários em construções antitéticas e paradoxais, na convergência da expressão  canónica do mistério da Encarnação e da estética literária maneirista, é mais um  elemento comum a estes dois autores. 

18 Elegia I, «A Cristo crucificado», fols. 130v-131r.

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A Jornada do Menino Deos para o Egypto:  Tradição e Inovação 

Maria Idalina Resina Rodrigues 

Faculdade de Letras 

Universidade de Lisboa 

ABSTRACT 

The article delves on a text of 18th Century theatre, Jornada do  Menino Deos para o Egypto [Journey of the Child God to Egypt], analysing its  internal organisation, the interlacing of characters from different circles,  the diversity of the dialogues’ content, and the originality of its ending. 

It also contrasts the work with certain and possible forerunners, from  the narrative of St. Matthew’s Gospel, to the apocrypha and some autos  sacramentales of Spanish theatre, and examples are given of the theme’s  interpretation in the Arts.  

1746: recordando uma Jornada do Menino Deos 

Nos nossos dias, os chamados evangelhos da infância, historicamente, valem  o que valem; ou seja, hoje não valem muito em termos de transmissão de uma  realidade em que acreditar, mas, não sei se porque neles muito se confiou no  passado ou pelo impacto estético de alguns dos seus episódios, para as letras e para  as artes, têm sido sempre matéria religiosa privilegiada, a par naturalmente dos  aproveitamentos estéticos das sequências da Paixão do Senhor.  

O teatro ibérico, como todos sabemos, da infância de Jesus, recolheu  sobretudo o nascimento e seus antecedentes (a saudação do Anjo a Maria) e o  quadro idealizado da Senhora com o Menino e com S. José, embora também  pastores e magos, com alguma frequência, tenham tido o direito ao estatuto de  personagens dramáticas (os pastores de São Lucas e os Magos de São Mateus). 

Querendo arredar-me, desta vez, das celebrações do Natal, de que já me tenho  ocupado1, ocorreu-me ir em busca de outras narrativas evangélicas que, ainda que  mais raramente, tivessem também alertado a imaginação dos nossos dramaturgos. 

Deste propósito de afastar repetições, me veio a ideia de enveredar por  alguns textos com o ponto de partida na fuga para o Egipto, comecei a pesquisa  e com ela vieram as surpresas. 

1RESINA RODRIGUES, Maria Idalina (1999) - «Dos Salmantinos a Gil Vicente: as celebrações do Natal». In De  Gil Vicente a Lope de Vega. Vozes Cruzadas no Teatro Ibérico. Lisboa: Teorema.

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Aconteceu, assim, que, na busca por um corpus abrangendo os séculos XVI,  XVII ou XVIII portugueses, apenas com um auto do século XVIII me deparei,  nisso se afastando um pouco a nossa dramaturgia da espanhola em que, ainda  talvez na segunda metade do século XV, foi composto um Auto de la Huida a  Egipto tardiamente reproduzido de um manuscrito da Biblioteca Nacional de  Espanha2, e um Aucto de la Huida de Egipto incluído no conhecido Códice de  Autos Viejos de finais do século XVI3.  

Penso não ter deixado escapar outro, pois percorri, nesta demanda, para  além de muitas informações dispersas sobre teatro português, os roles de peças  de cordel organizados por Albino Forjaz de Sampaio, Aníbal Pinto de Castro e  José de Oliveira Barata, folheei os existentes no Teatro Nacional D. Maria II e  na Fundação Calouste Gulbenkian e investiguei o possível no próprio catálogo  geral da Biblioteca Nacional de Portugal4.  

A peça setecentista, a que me referi, leva o título de Novo, e Curioso Auto  Sacramental da Jornada do Menino Deos para o Egypto e Morte dos Innocentes.  Parte II. É anónima e foi impressa em 1746 na Oficina de Francisco da Silva que  se sabe ter trabalhado entre 1742 e 17555. Existem exemplares, pelo menos, na  sala Jorge de Faria da Faculdade de Letras de Coimbra e na Biblioteca Nacional. 

Auto sacramental, sem nada ter a ver com a festa do Corpus6, leva o seu título,  como ficou registado, o complemento de Parte II, o que, apesar da indiscutível  unidade de que desfruta, nos instiga a curiosidade para procurar uma parte  I; ora acontece que no catálogo da Biblioteca da Universidade de Coimbra  deparamos com um Acto Sacramental, Novo e curioso, colóquio dos Pastores ao  Nascimento do Menino Deos, também anónimo, impresso em 1744 por António  Isidoro da Fonseca, activo entre 1728 e 1747, data em que tentou introduzir-se  no Brasil, cujo argumento termina exactamente no ponto em que se inicia a  nossa Jornada, a saber, a malévola decisão de Herodes; talvez não seja assim por  acaso que a Biblioteca Nacional os reúne num mesmo microfilme7

2 ÁLVAREZ PELLITERO, Ana Mª (ed. 1990) - «Auto de la Huida a Egipto». In Teatro Medieval. Madrid:  Espasa Calpe. Inclui auto e estudo. 

3 Sobre o Códice inteiro, ler REYES PEÑA, Mercedes de los (1988) - El Códice de Autos Viejos. Un Estudio de  Historia Literaria. Sevilla: ediciones Alphar. A parte referente ao auto em questão encontra-se no tomo II, 583- 589. Aí se alude a um Mysteri del Rey Herodes valenciano onde a fuga também é focada. O texto pode ler-se em  ROUANET, Léo (ed.1979) - Colección de autos, farsas y comedias del siglo XVI. Band I., New York: Georg Olms  Verlag, Hildesheim. 

4 FORJAZ DE SAMPAIO, Albino (1920) - Teatro de Cordel: subsídios para a história do teatro português. Catálogo  de colecção de autores. Lisboa: Academia das Ciências; PINTO DE CASTRO, Aníbal (1974) - Catálogo da colecção  de Miscelâneas. Teatro. Coimbra: Coimbra editora; OLIVEIRA BARATA, José de; e, PERICÃO, Maria da Graça  (2006) - Catálogo da Literatura de Cordel. Colecção Jorge de Faria. Lisboa: INCM. 

5 Colhi as referências a impressores em GAMA, Ângela (1960) - Impressores, editores e livreiros em Lisboa no século  XVIII. Lisboa. 

6 Não é, aliás, caso único; algumas vezes, desde que houvesse alusões à Redenção, os autos eram assim chamados. 7 Biblioteca Nacional de Portugal, F 7914.

