Sistema de Segurança Pública - ATRIBUIÇÕES DAS INSTITUIÇÕES DE SEGURANÇA PÚBLICA.


  1. ATRIBUIÇÕES DAS INSTITUIÇÕES DE SEGURANÇA PÚBLICA.
Segundo a nossa constituição (Brasil, 1988) a segurança pública é direito e responsabilidade de todos e deve ser exercida nas esferas federal, estadual e municipal.





    Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
        I -  polícia federal;
        II -  polícia rodoviária federal;
        III -  polícia ferroviária federal;
        IV -  polícias civis;
        V -  polícias militares e corpos de bombeiros militares.
    § 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, estruturado em carreira, destina-se a:
        I -  apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;
        II -  prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;
        III -  exercer as funções de polícia marítima, aérea e de fronteiras;
        IV -  exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.
    § 2º A polícia rodoviária federal, órgão permanente, estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais.
    § 3º A polícia ferroviária federal, órgão permanente, estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais.
    § 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
    § 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.
    § 6º As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.
    § 7º A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades.
    § 8º Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.
(Brasil, 1988).


Pacto Federativo.
Um dos principais desafios brasileiros é a segurança pública. As autoridades estão mais atentas aos problemas e elegem o combate à violência como uma das prioridades em seus programas. A segurança pública caminha cada vez mais para a integração e articulação entre as forças diversas presentes no território.
O tema tem tratamento específico na Constituição Federal de 1988 no artigo 144. O texto dispõe que a segurança pública é “dever do Estado” e deve ser exercida pelas Polícias Federal, Rodoviária Federal, civis, militares e Corpos de Bombeiros militares. Qualquer lei precisa respeitar as estruturas previstas na Constituição.
O Supremo Tribunal Federal afirma que a segurança pública trata de “organização administrativa”. Por isso, a gestão em cada ente da federação fica por conta do chefe do executivo. No caso dos estados, fica sob a chefia do governador de Estado, a quem estão subordinados as polícias militares e civis. Já o chefe do Poder Executivo Federal tem a competência de organizar as polícias federais, dentre outros da administração federal.
No entanto, com o aumento da violência, o governo federal passou a repassar recursos para a modernização das instituições de segurança pública dos estados e do Distrito Federal. A articulação entre as administrações nesse quesito é crucial.
Além desses quesitos, a segurança pública deixou de se pautar unicamente pela de repressão e passou a ser vista sob a ótica da prevenção e capacitação dos agentes com enfoque na cidadania. Com o governo da presidente Dilma Vana Rousseff, o papel da União na Política Nacional de Segurança Pública passou a ser maior, com maior integração institucional e as instituições do sistema de justiça criminal e enfatizando o planejamento, a gestão e o monitoramento.
União
Compete à União a defesa dos seus interesses e dos seus órgãos, o policiamento da faixa de fronteira e o combate ao tráfico internacional e interestadual de drogas, prevenir e reprimir o contrabando e o descaminho, bem como realizar o patrulhamento das rodovias federais.
A União assumiu ainda a função de articular a integração entre os órgãos de segurança pública e de justiça criminal, que teve seu ponto alto na Copa do Mundo 2014, e deixou como principal legado a atuação integrada entre os órgãos de segurança pública nacionais e internacionais e as Forças Armadas nos 12 (doze) Centros Integrados de Comando e Controle Regionais.
Os locais foram equipados pelo governo federal em todas as cidades-sede da Copa. O governo tem realizado ações como o Brasil Integrado, operação que já atuou no Nordeste e recentemente transferiu presos entre presídios federais.
Estados
Os governos estaduais e do Distrito Federal realizam a segurança pública direta, organizando e mantendo o policiamento ostensivo, que é realizado pela Polícia Militar, formada por policiais uniformizados, facilmente identificados, de modo a criar na população uma percepção de segurança. É de competência dos estados ainda manter e organizar a Polícia Civil e os órgãos técnicos de investigação dos crimes comuns.
Municípios
Já os municípios têm a competência para desenvolver ações de prevenção à violência, por meio da instalação dos equipamentos públicos, como iluminação e câmeras. Os municípios também podem criar guardas municipais para a proteção de bens, serviços e instalações.
