A verdadeira história de Semíramis, lendária rainha da Babilônia

Única mulher a governar o poderoso Império Assírio, Semíramis gerou interesse em escritores e historiadores do período Greco-romano até os pintores do romantismo da Era Vitoriana no século 19.
Governantes mulheres na antiga Mesopotâmia eram raros. Mas aquelas que governaram deixaram sua marca na história. No período Neo-assírio do século 9 a.C., uma mulher comandava um império inteiro que se estendia da Ásia Menor ao que hoje é o Irã ocidental. Ela era Sammu-ramat, que significa “alto céu”. Seu governo durou apenas cinco anos, mas gerou um enorme interesse em sua figura.
Séculos depois de seu reinado, escritores e historiadores gregos se concentraram em Sammu-ramat e em suas realizações. Eles foram os responsáveis por helenizar o seu nome como Semíramis, fazendo com que ela ficasse conhecida dessa maneira no Mundo Ocidental. A partir de então Semíramis passou do mundo dos fatos para o reino da lenda.
Alguns a consideram uma femme fatale já outros, como os autores clássicos, atribuíram grandes realizações a Semíramis como o comando de exércitos, coonstrução dos muros da Babilônia e monumentos em todo o seu império. Mais tarde, ela inspirou o poeta medieval italiano Dante Alighieri, que a colocou em seu Inferno, onde ela foi punida por seus “vícios sensuais”. O escritor iluminista francês Voltaire escreveu uma tragédia sobre ela, que mais tarde foi transformada na ópera de Rossini de 1823, Semiramide.
Quem foi a verdadeira Semíramis?
Em meio a tantas especulações e relatos romantizados a verdadeira história de Sammu-ramat permanece obscura. Mas uma pergunta permanece: o que ela alcançou há 2.800 anos que tanto fascinou o mundo e permitiu que lendas mirabolantes surgissem em torno de seu legado?
Vamos aos fatos concretos.
Os arqueólogos encontraram quatro artefatos principais que oferecem pelo menos algumas evidências para montar a biografia de Semíramis. Na antiga cidade de Nimrud (no atual Iraque), duas estátuas dedicadas a Nabu, o deus babilônico do conhecimento e da escrita, mencionam seu nome. Há também duas estelas, uma de Kizkapanli, uma cidade na atual Turquia, e outra de Assur, no Iraque, que a mencionam.
Juntas, as quatro inscrições estabelecem pelo menos o esqueleto de sua história: A rainha definitivamente viveu no Império Assírio entre os séculos 9 e 8 a.C. , foi casada com o rei Shamshi-Adad V, que reinou de 823 a 811 a.C., e era a mãe do rei Adad-nirari III.
Com posse dessas informações os historiadores formaram uma ideia mais clara de sua importância e sabem que ela entrou na história da Assíria em um momento crítico para o império. Seu marido era neto do grande governante da Assíria, Assurbanípal II, monarca que construiu um palácio magnífico em Nimrud no início do século 9 a.C. Assurnasirpal II também estabilizou o Império Assírio, reprimindo revoltas com um nível de crueldade bastante alto mesmo se comparado aos métodos dos impérios contemporâneos e vindouros.
Sendo assim o império que o marido de Semíramis herdou pode ter sido estável e rico, mas não permaneceu assim por muito tempo. O rei Shamshi-Adad V parece ter gasto muitos recursos para derrotar seu irmão mais velho rebelde, que queria assumir o trono. Na época em que Shamshi-Adad morreu em 811 a.C., o império estava financeiramente e politicamente enfraquecido. Como seu filho, Adad-nirari III, era muito jovem para governar caberia à rainha Sammu-ramat exercer a regência.
Da memória ao mito
Embora as quatro principais fontes arqueológicas sobre Semíramis não esclareçam se ela reivindicou a regência, as inscrições deixam claro que essa mulher exerceu certo grau de poder político. A estela da cidade de Kizkapanli, por exemplo, menciona que a rainha acompanhou seu filho quando ele cruzou o Rio Eufrates para lutar contra o rei da cidade assíria de Arpad. Sua presença era incomum para a época, e o fato de a estela se dar ao trabalho de mencionar sua participação confere às ações de Sammu-ramat um forte grau de honra e respeito.
Sammu-ramat com certeza impressionou seus súditos com sua força e firmeza, como mostra a Estela em Assur. Sua inscrição a coloca quase no mesmo nível dos governantes do sexo masculino e é dedicada a “Sammu-ramat, Rainha de Shamshi-Adad, Rei do Universo, Rei da Assíria; Mãe de Adad-nirari, Rei do Universo, Rei da Assíria.”
O início de sua lenda
Após a morte de Sammu-ramat, seu nome parece ter ecoado através das gerações e sua história recebeu embelezamentos, fatos mitológicos e foi alterada. Tais alterações parecem ter crescido de uma narrativa para a outra. No século 5 a.C., o grande historiador clássico Heródoto perpetuou a memória dessa rainha usando a forma grega de seu nome: Semíramis. E é por esse nome que ela é mais conhecida hoje.