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Sem ter procedido a um estudo comparativo que permita conclusões seguras,  apenas me permito chamar a atenção para a semelhança de linguagem, para idêntica  diversificação do papel do Gracioso (Caramujo e Cachimbo, respectivamente), para  a captação de ambientes familiares, para a insistência em caixas e instrumentos de  música, para a diferença nas respostas aos pedidos de pousada por parte de São  José (um não e um sim), aspectos que adiante mais detalhadamente abordarei a  propósito do auto em análise.  

Embora sem a mesma sugestão de complementaridade, chamo ainda a atenção  para um Acto figurado da degolação dos Inocentes, de 1784, por nele se referenciar  também a fuga para o Egipto, com elementos que se recolheram talvez numa tradição  que remonta aos Evangelhos Apócrifos, a saber, os milagres de uma palmeira que dá  alimento e água e a destruição dos ídolos na presença do Deus Menino8

Antecedentes e contradições 

Ficou claro que o nosso convívio irá ser com a obra de 1746 mas, já que de  antecedentes portugueses em matéria teatral não podemos falar9, identifiquemos  rapidamente os ziguezagues da linha argumental que parte do Evangelho de São  Mateus, passa pelos Apócrifos, pela Legenda Aurea e é recuperada pelos autores  espanhóis, mas escassa repercussão teve noutros pontos da Europa10.  

São Mateus, o único evangelista a dar-nos conta do passo em questão, é  sucinto e alheio a emaranhados de sucessos complementares aos avisos do Anjo  e à largada e retorno da Sagrada Família para e de terras do Egipto. Relembremos a substância da sua informação: 

Depois de se terem ido embora [os magos], um anjo de Deus apareceu a  José, num sonho, e disse-lhe: Levanta-te, toma o menino e sua mãe e foge com  eles para o Egipto. Deixa-te lá estar até que eu te diga, porque Herodes vai  procurar o menino para o matar. José levantou-se, tomou o menino e sua mãe  e pôs-se a caminho, de noite, para o Egipto. 

[…] 

Depois da morte de Herodes, um anjo de Deus apareceu num sonho a  José, no Egipto e disse-lhe: Levanta-te, toma o menino e sua mãe e volta para  a terra de Israel. José levantou-se, tomou o menino e sua mãe e voltou para a  terra de Israel.11 

8 Tem a indicação autoral de A.D.S.R.e foi impresso em Lisboa na Oficina de Francisco Borges de Sousa. Na  Biblioteca Nacional tem a cota F 7906. Aqui Herodes é movimentado por Lúcifer e ouve os Sábios do seu reino  antes da cruel decisão. 

9 Nas artes plásticas, porém, abundam exemplos de tratamento do tema (Grão Vasco, Marcos da Cruz, Bento  Coelho, Avelar Rebelo, Baltazar Gomes, entre outros). 

10 Apenas tentei recolher elementos de França e de Itália. 

11 Mateus, 2, 13-15 e 19-21

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Porém, e como outras, esta comedida narração canónica irá em breve  transformar-se. 

Amplamente engenhosos e muito dados à expansão dos factos, os Apócrifos  virão a multiplicar os sucessos num marco em que se enlaçam muitos milagres  e demais flutuações do maravilhoso. 

No Pseudo-Mateus há andanças e repousos, há a gruta que abriga e a palmeira  que dá água e alimento, há dragões, leões e leopardos amansados, há jovens  acompanhantes e a reverência dos ídolos do Capitólio e do governador do local. Um exemplo que terá larga repercussão: 

Aconteció que, al tercer dia de camino, María se sentió fatigada por la  canícula del desierto. Y, viendo una palmera, le dijo a José: Me gustaría,  si fuera posible, tomar algun fruto de esta palmera. Mas José respondió:Me  admira el que digas esto, viendo lo alta que está la palmera, y el que pienses  comer de sus frutos. 

[…] 

Entonces el niño Jesus, que placidamente reposaba en el regazo de su  madre, dijo a la palmera:Ágachate, árbol, y com tus frutos da algún refrigerio  a mi madre. Y a estas palabras inclinó la palmera su penacho hasta las plantas  de Maria […].12 

No Evangelho Árabe da Infância de Jesus, onde, num primeiro e mais familiar  momento, nem as virtualhas necessárias para a viagem são descuradas, irão  suceder-se as curas impensáveis e os milagres de conversão: converte-se o sacerdote  do templo que albergava um ídolo, ficam sãos os doentes e os enfeitiçados (caso  de um homem transformado em mulo), cristianizam-se ladrões (não por acaso  dois no final), uma leprosa salva da doença faz companhia e publicita os altos  poderes daquele menino. 

Assim se manifesta o próprio ídolo, pela fala e pelo gesto: 

Ha llegado aqui un dios disfrazado que es el Dios verdadero, ya que a  ninguno fuera de Él se deben tributar honores divinos. Él es en verdad el  Hijo de Dios. Esta tierra, al presentirle, se puso a temblar y ante su llegada se  ha estremecido y conmovido.Nosotros nos sentimos tambiém sobrecogidos de  pavor ante la grandeza de su poder. 

Y en el mismo momento se desplomó; y a su caída acudieran todos los  habitantes de Egypto y de otras regiones. 13 

12 Evangelio del Pseudo-Mateo, XX, Evangelios Apócrifos, int. de Daniel ROPS, trad. de Aurelio de SANTOS.  México: editorial Porrua, 1991, 32-33. 

13 Evangelio Árabe de la Infancia , Evangelios Apócrifos, 68. A queda do(s) ídolo(s) está largamente representada em  pinturas e iluminuras estrangeiras dos séculos XV e XVI, sobretudo em França e na Alemanha.

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RODRIGUES, Maria Idalina Resina - A JORNADA DO MENINO DEOS PARA O EGYPTO: TRADIÇÃO E INOVAÇÃO Via Spiritus, Revista de História da Espiritualidade e do Sentimento Religioso, CITCEM, nº 17, 2010, págs.59-77  

Aparentada em muitos excertos com os Apócrifos, a Legenda, embora em  versão resumida, a propósito da festividade dos Santos Inocentes, retém alguns  passos que os artistas das artes e das letras se não esquecerão de abundantemente  recopiar, com especial realce para os já nossos conhecidos fragmentos sobre a  queda dos ídolos e sobre o inesperado auxílio da palmeira. 

Sobretudo, pela projecção dos dois episódios, merece a pena aduzir alguns  parágrafos: 

Mas, avisado pelo anjo, José fugiu com o Menino e sua mãe para o Egipto,  para a cidade de Hermópole e por lá ficou sete anos até à morte de Herodes.  Quando o Senhor entrou no Egipto todos os ídolos ruíram para se cumprir a  

profecia de Isaias. […] não houve templo onde o ídolo não ficasse destruído. [….]  