Neste ano, a lei nº 13.022 regulamentou as atribuições das Guardas Municipais na prevenção à violência, proteção dos direitos humanos fundamentais, exercício da cidadania e das liberdades públicas, preservação da vida e patrulhamento preventivo, dentre outros.
Distrito Federal
O DF possui as mesmas competências dos estados na gestão da segurança pública.
Fonte:



Figura 1- Pacto Federativo. Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/governo/2014/10/seguranca-publica-e-dever-de-estado>. Acesso em 07 de ago de 2018.
A provisão da segurança pública no Brasil, até a década de 1990, era compreendida como uma responsabilidade quase que exclusiva dos governos estaduais, sobretudo dos órgãos policiais (COSTA E GROSSI, 2007).
O artigo 144 da Constituição Federal de 1988 contribuiu para embasar a falta de comprometi­mento da União e dos municípios na adoção de políticas para a preservação da ordem pública, uma vez que atribui ao governo estadual o encargo pelas polícias civis e militares.
Nessa interpretação restrita de segurança pública, não haveria muito espaço para a atuação dos governos federal e municipal, uma vez que a política de gestão policial, de execução penal e a administra­ção da justiça criminal são majoritariamente desenvolvidas pelos poderes estaduais.
A UNIÃO, OS ESTADOS, MUNICÍPIOS E AS COMUNIDA­DES NA CONSTRUÇÃO DA SEGURANÇA PÚBLICA
No âmbito federal, o envolvimento com as questões de segurança pública se limitava às ações das polícias federais, ao controle de armas e empresas de segurança privada, assim como a atividades legislati­vas e regulatórias na esfera criminal e penal. No âmbito municipal, restringia ao trabalho de proteção do patrimônio público local, realizado pelas poucas Guardas Civis mantidas pelas prefeituras, além do apoio às polícias estaduais, por meio de cessão de imóveis, doação de equipamentos e pagamento de combustível para viaturas. (KAHN e ZANETIC, 2009).
No final da década de 1990, contudo, ocorreu uma ampliação da questão de segurança pública, com a assunção de responsabilidades, tanto por parte do governo federal quanto por parte dos municípios. Esse processo foi desencadeado através da percepção política da violência como problema público re­levante, em virtude do crescimento dos índices de criminalidade, reconhecendo a relevância do tema para a população.
Entre 1980 e 2000, a taxa de homicídios do Brasil passou de 11,4 para 27,8 ocorrências por 100 mil habitantes. Concomitantemente, houve um crescimento da sensação de insegurança, de modo que o crime passou a figurar como uma das principais preocupações dos cidadãos brasileiros, ao lado do de­semprego. Somado a isso, a população responsabiliza todos os entes federativos pelo problema, e não apenas o governo estadual, detentor das polícias civil e militar (KAHN e ZANETIC, 2009).
Nas próximas aulas, você estudará as competências e as possibilidades de cada ente federativo na promoção da ordem pública, no contexto de agravamento dos problemas de violência e do crescimento da sensação de insegurança, que impulsionou a União e os municípios a participarem mais ativamente da gestão da segurança pública, independentemente de suas obrigações oficiais.
Esse contexto, conforme analisa Cano (2006), também englobou uma mudança de paradigma na segurança pública, em que o fracasso das políticas tradicionais de controle do crime cedeu espaço para reformas e iniciativas inovadoras, que abordam a questão sob a ótica dos princípios democráticos e dos direitos humanos, com o aperfeiçoamento dos órgãos do sistema de justiça criminal, com a articulação de ações de repressão e prevenção à criminalidade, com a integração sistêmica das instituições de segurança pública, com o investimento em tecnologia, com o surgimento de novos atores e com a participação social.
2.1 - A gestão federal da segurança pública
Conforme define o artigo 144 da Constituição Federal de 1988, a polícia federal, a polícia rodoviária federal e a polícia ferroviária federal são os órgãos de segurança pública com que conta o governo federal.
