Batman, discípulo de Ra’s Al Ghul
A trilogia de filmes do Batman de Christopher Nolan é um marco divisório para os super-heróis no cinema. Mas nem de longe ela é perfeita.
E umas das coisas que sempre me incomodou foi essa cena:
Pra mim nunca fez sentido o jeito que David Goyer (roteirista do filme) encontrou para que Batman pudesse “matar sem matar” Ra’s Al Ghul. Afinal, a inação é o que basta para nos absolver? Dito de outro modo, quando somos espectadores de uma ação e temos os meios de impedi-la, ao escolhermos não fazer nada, não nos tornamos cúmplices?
Há um problema parecido em Homem de Aço (cujo roteiro também é assinado por Goyer) quando o Superman mata Zod. Diferentemente da inação do Batman que leva à morte do vilão, o Superman age deliberadamente para matar Zod, ainda que para salvar uma família.
O assassinato de Zod pelo Superman foi uma polêmica na época, especialmente entre os fãs mais puristas que rejeitavam um Superman que mata (escrevi um texto abordando isso em detalhes, que você pode ler aqui). No entanto, não me lembro de uma polêmica parecida em relação à Batman Begins, o que é um tanto estranho, visto que os dois heróis ficaram conhecidos por não matar, uma marca da Era de Prata que permanece nos dois personagens até hoje.
Por que as pessoas aparentemente perdoaram o fato de Batman matar Ra’s Al Ghul e não perdoaram o fato do Superman matar Zod? Afinal, o Superman teve um motivo muito melhor: caso não matasse Zod, a família morreria.
A questão fundamental, portanto, parece ser ação versus inação. Batman decide não salvar Ra’s Al Ghul, enquanto que o Superman escolhe matar Zod, o que, para o senso comum, isentaria o Batman da responsabilidade pelo assassinato do vilão.
A impressão que sempre ficou em mim foi que Batman aprendeu a lição no início do filme ao não executar um ladrão, a última que seu mestre tinha para ensinar, mas que ele se recusava a aprender. Finalmente aprendeu a “fazer aquilo que é necessário”, apenas conseguiu arranjar uma desculpa racional para se convencer do contrário ou julgou ter encontrado uma situação na qual o assassinato fosse moralmente justificável.
Ao decidir não salvar a vida de Ra’s Al Ghul Batman tornou-se o discípulo perfeito que o vilão tanto desejava. Ao menos sob uma ótica cristã. Afinal,
“O discípulo não está acima do mestre. Mas todo aquele que ficou completo será como seu mestre” (Lucas, 6:40, tradução de Frederico Lourenço).
Para Nietzsche retribui-se mal a um mestre permanecendo aluno. Ou seja, para Nietzsche o melhor discípulo é aquele que supera o mestre de alguma forma. E Batman perdeu a oportunidade de ser melhor que seu mestre.
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