Também se lê no Livro da Infância do Salvador que, enquanto  descansavam debaixo de uma palmeira muito alta, a Virgem disse: «O! Se  eu pudesse apanhar um daqueles frutos!». Disse-lhe José: «Tu pensas nos  frutos e eu na água que já não temos na vasilha». Então disse o Menino  Jesus: «Palmeira, verga os teus ramos e tira a água das tuas raízes». E assim  aconteceu.14  

Aproximando-nos no tempo e entrando na Península Ibérica, encontramo nos com dois curiosos autos espanhóis, com idêntico título e hoje já  acertadamente estudados.  

São muito diferentes, redigidos em distintos séculos, mas ambos merecem  um rápido trilho argumental como índices de uma tradição. O Auto de la Huida a Egipto, cujo manuscrito se encontra na Biblioteca Nacional  de Espanha, tem sido datado de meados do século XV, apesar de só em 1948  ter sido publicado15.  

Trata-se de uma interessante peçazinha de 384 versos, onde não faltam os  villancicos cantados nem as mostras de carinho de José a Maria (que, em certo  momento, sabemos caseiramente cosendo) e ao Menino; reaparecem também,  ainda que de passagem, os tigres, os leões, e, mais detidamente, os ladrões, desta  feita a sinalizarem igualmente um passo bem conhecido da paixão de Cristo na  cruz. 

14 VORAGINE, Tiago de (2004) - Legenda Áurea, introdução do Doutor Aníbal Pinto de CASTRO. Porto:  Editora Civilização, tomo primeiro, 90. 

15 Recordar nota 2.

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RODRIGUES, Maria Idalina Resina - A JORNADA DO MENINO DEOS PARA O EGYPTO: TRADIÇÃO E INOVAÇÃO Via Spiritus, Revista de História da Espiritualidade e do Sentimento Religioso, CITCEM, nº 17, 2010, págs.59-77  

Conta São José voltado para Jesus: 

Los tigres y los leones  

se umilyan al poderoso. 

y en este valle fraguoso 

nos cercaron tres ladrones; 

a la Virgen quitan manto, 

a mí, la capa y çur[r]rón, 

desnudan al ni[ñ] sancto, 

dexanle en un camisón. 

El viejo y dos hijos suyos 

ladrones que nos rovaron, 

viéndote, ellos confesaron 

los altos secretos tuyos; 

y un hijo deste ladrón, 

de tu gracia inspirado, 

quesiste fuese salvado 

en el dia de la pasión. 16 

O mais interessante, no entanto é, neste caso, a entrada em cena da figura de  um Peregrino que, através de partidas e regressos ao Egipto, conhece e admira  amorosamente a Sagrada Família, das suas investigações dando contas a um  jovem São João Baptista que, na sua cova, se penitencia e antecipa a chegada  do Messias. 

Se a diferença de idades entre Jesus e o seu primo pouco preocupa o autor,  a verdade é que os diálogos entre as duas figuras se revestem de especial carinho  e insinuações ascéticas, a ambos seduzindo a aspereza do deserto e a míngua de  alimentos, a João, desde o início, ao Peregrino por conversão, após o contacto  com os fugitivos no Egipto. 

Alguns excertos do diálogo: 

[…] San Juan 

Muy contino hablaremos 

en nuestra muy sa[n]cta fe, 

y de espacio os diré 

lo que de creer tenemos; 

festejar quiero este dia, 

alguna miel comeremos, 

16 Teatro Medieval, Auto de la Huida a Egipto, 156.

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y despues contemplaremos 

en nuestro sancto Mexia. 

Peregrino 

Para mejor dotrinarme, 

Juan, de las yervas comamos 

y, pues el mundo dexamos, 

no quiero engolosinarme; 

era amigo de dulçores, 

mira, Juan, lo que te digo: 

después que topé contigo 

solo en Dios hallo favores.17 

Cerca de um século mais tarde, inclui o Códice de Autos Viejos um Aucto de  la Huida de Egipto, um pouquinho mais longo (404 versos) e com personagens  completamente diferentes: a Sagrada Família e o Anjo, naturalmente, mas  também um Velho (Semeador) e seu filho, o Bobo, e um grupo de ciganas. 

A partida é cuidadosa e carinhosamente planeada por São José: 

Por tanto, Virgen sagrada, 

pues que somos pelegrinos, 

cunple qu’esteys esforçada, 

qu’es muy larga la jornada, 

muy ásperos los caminos. 

 Aparejad los pañales 

deste niño, Rrey del cielo, 

y enbolvelde en paños tales 

que los crudos temporales 

no le fatiguen, ni el yelo.18 

Sendo, embora, um auto em que necessariamente se vinca a tristeza dos  fugitivos, o texto ganha com a alegria dos cantares e com as sucessivas investidas  do Bobo, primeiro ainda no diálogo com o pai, que encaminha os viajantes para  bom porto, e de seguida na constante implicação com as Ciganas; destas, uma  primeira nega a pousada pedida, mas as restantes é com toda a boa vontade que  acolhem e acarinham os recém-chegados à sua terra. 

Contudo, da festividade conjunta, não deixa de sair o aviso: 

17 Teatro Medieval, Auto de la Huida a Egipto, 168-169. 

18 Léo ROUANET (ed), Colección de autos, farsas y colóquios del siglo XVI, Band II, Aucto de la Huida de  Egipto, 377. O editor chama a atenção para o título: onde se lê de, deveria estar a

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Zegun que por dizcreçion 

alcanzo dezte donzel, 

hallo ser su encarnaçion 

causa de rrezureiçion 

de muchos en Yzrrael. 

 Y será tan dichozito 

y de tan grazioza suerte 

que, aunque le vedez chiquito, 

lo que alli puez fue ezcripto 

acabara con su muerte. 

 Zola una cruz e hallado 

que tiene aqui por zeñal, 

de dond’es concetuado 

que zera crucificado 

por remédio universal. 

 Mas encima de la cruz 

ay corona, es de notar, 

que aquezte niño Jezuz 

luego en la terçera luz 

tornara a rrezuzitar.19 

Caminhando com a Jornada 

Regressemos, agora sim, então, ao nosso auto setecentista para mais de perto  lhe cingirmos os contornos, ficando-nos, no aspecto formal, por brevíssimas  indicações. 

O texto, muito mais longo do que os anteriores, o que nos não admira  tratando-se de teatro de cordel, contém para cima de 1280 versos, com largo  predomínio da redondilha maior organizada no esquema ABCB, pelo menos  uma tirada em romance (relato iniciado com um fora de cena) e réplicas de  muito diversificada extensão (de muito longas a muito breves conforme o teor  da carga semântica ou a dignidade dos responsáveis pela palavra). 

