Causa-me tremenda angústia quando ouço alguém, das mais distintas camadas da população, dizer que deseja mais presença e ações do Estado para que a sua vida e de seus familiares possa pretensamente melhorar. Esta relação não é verdadeira, diria até que é bem fácil de ver, mas poucos estão realmente dispostos a enxergar. Talvez isso seja resultado de anos de um Estado propagandista que, em realidade, mais alardeava intenções e resultados efetivos, do que os entregava. Pois bem, penso diametralmente o oposto dessas pessoas e direi as razões para tanto, de maneira bastante simples.
Basta um olhar atento para a minha própria história familiar: o meu pai, hoje com 85 anos, médico, formado em um tempo em que não havia Universidade Pública em sua cidade (João Pessoa, 1958), teve que pagar pelo seu curso superior. Trabalhava e estudava com afinco, pois os seus pais não tinham condições de fazê-lo. O meu avô paterno era um modesto marceneiro, um empreendedor, prestador de serviços e a minha avó era professora primária, funcionária pública. Apesar das modestas condições econômicas da família, o meu pai e seus irmãos estudaram, todos se formaram, constituíram família e legaram aos herdeiros valores os quais prezamos e fazemos questão de transmitir de geração em geração. Sem dúvida, aquele casal humilde e cristão ficou orgulhoso de, com muito esforço, acompanhar a tão desejada ascensão social de seus filhos. Ou seja, tiveram a certeza de que conseguiram oferecer aos filhos mais do que receberam dos próprios pais. E creio que este seja o anseio de todos os pais.
E, ainda que possam ser levados a imaginar, isso não resultou de condições especiais. Pelo contrário, os meios para tanto foram os mais comuns possíveis. De um lado, um chefe de família espelhado em São José, sempre dedicado a trabalhar e a cuidar com zelo e retidão dos seus. De outro, por terem à época, mesmo em uma província pobre, um Estado efetivo que não lhes furtava recursos, os quais não tinham em abundância. O meu pai e seus irmãos tiveram acesso a escolas primárias de qualidade, o que lhes permitiu alcançar mais à frente a tão sonhada carreira universitária. Assim, sem terem que dedicar importante fração da renda familiar à educação filial, a planos de saúde e a outras necessidades que deveriam ser providas por meio dos tributos que incidem sobre distintas esferas de nosso viver, como faz boa parte dos brasileiros que ainda insiste em desejar mais presença estatal, os meus avós, embora economicamente desfavorecidos, puderam viver com dignidade, sempre bem vestidos, sem luxo, de certo, mas sempre com alimentos suficientes para suprir a todos, uma preocupação constante para o meu avô, em lembranças de uma infância que não queria ver repetida para os seus.
Quando reflito acerca dos muitos esforços que realizo no cotidiano, associados aos de minha esposa, percebemos, na ponta do lápis, que importante parcela da renda familiar é comprometida mensalmente com a escola das filhas e com o plano de saúde, o qual, em realidade, pouco fazemos uso, mas tomados pelo receio de um dos provedores adoecer e de, desta condição, resultar a dilapidação do mínimo patrimônio duramente construído ao longo de anos de trabalho, em especial a nossa casa, como já testemunhamos ocorrer a outras famílias, nos leva a apertar ainda mais o cinto, em virtude dos reajustes anuais e a manter este compromisso. Não sabemos por quanto tempo mais conseguiremos…
De pouco adianta reclamarmos melhores salários, seja na iniciativa privada ou no serviço público. Ganhamos relativamente bem, mas gastamos com o que deveria ser retribuição necessária pelos recursos que fazemos chegar aos cofres estatais. Simples assim!
Agora, imaginem que condição de vida teríamos, não só do ponto de vista financeiro, mas também emocional, se nos fossem garantidas a educação básica e a assistência à saúde, papel estatal fundamental. Em breve cálculo, como dizemos aqui no nordeste, em conta de padeiro, dia desses cheguei à conclusão de que uma família de classe média, com dois filhos, desprende valor igual ao de uma habitação com esta educação até o ensino médio. Ou seja, valor compatível com o da aquisição de uma moradia, da casa própria, sonho de tantas famílias e que pode ser comprometido, não alcançado, porque os pais decidem, por decisão nem sempre fácil, sacrificar tudo o que a conquista deste bem pode significar, para que os filhos possam estudar com um pouco mais de qualidade. E, infelizmente, nestes dias de pandemia, com aulas em EAD, muitos pais têm se questionado se tal tem valido a pena. Este será assunto para uma próxima e necessária reflexão.
Pois bem. Em linhas gerais, podemos dizer que, em média, cinquenta por cento do patrimônio dessa família da classe média é permutado por aquilo que é dever estatal prover. E isso vem ocorrendo em nosso país, sobretudo nas últimas décadas, pois neste período o Estado brasileiro não cumpriu minimamente o que devia. Pelo contrário, vimos o Estado intervindo e investindo em ações que entendo não caberem, em hipótese alguma, ao Poder Público: marchas por direitos das minorias, carnavais, criação e manutenção de empresas estatais, financiamento de espetáculos de todas as ordens e dos “campeões” de segmentos econômicos, em obras de grandes construtoras no exterior e por aí vai. Precisamos sim, mudar esta absurda percepção de que cabe ao Estado financiar tudo. Não podemos jamais nos esquecer do que afirmou, com plena propriedade, a ex-Primeira Ministra inglesa Margareth Thatcher: “Não existe essa coisa de dinheiro público, existe o dinheiro dos pagadores de impostos”. Em outras palavras: o Estado não gera riqueza, se utiliza de recursos que são retirados do orçamento e do patrimônio das famílias. E pensar diferente disto, muito mais do que utopia, ou é ignorância ou torpeza de caráter. Então, faço minhas as palavras de uma estimada amiga: “Como não costumo subestimar a inteligência alheia…”.
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