§ 1º A polícia federal [...] destina-se a:
I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;
II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descami­nho [...];
III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras;
IV - exercer, com exclusivi­dade, as funções de polícia judiciária da União. (BRASIL, 1988)
A polícia de fronteiras implica o exercício do controle do fluxo de pessoas, bens e mercadorias no território nacional. A polícia marítima e a polícia aeroportuária envolvem a mesma função, porém ope­ram em espaços específicos – marítimos e aéreos, respectivamente, sobretudo, na prevenção e repressão do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas, contrabando e descaminho.
A polícia rodoviária federal é responsável pelo patrulhamento ostensivo das rodovias federais. Atua através da presença policial ostensiva nas estradas federais e repressão imediata dos delitos cometidos nesses espaços.
A polícia ferroviária federal é responsável pelo patrulhamento ostensivo das ferrovias federais. Contudo, Souza Neto (2008) observa que, o que há na prática, é a segurança patrimonial desempenhada pelas próprias empresas concessionárias de serviço ferroviário, e que apesar da previsão constitucional, a polícia ferroviária federal, de fato, nunca existiu.
2.2 – A gestão estadual da segurança pública
O governo estadual é o principal ente federativo responsável pela preservação da ordem pú­blica, pois nele se concentra a administração das polícias civil e militar.
A Polícia Militar apresenta como atribuições a função de polícia ostensiva e de preservação da ordem pública, além da responsabilidade de investigar e julgar os crimes militares (BRASIL, 1988). De acordo com Souza Neto (2008), o policiamento ostensivo consiste na atividade de prevenção e repressão ime­diata da ação criminal, realizado por policiais fardados, de forma que esses profissionais possam ser facil­mente identificados, através do uniforme, equipamento, ou viatura, no intuito de preservar a paz social e de restituí-la sempre que necessário.
O objetivo de tornar aparente a presença do patrulhamento policial nas vias públicas consiste em intimidar a prática de ações ilícitas, por meio da construção da sensação de repressão imediata ao cometimento de delitos, o que ocasionaria efeito de prevenção situacional do crime.
Compete à Polícia Civil o encargo de polícia judiciária e de apuração de infrações penais, exceto a investigação de crimes militares e daqueles de jurisdição da União (BRASIL, 1988). Apurar a prática de deli­tos, segundo Melim Júnior (2002), consiste no trabalho policial investigativo, desenvolvido em função de evidenciar o crime sucedido – através da realização de perícias, interceptação de comunicações telefônicas, reunião de provas, da escuta do relato das testemunhas, dentre outras medidas – no intuito de identificar a maneira com que o delito ocorreu, suas causas e, sobretudo, descobrir a sua autoria, para que o Estado tenha condições de desempenhar o seu direito de punição – “jus puniendi”.
Vale lembrar que a efetivação de grande parte dos procedimentos que ocorrem na atividade inves­tigatória depende de autorização judicial, conforme adverte Souza Neto (2008). É denominada função de polícia judiciária a incumbência de amparo conferida pela Polícia Civil ao Poder Judiciário, no subsídio da materialidade necessária para o processo e o julgamento dos autores de infrações penais.
Conforme Lazzarini (1987), a Polícia Militar é classificada como Polícia Administrativa, por ser regida pelos preceitos jurídicos do Direito Administrativo, enquanto a Polícia Civil é definida como Polícia Judiciária, uma vez que é auxiliar da Justiça Criminal, regida pelos códigos do Direito Processual Penal. Além do mais, a Polícia Administrativa é preventiva, dado que o trabalho por ela desenvolvido visa evitar a prática de delito, ao passo que a Polícia Judiciária é repressiva, de­vido a sua atuação suceder o cometimento de crime, operando como auxiliar do Poder Judiciário na aplicação da lei penal. Entretanto, esta classificação merece ser relativizada, segundo pondera Lazzarini (1987).
A atividade policial desenvolvida na prática, ou seja, o modo de atuação da autoridade no exercício do poder de polícia é o que efetivamente a qualificará como preventiva ou repressiva. Vis­to que, em sua rotina de trabalho, o policial pode se deparar com os dois tipos de funções.