Ao nosso encontro saem personagens de desiguais esferas, a sobrenatural  representada pelo Anjo, com uma única e contida fala (não há, neste auto,  regresso do Egipto), a bíblica consolidada em Maria, José, o Menino e Herodes,  a alegórica com a figuração do Desejo e da Fama20 em poucas mas muito longas  intervenções e talvez, se assim o entendermos, a da criança chamada Amor, a dos  cidadãos comuns inominados que incluem amos, criados, um Secretário e um  

19 Colección de autos , farsas y comedias del XVI, Aucto de la Huida de Egipto, 385. 20 Achei curiosa a frequência destas duas entidades no teatro de cordel que percorri.

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Comprador, a do Gracioso de seu nome Cachimbo e um (ou dois) jovenzinhos  também baptizados (Geraldinho se chama carinhosamente um deles).  De uma primeira leitura da peça fica-nos, de imediato, a sensação de um  tratamento aburguesado da matéria. Desaparecem completamente os milagres e  as agruras da viagem são sobretudo antevistas por Nossa Senhora, sem alarmes  nem exageros, mas com sofrida inquietação.  

Ao ser informada da urgência da partida, lamenta ela, perturbada: 

 Com que pena, com que mágoa 

meu filho hey de acordar; 

 para logo de repente 

com elle ir peregrinar! 

 Expondo-o ao rigor 

 do tempo, e das jornadas; 

 dos perigos que encontrarmos 

 por terras despovoadas! 

 Ingratidão acharemos,  

 pelos povos que passarmos; 

 como em Belem toparemos, 

 quem não queira agazalhar-nos!  

 A este mundo vos trouxe 

 dos homens vosso amor; 

 o cruel odio de Herodes 

 em desterro vos vai pôr! 

 Quantos homens encontrarmos 

 pelas dilatadas vias, 

 nos poram susto de serem 

 de Herodes suas espias!21  

Preocupação muito natural em quem, apressadamente e com inquietante  conhecimento de causa, se vê forçada a deixar o seu lar e a sua terra, encarando  os perigos realistamente previsíveis. 

Com José a harmonia é perfeita, marido e mulher trocam pressentimentos  que incomodam, embora simultaneamente procurando cada um acalmar e  dirimir o sofrimento do outro na partilha de um esforço comum que a mútua  ajuda tornará mais leve. 

A divisão de tarefas começa em casa, numa casa de família pobre que tem  de levar consigo os poucos apetrechos ao dispor para a sobrevivência: José  

21 Jornada do Menino Deos, 6.

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encarrega-se do «fardo» e da «ferramenta», Maria terá a seu cargo «o enxoval / a  roupa branca que houver»22 tal é o receio de prolongada ausência. Sabemos, aliás, que as medidas foram úteis, quando, num diálogo entre  os dois interlocutores infantis, que se confrontam quase no final, e sempre no  Egipto, de facto, mas curiosamente e acentuando um ambiente de proximidade  portuguesa, aludindo à rua dos Calceteiros, falando de Jesus, o «estrangeirinho»,  se22 faz saber que «seu pay he carapinteiro, sua mãy he custureira»23 e que vive  «numas casinhas pequenas».24 

E porque aos jovens amiguinhos nos referimos, podemos acrescentar que  também a propósito do seu modo de vida se recria uma envolvência familiar,  só que, agora, em pleno contraste com a de Israel, pois a primeiro plano vêm  as birras, as mentiras, os desentendimentos entre marido e mulher e entre pais  e filhos, dentro de um circuito comum ao viver dos homens mas inteiramente  alheio à Sagrada Família que, em afectos e atitudes, sempre dos outros humanos  se diferencia. 

Novo testemunho de uma bela união entre parentes, e talvez até de uma  muito relativa busca de verosimilhança dentro do inverosímil, claro, tem a ver  com o aparecimento de um criado de Santa Isabel durante o repouso na fuga  pouco antes da chegada a Gaza. 

Se seria pouco natural o acompanhamento dos fugitivos por São João  (o sanjoãozinho de muitos quadros bem conhecidos)25 e menos ainda o seu  aparecimento em idade praticamente adulta (Auto de la Huida a Egipto, por  exemplo), mais racionalmente se aceitaria que Santa Isabel, ao saber da repentina  viagem dos primos, lhes enviasse um mensageiro com a sua solidariedade e  algum contributo para que as suas necessidades fossem mitigadas. 

Por isso, adianta o Criado: 

Este refresco vos manda; 

dinheiro, e de que fazer 

aquellas cousas precizas,  

que mais fizerem mister.26 

Compreensível, pois, mas curioso desvio da impossibilidade evangélica de  um texto que, por outro lado, admite o envolvimento alegórico. Se, do alinhamento dos laços familiares, passarmos para os parâmetros  

22 Jornada do Menino Deos, 19. 

23 Jornada do Menino Deos, 18. 

24 Jornada do Menino Deos, 18. 

25 Temos um belo exemplo português num quadro de André Reinoso (século XVII). 26 Jornada do Menino Deos, 8.

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sociais através das figuras dos que negam ou aceitam os pedidos de pousada por  parte de José, também algo podemos aprender. Eles são apenas cidadãos com  distintas formas de reagir, mas ambos identificáveis personagens de um teatro  de cordel que muito ao povo agradava. 

Diz o primeiro Cidadão: 

Não he tempo para graças, 

nem ha já de quem fiar; 

muito menos forasteiros, 

que viram só para roubar.27 

Contradiz o segundo: 

Andar, não ficareis fora. 

se bem que eu faço annos, 

recolher-vos mal podia; 

pois vem logo meus amigos 

celebrar-me este dia. 

Mas andar, he caridade 

recolher os peregrinos.28 

A este, boa vontade não lhe falta nem ele se nega a elogios à beleza do  Menino; andará talvez esquecido das suas fracas finanças, pelo que protagonizará  um cómico diálogo com um Comprador e com o Criado, fazendo-nos pensar  no tipo do burguês pelintra que a literatura popular tanto ridicularizou. 

Aqui chegados talvez seja oportuno um comentário à figura do Gracioso  Cachimbo que, julgo, se afasta um pouco do figurino habitual de uma cadeia de  antecedentes dramáticos. 