Foi Diodoro Sículo, um estudioso grego que viveu no século 1 a.C., que solidificou grande parte da lenda de Semíramis. Sua colossal obra semi-histórica Bibliotheke aborda eventos desde os mitos da criação até sua época. Na obra, ele oferece uma narrativa detalhada, embora um tanto fantástica, da rainha assíria. Parte do trabalho de Diodoro Sículo é baseado em um texto anterior, agora perdido, de Ctésias de Cnido, um médico grego que serviu à corte persa no século 4 a.C.
De acordo com Diodoro, Semíramis nasceu em Ashkelon (no atual Israel), fruto de um emparelhamento entre a deusa síria Derceto (uma versão local da deusa fenícia Astarte e do Ishtar babilônico) e um jovem sírio. Envergonhada da relação, a deusa abandonou a menina, que a princípio foi cuidada por pombas. Mais tarde, o pastor-chefe do rei da Assíria acabou adotando a criança e dando-lhe o nome de Semíramis.
Semiramis se tornou uma jovem de beleza extraordinária. O governador real da província da Síria, chamado Onnes, ficou impressionado com sua beleza quando a conheceu enquanto inspecionava os rebanhos reais.
Onnes obteve o consentimento de seu pai adotivo para se casar com ela. Após o casamento, ele levou Semíramis com ele para Nínive. Mais tarde, Onnes foi enviado para sitiar a cidade de Bactra, na Ásia central. Sentindo falta da esposa, ele pediu que ela fosse se juntar a ele lá. Semíramis não apenas viajou para este local remoto para ficar com seu marido, como também criou uma estratégia que fez a cidade sitiada se render.
Quando soube dessa façanha, o rei assírio Ninus quis conhecer a inteligente mulher e fez com que fosse apresentada a ele. De acordo com Diodoro Sículo, Ninus se apaixonou por Semíramis à primeira vista e ordenou que Onnes trocasse sua esposa por uma de suas filhas. Onnes, no entanto, recusou, e finalmente acabou cometendo suicídio. Logo depois Semíramis se casou com Ninus e se tornou a rainha consorte da Assíria.
Poucos anos após o casamento, o rei Ninus morreu. Nesse ponto, a versão de Diodoro Sículo da vida da rainha converge com sua versão histórica: Semíramis assumiu pessoalmente o comando do governo, atuando como regente de seu filho, que ainda era uma criança.
Façanhas governamentais
De acordo com os historiadores gregos, Semíramis foi a idealizadora de ambiciosos projetos de construção. A fim de imitar a agenda de seu falecido marido, ela teria ordenado a construção de uma nova cidade nas margens do Eufrates – a Babilônia. Diodoro Sículo até sugere que Semíramis ergueu não apenas a cidade, mas também suas outras características: o palácio real, o templo de Marduk e as muralhas da cidade.
Outros autores greco-romanos, incluindo Estrabão, vão mais além e afirmam que Semíramis esteve por trás da construção dos Jardins Suspensos da Babilônia, uma das sete maravilhas do mundo antigo. A evidência histórica não apoia tais afirmações.
Campanhas militares
Diodoro Sículo conta também como, após a construção da Babilônia, Semíramis lançou várias campanhas militares para reprimir levantes na Pérsia ao leste e na Líbia no Norte da África. Mais tarde, Semíramis teria organizado a campanha mais notável e difícil de todas: uma invasão da Índia. Mas, apesar de seu planejamento cuidadoso, a invasão foi um desastre e a rainha foi ferida.
Durante sua campanha na África, Semíramis também teria parado no Egito e consultado o oráculo do deus Amon, que profetizou que seu filho Ninias conspiraria contra ela e a mataria. Após a conquista fracassada na Índia, a profecia se tornou realidade. Mas, Semíramis sabiamente decidiu não lutar contra o filho. Em vez disso, ela pacificamente cedeu o poder a ele.
Outras histórias fornecem finais diferentes. O autor romano do século 1 d.C. Caio Júlio Higino conta que a lendária rainha se matou jogando-se em uma pira em chamas. O historiador romano do século 3 Marco Juniano Justino afirmou que Semíramis foi, de fato, morta por seu filho. Sendo tais relatos ficção ou não o que sabemos é que Semíramis, sem sombra de dúvidas, foi uma mulher que assombrou os seus contemporâneos com seus feitos.
É válido mencionar que lenda de Semíramis apresenta paralelos claros com outros mitos antigos da Antiguidade. Suas origens divinas ecoam a de heróis como Hércules. Seu abandono quando bebê é uma reminiscência da história contada da infância do rei Sargão de Acádia. A consulta de Semíramis ao oráculo de Amon e sua tentativa de invadir a Índia foram façanhas de Alexandre o Grande, que eram histórias muito familiares a Diodoro Sículo.
Com informações de National Geographic
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