Portanto, a polícia desempenha função administrativa quando age em prol da preservação da ordem pública e da prevenção da eclosão de delitos, ao passo que quando atua após a prática do crime – elaborando o inquérito, em atividade investigatória de caráter criminalístico – a polícia exerce função judiciária, o que, apesar do nome, também consiste em exteriorização de atividade administrativa, e não pode ser confundida com a atividade jurisdicional, exclusiva do Poder Judici­ário, de modo que o profissional público legitimado para efetuar o poder de polícia é uma autori­dade administrativa, e não judiciária.
É a eclosão ou não da ação criminal que realmente delimita a diferença entre a prática preventiva ou repressiva. Um agente que regula o trânsito, uma vez que lavra um auto de infração, passa do exercício da atividade policial administrativa para a judiciária, assim como acontece na verificação de um acidente automobilístico. Nesse caso, a ação preventiva ostensiva, que estava desempenhando, passa a se configurar como repressiva, dado que a ação preventiva não logrou sucesso em evitar a ocorrência do delito.
Se um órgão estiver no exercício da atividade policial preventiva (polícia administrativa) e ocorrer a infração penal, nada justifica que ele não passe, imediatamente, a desenvolver a atividade policial repressiva (polícia judiciária) fazendo, então, atuar as normas de Direito Processual Penal, com vistas ao sucesso da persecução criminal. (LAZZARINI, 1987, pp. 36 - 37)
A divisão da execução das fases da atividade policial em duas organizações distintas, no ente fede­rativo estadual, de forma que é atribuída à Polícia Militar o trabalho de preservação da ordem pública, en­quanto compete à Polícia Civil a realização da investigação e da apuração dos crimes, caracteriza a estrutura das polícias estaduais brasileiras como bipartida, dado que ambas apresentam o ciclo policial incompleto.
O ciclo de polícia, que inicia o ciclo de persecução criminal, é composto por:
1ª fase: Situação normal de paz social. Refere-se ao trabalho ostensivo realizado pela polícia, de caráter preventivo, em prol da preservação da ordem pública. Quando ocorre a quebra da ordem pública, são efetuadas as demais fases do ciclo policial.
2ª fase: Restauração da paz social. Consiste no primeiro contato da polícia com a prática criminal, competindo-lhe exercer as primeiras providências de polícia administrativa e judiciária, como realizar prisão em flagrante, identificar testemunhas, levantar informações sobre o modo como o crime ocorreu, socorrer vítimas, dentre outras verificações possíveis que se apresentarem necessárias de imediato.
3ª fase: Investigativa. É exercida pela polícia judiciária, através da escuta do relato das testemu­nhas arroladas, realização de perícias, cumprimento de prisões processuais, exercidas por meio da instaura­ção do Inquérito Policial.
4ª fase: Processual. A partir dessa sequência de procedimentos ocorre a fase processual, que é de competência do Ministério Público e Poder Judiciário, sendo a última etapa do ciclo de persecução criminal a fase de aplicação das penas, responsabilidade do Poder Judiciário e do Sistema Prisional (LAZZARINI, 1996).
A frouxa articulação do sistema policial brasileiro é um grave problema estrutural de segurança pública.
A disjunção do trabalho policial, em duas organizações distintas, tem sido apontada por diversos estudiosos como um grave problema estrutural de segurança pública brasileira, uma vez que compromete a eficiência do serviço prestado por essas corporações.
Ademais, a existência de polícias de ciclo incompleto, conforme ocorre em âmbito estadual, é uma característica exclusiva do Brasil, pois independentemente da forma com que as polícias são organizadas em outros países, as mesmas instituições realizam todas as etapas do ciclo policial.
Uma análise sociológica acerca do sistema de justiça criminal brasileiro é efetuada por Sapori (2006), que considera fragmentada a articulação entre as organizações que o constitui, característica essa, que in­viabiliza a eficiência do mesmo.