Francamente não cheguei bem a entender se é serviçal de um particular amo  porque a verdade é que ele vai percorrendo todo o texto (onde evidentemente, os  protagonistas vão mudando) com as suas graças e dizeres. Assiste, descentrado,  à conversa de Herodes com o Capitão, insistentemente vincando a mesquinhez  do rei e o poder da inveja que o norteia («forte cabeça de tolo / com miolo de  cabaça»,29 «minado estás de soberba / grão tolo, sem reparar / que essa mina de  inveja / em ti há de arrebentar»,30 sem deixar de salientar a cobardia do Capitão  encarregado do massacre dos inocentes, sabendo muito bem que o Menino  

27 Jornada do Menino Deos, 8. 

28 Jornada do Menino Deos, 9. 

29 Jornada do Menino Deos, 3. 

30 Jornada do Menino Deos, 4.

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nunca será atingido («Parece-vos que he Menino / mas tem força de gigante»).31 Por óbvia conveniência dramática, não se mostra durante o diálogo entre José  e Maria, nem entre a conversa destes com o Criado de Isabel, para reaparecer,  como Criado do segundo Cidadão, envolvendo-se então em divertidíssimas  réplicas, sobretudo para o espectador (uma ou outra para o Comprador), que  vincam a velhice do amo e contradizem a sua aparente solidez financeira. Ouçamos:  

Este doudo do meu amo 

faz annos que não tem conto; 

todos os annos os festeja,  

os annos o fazem tonto 

[…]32 

Meu amo he muito rico, 

compra muito de palavra; 

mas puxando pela bolsa, 

de dinheiro nihil, nada.33 

Entre o Desejo e a Fama, poucas vezes se intromete o Gracioso, mas ainda  assim, por exemplo, não deixa de dar a sua opinião quanto ao parecer da figura  feminina, a quando da sua intervenção já vestida de negro: 

Jesus, Jesus, que he isto? 

Jesus do meu coraçam 

o sinal da santa Cruz 

me livre desta visam? 

Será cousa do outro mundo, 

ou será cousa terrena? 

Eu fico mais que finado 

de ver cousa tão horrenda.34 

E nem os meninos são poupados à sua picardia; na sua boca, eles são  «tolinhos» a quem facilmente se pode «rapar a merenda»,35 alvo apelativo de  leves gracejos pela sua impossibilidade de entenderem as palavras divinas cujo  sentido ele melhor penetra. 

31 Jornada do Menino Deos, 4. 

32 Jornada do Menino Deos, 9. 

33 Jornada do Menino Deos, 10. 

34 Jornada do Menino Deos, 14. 

35 Jornada do Menino Deos, 18.

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No final, dirigindo-se a Jesus, reforça a sua convicção, com o mérito de a  este reconhecer a «alta linhaje», ainda que não sem risonhamente acrescentar: 

Pela segunda me dizem, 

que inda sois meu parente; 

ó jardim de vosso Pay, 

rogo me leveis contente.36 

Concluindo o breve retrato de Cachimbo, podemos, pois, afirmar que ele  está longe tanto do ajudante das manhas do amo como do denunciante que o  faz cair nas esparrelas, duas posturas que, alternadamente, encontramos com  frequência no teatro ibérico do século XVII. Ele é um comentador sorrateiro  para o público (uma excepção é a pequena luta com o Comprador), que acentua  com boa disposição algumas verdades e garante o perfil cómico indispensável a  estes folhetos de cordel, quando o auto sacramental (que aparece no seu título)  já se desviara da seriedade inicial37.  

Reparemos, de seguida, antes de abordarmos as personagens plenamente  alegóricas, na a parte final do texto onde há dois troços a distinguir: uma em  que são apenas interlocutores Amor(zinho) e Geraldinho e outra em que os  dois amigos conversam com o Menino Jesus, sendo que em ambas a linguagem  envereda para o plano da simplicidade em amigável troca de impressões. 

Na primeira, as crianças falam sobre si, sobre o afecto que as une, sobre as  suas ocupações do dia-a-dia, sobre as relações familiares entre os pais e com os  pais, num tom que é simultaneamente infantil e brejeiro. Na segunda, visitam  o estrangeirinho e, apesar da falta de coincidência entre o saber humano e o  saber divino, o colóquio ganha em seriedade e didactismo; falam elas das coisas  terrenas e transfigura-as Jesus nos sinais da morte que o espera, fazendo-nos  assim pensar em muitos autos anteriores em que, nas celebrações do Natal, nos  são mostrados os símbolos da Paixão38.  

Assim, o Menino está a construir uma «cruz»,39 os «cravos» e as «rosas»  de Amor trazem à colação os «espinhos»,40 a «flor dos martyrios» tem especial  

36 Jornada do Menino Deos, 20. 

37 Em Espanha o auto sacramental viria mesmo a ser proibido em 1765. 

38 É o caso, por exemplo, do já apresentado auto incluído na colecção de Léo ROUANET; a tradição vinha,  no entanto, de mais longe; os instrumentos da Paixão são apresentados ao Menino já num auto de GÓMEZ  MANRIQUE intitulado Representación del Nacimiento de Nuestro Señor (século XV). Também nas artes  plásticas dois anjos com os ditos instrumentos acompanham muitas vezes o recém-nascido. Quanto à sua  apresentação na fuga para o Egipto, ela parece ter-se vulgarizado, na pintura, a partir do século XVII (RÉAU,  Louis (1957) - Iconographie de l’art chrétien. Paris: Presses Universitaires de France, Tome second, 273- 

288). 

39 Jornada do Menino Deos, 19. 

40 Jornada do Menino Deos, 19.

71 

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propriedade, a «esponja» será dada a beber, a planta de nome «coroa de Rey» será  a «coroa de espynhos»,41 nesta terra, o estrangeirinho será sempre «peregrino»  ocupado em «fazer a vontade do Pay».42 

Na despedida, fica a garantia: 

Se vós sempre me amares, 

tende por certo, esperay, 

que eu fico de levar-vos 

lá ó jardim de meu Pay.43 

Restam-nos, então, duas figuras que, antes ainda da sequência infantil final,  validam a componente alegórica que qualquer auto normalmente tem: o Desejo  e a Fama, personagens que, segundo me pareceu pela incompleta pesquisa feita,  insisto, frequentemente aparecem neste teatro popular. 

Sempre unidos («bem vês o Desejo sempre / andar à Fama unido»),44 ele  traça os planos e ela publicita-os; talvez porque de um mundo poeticamente  reverenciado, têm direito a extensos discursos, embora em reduzido número, o  que os isola no âmbito do elenco personificado. 