A frouxa articulação na justiça criminal pode se expressar nos níveis de conflito e disjunção existen­tes nas relações entre as organizações do network. Os diferentes segmentos organizacionais tendem a agir segundo lógicas distintas e muitas vezes conflitantes, contrariando a divisão de trabalho harmoniosa inicial­mente prevista. Disputas por espaços de poder são recorrentes, além da competição por recursos escassos. Críticas recíprocas entre os diversos segmentos organizacionais são comuns, atribuindo-se mutuamente res­ponsabilidades por eventuais fracassos do sistema. Além disso, a intensidade dos conflitos pode se constituir em foco crônico de ineficiência do sistema, afetando o desempenho institucional. (SAPORI, 2006, p. 769)
Um dos principais focos crônicos dessa desarticulação, apontado por Sapori (2006), característica singular do desenho institucional do sistema de justiça criminal brasileiro, consiste na secção do trabalho policial, na esfera estadual, em duas organizações distintas, de forma que compete à Polícia Militar realizar o patrulhamento ostensivo, enquanto cabe à Polícia Civil a responsabilidade pelo trabalho investiga­tivo. Diversos problemas decorrentes da disjunção do trabalho policial têm sido atribuídos a essa peculiari­dade do subsistema policial brasileiro.
É o caso, por exemplo, da ausência de mecanismos integrados e articulados de planejamento das intervenções públicas na área. A divisão de trabalho prevalecente entre as polícias faz com que as tarefas envolvidas no combate à criminalidade sejam concentradas no âmbito ostensivo, resumindo-se a planos de distribuição dos recursos humanos e materiais das Polícias Militares. A investigação policial e eventual iden­tificação e detenção de criminosos ocorre em momento distinto e obedece somente à lógica de elaboração de documento a ser entregue às instâncias judiciais.
Ressalte-se ainda o fato de que cada uma dessas organizações policiais dispõe de um sistema próprio de comunicações e informações que não dialogam entre si. O registro oficial da incidência criminal, nesse sentido, tem duas fontes distintas, caracterizadas pela duplicidade e incoerência dos dados. O diag­nóstico espaço-temporal da criminalidade na sociedade brasileira não dispõe, assim, de uma base de dados consensualmente estabelecida, o que suscita frequentes divergências e conflitos quanto ao provimento da segurança pública, enquanto bem coletivo.
O desenho institucional da segurança pública no Brasil, em suma, provocou a emergência e consoli­dação de organizações policiais que, a despeito do caráter complementar de suas atividades, são dotadas de culturas distintas, com definições muito particulares do interesse coletivo e, além disso, têm suas inter-rela­ções pautadas pelo conflito e competição intermitentes. Como consequência inevitável dessa realidade, temos a baixa capacidade do subsistema policial brasileiro de produzir resultados consistentes, em termos de redução dos índices de criminalidade. (SAPORI, 2006, p. 769 - 770)
Além dos problemas relacionados à divisão do ciclo policial, há outras deficiências comuns a ambas as polícias. O Projeto Segurança Pública para o Brasil (BRASIL, 2003) destaca as seguintes:
1) coleta, registro, produção, distribuição e processamento precários das informações, gerando da­dos inconsistentes e pouco confiáveis, e inviabilizando diagnósticos, análises prospectivas e definição de orientações estratégicas;
2) ausência de planejamento, de avaliação sistemática e de práticas corretivas;
3) atendimento, serviços e produtos de má qualidade; recrutamento deficiente e formação precária;
4) abandono dos cuidados preparatórios, necessários ao trabalho pericial: ausência da cultura técnico-policial nas esferas não envolvidas diretamente com os setores policiais especializados;
5) correição (correição - substantivo feminino. 1. ato, processo ou efeito de corrigir; correção. 2. conserto, emenda de erro, imperfeição, defeito etc.) quase inexistente, em decorrência de inércia burocrática, restrições normativas, inope­rância administrativa e, em alguns casos, comprometimento corporativista;
6) controle externo deficiente, em razão dos obstáculos à intervenção investigativa das ouvidorias e dos entraves à afirmação de direção interna;
7) dissociação conflitiva da outra instituição policial e dos demais profissionais do sistema de justiça criminal (inclusive da Secretaria de Segurança), dada a autonomização dispersante das unidades (em parti­cular, das delegacias distritais);
8) delimitação irracional (e dissociada das circunscrições da outra instituição policial) dos territórios jurisdicionais;
9) despreparo no enfrentamento de questões específicas, como: a violência contra as mulheres, as crianças, as minorias sexuais e os negros - o que determina alguns aspectos lacunares na atuação das Dele­gacias Especializadas de Atendimento às Mulheres, por exemplo;
10) despreparo na aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente;
11) formação mais voltada à repressão do que à prevenção (o que caracteriza o conjunto das insti­tuições da segurança pública);
12) grande quantidade dos policiais exerce função extra (bico), para complemento salarial em razão dos baixos salários. (BRASIL, 2003, p. 29)
A corrupção, o desrespeito aos direitos humanos, a herança autoritária e a “insistência no modelo da guerra como metáfora e como referência para as operações de segurança pública” (CANO, 2006, p. 141), também são alguns outros exemplos comuns de deficiências relacionadas às polícias estaduais.