No falar do Desejo distinguem-se, a propósito da actuação de Herodes, a força  da inveja (quase mentalmente alegorizada também) e o poder do medo. Vive a inveja possuída por um ímpeto satânico que, desta feita, terá vindo a  atingir em cheio o «coração»45 «do altivoso, malvado» rei 46, em cujo palácio ela  havia entrado «sentilando pelos olhos / rayos d’ira, e de furor».47 

Recapitula o Desejo anteriores e bem conhecidos malefícios, sobretudo  bíblicos, como a queda de Lúcifer, por ela causados, depois de a ter acintosamente  descrito nestes termos: 

Saberás que a inveja 

monstro horrendo, e indigno, 

escavernado, macilento, 

triste, cruel e mofino. 

Podre, raivoso, cruento,  

como fúria infernal, 

inimiga de si própria 

amiga de todo o mal.48  

41 Jornada do Menino Deos, 20. 

42 Jornada do Menino Deos, 20. 

43 Jornada do Menino Deos, 20. 

44 Jornada do Menino Deos, 12. 

45 Jornada do Menino Deos, 12. 

46 Jornada do Menino Deos, 12. 

47 Jornada do Menino Deos, 12. 

48 Jornada do Menino Deos, 12.

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Numa segunda parte da fala, por sua vez, é o temor de um Herodes  consciente dos seus erros e receoso de uma vingança que se especifica e amplia,  de um Herodes que «rompe em vozes como louco / pelo paço furibundo»,49 teme o «Senhor do Ceo», teme o «povo», teme «o mais privado»,50 «o mais  amigo», «de nenhum já mais se fia» e que, para se precaver, ordena o massacre  das criancinhas de Belém, levando ao derramar do sangue inocente («correm  rios caudalosos / daquelle sangue innocente»),51 pela «vil canalha» dos soldados  que com as suas espadas espalham o terror e a desolação52

E esta será a notícia que a Fama deverá levar aos fugitivos no Egipto.  Encargo a que ela previamente se dispusera mesmo antes de lhe conhecer os  contornos, catalogando, como prova da sua disponibilidade, os seus muitos  méritos e haveres. 

Em relativamente longa auto-definição, lembra a sua «sublime cabeça», a  sua ligeireza, os seus «mil olhos», «mil ouvidos» e «mil bocas», o «alto Palácio»  de onde vigia «quanto no Orbe se passa»,53 as «azas» com que sobrevoa «aldêas,  villas, lugares»,54 sem se esquecer de recorrer ao testemunho dos poetas: 

Bem sabes, eu sou de quem 

os Poetas descreveram 

discursos muy abundantes 

de epítetos que me deram. 55 

A seguir, relatará ela para a Sagrada Família o que, em aliança com o Desejo,  observou a quando da matança dos Inocentes. 

O discurso da Fama é o mais expressivo e inflamado de todo o auto,  aquele em que o tom mais genuinamente inquieta e comove o auditório, pela  insistência amplificadora do que já sabíamos (pelas intenções de Herodes, pela  antecipação do Desejo), uma espécie de culminar de um processo de que as  trágicas consequências se podem finalmente avaliar. 

Ainda que sem rigidez, obedece a uma organização. 

Na abertura, a dificuldade de um relato que a narradora, apesar das suas «mil  línguas» e «mil bocas»56 não é capaz de desdobrar sem «lágrimas» e «suspiros»  e, de seguida, o regresso à ferocidade do rei «louco, cruel, carniceiro / de pura  

49 Jornada do Menino Deos, 12. 

50 Jornada do Menino Deos, 12. 

51 Jornada do Menino Deos, 12. 

52 Jornada do Menino Deos, 12. 

53 Jornada do Menino Deos, 11. 

54 Jornada do Menino Deos, 11. 

55 Jornada do Menino Deos, 11. 

56 Jornada do Menino Deos, 14.

73 

RODRIGUES, Maria Idalina Resina - A JORNADA DO MENINO DEOS PARA O EGYPTO: TRADIÇÃO E INOVAÇÃO Via Spiritus, Revista de História da Espiritualidade e do Sentimento Religioso, CITCEM, nº 17, 2010, págs.59-77  

inveja temendo»57 que, desprezado pelos magos, «fuzilla rayos de fogo»58 e  ordena a morte «a ferro frio»59 das crianças até aos «dous annos».60 Do recuo até Herodes se passa para a malvadez dos «ministros infernaes»61 que barbaramente se apressam a cumprir a sentença consolidando «a mais  fúnebre acção, / que o mundo vio jamais»;62 para melhor pontuar a sua actuação  encontram-se comparações (o «incêndio voraz», a «tormenta» que destrói os  jardins) e confirmam-se sons que traduzem, no geral, a dor que se vai espalhando  (os alaridos», os «ays», os «suspiros», os «gemidos») pelos lares atingidos63. Só então se entra no domínio das falas e dos gestos das mães angustiadas e até  de algumas criancinhas; cruzam-se os actos de defesa com as vozes implorantes,  a revolta com a prece, mas nada evita a devastação que a Fama pôde observar. Condoída, explica: 

Nam se vê por toda a parte 

mais que sangue, e pedaços 

daquelles brancos cordeiros, 

daquelles cordeiros mansos.64 

E para melhor se garantir a transmissão emotiva, recuperam-se palavras  muito concretas daquelas mães revoltadas. 

Dois exemplos:  

Humas dizem: Ó soldados 

crueis sem nenhum respeito; 

que valentia mostrais 

contra menino do peito? 

Outra diz. Tyrano Rey, 

desta sorte nos defendes? 

Permitindo morrer tantos; 

se hum só matar pretendes? 

Se tu já o temes tanto, 

logo depois de nascido; 

que será vindo armado, 

tanto que houver crescido?65 

57 Jornada do Menino Deos, 15. 

58 Jornada do Menino Deos, 15. 

59 Jornada do Menino Deos, 15 

60 Jornada do Menino Deos, 15. 

61 Jornada do Menino Deos, 15. 

62 Jornada do Menino Deos, 15. 

63 Jornada do Menino Deos, 15. 

64 Jornada do Menino Deos,16. 

74 

65 Jornada do Menino Deos, 16.

RODRIGUES, Maria Idalina Resina - A JORNADA DO MENINO DEOS PARA O EGYPTO: TRADIÇÃO E INOVAÇÃO Via Spiritus, Revista de História da Espiritualidade e do Sentimento Religioso, CITCEM, nº 17, 2010, págs.59-77  

A terminar, afirma-se a Fama disponível para continuar espalhando pelos  ares o que viu e ouviu até chegar junto de José, de Maria e de Jesus, no seu  recanto do Egipto. 

Acrescentos merecidos 

Não, não estamos a estudar uma obra prima, obra prima que seria uma  raridade nesta dramaturgia de cordel. 

E, contudo, esta Jornada merece ainda algumas considerações, de simples  curiosidade algumas, levemente valorativas outras. 

De uma única linha tradicional no tratamento dramático ibérico da fuga para  o Egipto, creio ter ficado claro que não podemos falar, porque se exceptuarmos  o reduzido núcleo evangélico, os textos se dispersam e raramente se cruzam. 

Podemos reparar na recusa a um primeiro pedido de pousada, comum ao  auto quinhentista e ao nosso, na previsão das suas ciganas e nas palavras do  Menino Deos quanto à Paixão, no desdobrar de quadros familiares de amoroso  entendimento ou nas alusões às ciladas do caminho, mas só talvez estudando  a poesia dos Cancioneiros, e não só, algumas ligações nos viessem tranquilizar  quanto a quebras e continuidades. 

Pessoalmente, interessou-me o eco longínquo da presença de São João cuja  fonte (que deve existir) gostaria de identificar já que as artes visuais, como foi  dito, noutra idade o representam (ele é o tal Sãojoãozinho a acompanhar a  família para o forçado exílio)66; por seu turno, na obra medieval espanhola que  sintetizámos, repito, ele é já quase adulto; enquanto o autor setecentista o omite  mas nos apresenta a um porta-voz de sua mãe.  

Meras coincidências e afastamentos parecem neste caso de afastar, para o  simples embrechamento do Baptista nesta fuga familiar deve haver um mais  remoto ponto de partida que ainda não identifiquei67.  

 Acrescentemos apenas que, para além da maior sobriedade imaginativa,  neste exemplo como noutros já referenciados, se o aburguesamento que o teatro  testemunha muito tem a ver com os paradigmas da sociedade do século XVIII,  também importa lembrar que desde há muito o Concílio de Trento tinha  quebrado com os excessos de um maravilhoso a que os Apócrifos haviam aberto  as portas, pelo que do tratamento deste episódio bíblico, por exemplo, apenas  a queda dos ídolos e as virtudes da palmeira foram poupadas, ao contrário do  que aconteceu ao pobre jumentinho que visualmente nos habituámos a reter68.  No núcleo religioso essencial quase retornamos a São Mateus; só que, do  

66 Reler nota 26. 

67 É uma busca que me proponho levar a cabo. No Protoevangelho de Santiago diz-se que, ao saber das inten ções de Herodes, Santa Isabel também fugiu com o filho. 

68 Ao que parece o jumento não era considerado animal suficientemente nobre.

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RODRIGUES, Maria Idalina Resina - A JORNADA DO MENINO DEOS PARA O EGYPTO: TRADIÇÃO E INOVAÇÃO Via Spiritus, Revista de História da Espiritualidade e do Sentimento Religioso, CITCEM, nº 17, 2010, págs.59-77  

regresso do Egipto, nada sabemos, como, de resto, em nenhum dos outros  autos, os magos já são os tradicionais três reis e sobre os pedidos de abrigo e os  cuidados de Santa Isabel ficamos mais informados. 

Importa também acentuar que não só de uma teatralização da fuga se trata  neste auto; ele traça-nos igualmente um panorama da primeira infância de  Cristo, com breves elementos sobre o nascimento, as indecisões dos magos e o  massacre dos inocentes, a que o próprio título faz alusão, e alerta-nos, desde logo,  para um remate doloroso com o esmiuçar das agruras da Paixão atentamente  adiantadas nos símbolos em cena, como ficou dito. 

E, no entanto, se a focalização se desdobra nos dois extremos do viver  humano do Senhor, com as reacções de alegria e sofrimento que eles em nós  provocam, a verdade é que, da sua missão na terra, também outras lições nos  são ensinadas; poderemos não esquecer o encontro final do Menino com as  criancinhas (deixai vir a mim as criancinhas) ou a inegável fragilidade dos  humanos face aos prodígios de Deus, mas mais importante é a sabedoria a  retirar do confronto, várias vezes marcado, entre quem dá a vida e quem dá a  morte, quem despreza e quem muito preza os bens deste mundo.  

O auto não é alheio a uma lição de moral cristã: 

Fugis de Herodes, que busca 

a quem buscallo ha vindo; 

não vos busca, como deve, 

por isso lhe ides fugindo. 

O a quam diferentes fins 

este buscar se encaminha; 

elle só darvos a morte, 

e vós só darlhes a vida! 

O com quantas equipagens 

fazem as suas jornadas 

os soberbos Reys da terra 

dispondo suas paradas! 

E vós, sendo Rey dos Ceos, 

quam pobremente fazeis 

a jornada, que levais 

sem que alvergue acheis!69 

69 Jornada do Menino Deos, 7.

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RODRIGUES, Maria Idalina Resina - A JORNADA DO MENINO DEOS PARA O EGYPTO: TRADIÇÃO E INOVAÇÃO Via Spiritus, Revista de História da Espiritualidade e do Sentimento Religioso, CITCEM, nº 17, 2010, págs.59-77  

Algumas palavras merece ainda a combinação alternada de conteúdos e  espaços, espaços ora fechados ora abertos que o cenário nos deveria ajudar a  captar. 

Começamos com o palácio de Herodes, com o registo agreste e autoritário  do rei e a cobarde reacção do Capitão, seguimos para a residência de José e  Maria, onde uma cortina é corrida pelo Anjo e uma porta separa os dois quartos daqueles que tão carinhosamente expressam a sua mútua amizade, percorre-se  uma zona de ar livre até à pousada do Cidadão, talvez nos «arrabaldes de Gaza»,70 

passando ao falar cómico-trivial dos plebeus, escutam-se as frases grandiosas e  indignadas das figuras alegóricas, por certo em campo severo (sabemos que a  dado momento a Fama aparece «toda vestida de luto»)71 e virão as crianças por  diferentes portas até ser corrida a cortina do quarto onde se encontra o Menino  Deus e onde a conversa evidenciará o contraste entre o infantil saber dos dois  amigos e a seriedade explicativa de Jesus. 

A fechar 

Raros nas representações teatrais do século XVIII, autos religiosos como este  apelam, no entanto, para a nossa atenção pelo que nos mostram não apenas  da persistência da matéria religiosa, como também por algum saber fazer que  convém não minimizar completamente em nome de contrastes (inegáveis) com  obras autorais de maior mérito. 

70 Jornada do Menino Deos, 7. 

71 Jornada do Menino Deos, 14.

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SERAFIM, João Carlos Gonçalves - A INFÂNCIA DE CRISTO EM ADNOTATIONES ET MEDITATIONES IN  EUANGELIA DO PADRE JERÓNIMO NADAL (S.J.) 

Via Spiritus, Revista de História da Espiritualidade e do Sentimento Religioso, CITCEM, nº 17, 2010, págs.79-107  

A infância de Cristo em 

Adnotationes et Meditationes in Euangelia  do Padre Jerónimo Nadal (S. J.) 

João Carlos Gonçalves Serafim  

ISAG; CITCEM/F.L.U.P. 

ABSTRACT 

D. Vasco Luís da Gama (1612-1676), 1st Marquis of Niza, was  one of the first lords that, in the mid 17th Century, decided to create  a public library that would impress Lisbon. Among the many books  that were ordered and suggested is the work of Priest Jerónimo Nadal  – Adnotationes et meditations in Evangelia (1594) – already considered  a iconographic treasure in its time… The images of childhood – noted  and meditated upon… - analysed in this work demonstrate well the  virtuousness of the Jesuit apologetic style of the time. Nadal’s work was  responsible for establishing a rhetoric, of materializing a paideia which  was later greatly cultivated. 

A epistolografia Moderna portuguesa tem – para além de António  Vieira, Joana de Vasconcelos e Meneses, Bartolomeu do Quental, Francisco  Manuel de Melo – dois corpus textuais de particular fortuna: referimo-nos à  correspondência de D. Vicente Nogueira (15851-1654), um bibliófilo singular,  e D. Vasco Luís da Gama (1612-1676), 1º Marquês de Niza, embaixador de  D. João IV e um apreciador e esforçado coleccionador de livros... Para além das  notícias singulares sobre a política e a diplomacia da época, das informações  sobre a cultura portuguesa observada a partir de dois pólos privilegiados – Paris  e Roma – há um tema que se impõe claramente, funcionando como leitmotiv de  toda a produção epistolográfica: é a questão dos livros, os livros aconselhados,  pedidos, dispensáveis, inúteis2, os proibidos3, os autores reputados, as edições  preferenciais, os preços, os coleccionadores e as bibliotecas em Portugal4 etc.. 

1 «...entrando eu a 15 deste mês de Setembro em 65 anos»... – NOGUEIRA, 19-09-1650 – B.P.E. Cód. CVI/  2-11, fól. 702 v.; Na mesma missiva escreve: «mas do mesmo modo é certo que se eu a não fizera pouco  despois de ter cinquenta anos, não houvera chegado aos 65 nos quais sou entrado desde 15 deste Setembro»  – NOGUEIRA, 19-09-1650 – B.P.E. Cód. CVI/ 2-11, fól. 704 v. 

2 Por exemplo, os livros de Roberto de Flud, os «concílios do Louvre», as obras de Scoto... – NIZA, 27-01-51  – B.N.L., cód. 1977, fól. 101 r.; NOGUEIRA, 19-09-1650 – B.P.E. Cód. CVI/ 2-11, fól. 704 v. 3 NIZA, 26-6-49 – B.N.L., cód. 1977, fól. 24 v.-27 r.; NIZA, 20-04-50 – B.N.L., cód. 1977, fól. 66 v.-72 r. 4 NOGUEIRA, 5-3-50, B.P.E., cód. CVI/2-11, fól. 686 v.

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SERAFIM, João Carlos Gonçalves - A INFÂNCIA DE CRISTO EM ADNOTATIONES ET MEDITATIONES IN  EUANGELIA DO PADRE JERÓNIMO NADAL (S.J.) 

Via Spiritus, Revista de História da Espiritualidade e do Sentimento Religioso, CITCEM, nº 17, 2010, págs.79-107  D. Vicente Nogueira – que não conhecia de vista o Marquês de Niza – era  um sólido letrado, um bibliófilo compulsivo, exilado em Roma desde 16345 –  depois de sentenciado pela inquisição por práticas desviantes… – onde serviria  o Cardeal Giulio Sacchetti que fora Núncio apostólico em Madrid e, mais tarde,  o Cardeal Francesco Barberini. 

Numa carta de 22 de Novembro de 1649, lamentando «que ao melhor  natural do mundo» não tivesse dado Deus um «Aristóteles para mestre», e  mostrando algum ressentimento por sentir que o Marquês relativizava os seus  conselhos e avisos, vê-se coagido a falar dos seus dotes:  

Eu pois conhecendo que na repartição das fortunas, me deu Deus ũa tão  limitada como a de bacharel, filho e neto de bacharéis (inda que subindo atrás,  algo mais que bacharelice) me determinei a queimar as pestanas em saber,  trabalhando mais que quantos homens conheço ou por vista ou por história,  sendo inda hoje o meu estudar dez horas cada dia, como a outros meia. E  vendo ser para isso necessário livros, desde idade de 14, quando apenas sabia  latim, comecei a manejá-los com livreiros doutos, príncipes, comunidades.  E com o muito estudo e lição (...) procurei vê-los, lê-los, e examiná-los,  precedendo muito tempo e dinheiro gastado (mas a Deus graças não perdido)  em perfeito conhecimento das três línguas do título da cruz, mães de todas as  mães. E posso assegurar (debaixo do secreto natural, e fidalguia de V. S. que a  toda a outra pessoa seria doudice, nem inda acená-lo) que não há homem que  nestes cinquenta anos tanto haja lido. Porque deixado livros que por bons hei  lido muitas vezes, há muitos que li ũa, muitos que a metade, muitos que um  terço. E nenhum de quantos hei lido se me há passado sem ler dele tal parte  que possa julgar, do siso juízo e fundo de seu autor, o que tudo V. S. verá6

É outra a relação do Marquês de Niza com os livros que angaria... A sua  faceta de mecenas é inquestionável... Para além dos sinais de que poderia ter  tido um papel importante como protector e promotor de um pequeno «foco de  cultura portuguesa» em França onde, como se sabe, em Nantes – em 1644...,  – se editaram as Trovas de Bandarra e, em 1646, em Roão, as Rimas Várias de  Soror Violante do Céu…, são as traduções de Camões7 e a vontade de se tornar  – à semelhança dos grandes senhores da Europa dos seus dias – um notado  coleccionador de livros e de dar corpo a uma livraria pública capaz de servir e de  

5 Numa carta de 1649, diz estar há 15 anos em Roma… – NOGUEIRA, 15-5-1649 – B.P.E. Cód. CVI/ 2-11,  fól. 540 r.-542 v. 

6 NOGUEIRA, 22-11-1649 – B.P.E. Cód. CVI/ 2-11, fól. 513 r. 

7 Da edição de «Os Lusíadas» que o Marquês estava a patrocinar... – NIZA, 29-6-49 – B.N.L., cód. 1977, fól.  24 v.-27 r.; NOGUEIRA, 22-11-1649 – B.P.E. Cód. CVI/ 2-11, fól. 514 v.

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