A despeito do panorama de deficiências das polícias estaduais, verificam-se iniciativas recentes de modernização das instituições policiais que apontam em direção à mudança de paradigma na gestão da segurança pública.
Nesse contexto, pode-se citar algumas experiências relevantes, tais como:
Tentativas de integração das polícias civil e militar;
Compatibilização do trabalho policial em áreas geográficas coincidentes;
Unificação e informatização dos boletins de ocorrências criminais;
Investimentos em tecnologia, em georeferenciamento e nos sistemas de informações policiais;
Criação de ouvidorias de polícia.
2.3 – A gestão municipal da segurança pública
Na década de 1990, os municípios iniciam o processo de assunção de responsabilidades na área da segurança pública, através da formulação e execução de políticas públicas locais e da criação ou ampliação de estruturas municipais dedicadas a essa questão, como secretarias municipais, conselhos comunitários e guardas municipais.
É possível a formulação e a implementação de uma política municipal de segurança pública?
É necessário, em primeiro lugar, que o processo abranja a realização de um diagnóstico das di­nâmicas criminais, pois para construir eficientes estratégias de redução da criminalidade, é imprescindível compreender os fatores relacionados à incidência de crime e violência. Uma vez concluído o diagnóstico, a análise das informações nele contidas deve servir de fundamento para a elaboração de um Plano Muni­cipal de Segurança Pública, cujas ações podem ser operacionalizadas pelo órgão municipal responsável pela gestão da segurança pública local, além da guarda municipal, quando houver. Geralmente, a criação do arcabouço institucional municipal na área da segurança pública objetiva viabilizar o planejamento, imple­mentação, gestão, monitoramento e avaliação de ações, projetos e programas realizados com o propó­sito de prevenir a criminalidade e diminuir o sentimento de insegurança da população.
Os municípios podem instituir Gabinetes de Gestão Integrada Municipal (GGIM). O GGIM é um ins­trumento que integra e articula todas as instituições públicas, dos três níveis federativos, responsáveis por prover a segurança pública no âmbito do município.
Por meio das reuniões do GGIM, as instituições que compõem o sistema municipal de segurança pública, em conjunto, discutem sobre a dinâmica da criminalidade local, definem prioridades, formulam estratégias, distribuem a responsabilidade de cada uma das organizações no gerenciamento da segurança pública, monitoram e avaliam os planos de ação implementados, reformulando estratégias e definindo novas intervenções.
Com a finalidade de integrar a sociedade nas ações de segurança pública, promover o conceito de polícia comunitária, fomentar a participação e o controle social, conselhos comunitários de segurança públi­ca podem ser criados, no âmbito das subdivisões territoriais adotadas em cada município.
A Constituição de 1988, no âmbito da segurança pública, confere aos municípios apenas a com­petência para constituírem guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações. Entretanto, isso não impede que os municípios extrapolem as ações de proteção patrimonial e adotem ativi­dades suplementares de prevenção à violência e à criminalidade.
Outra possibilidade de atuação dos municípios na segurança pública, segundo aponta Souza Neto (2008), diz respeito às ações de regulamentação, como a adoção de leis de controle de bebidas alcoólicas. Restrições de caráter administrativo podem exercer importante impacto na prevenção de crimes, às vezes mais significativos do que medidas de caráter penal ou policial. Alguns municípios que delimitaram o horário de funcionamento de bares e restaurantes tiveram a redução do número de homicídios em 60%, como é o caso de Diadema, e a redução de acidentes de trânsito em 70%, como é o caso de Barueri.
É importante destacar os investimentos municipais em políticas de âmbito preventivo, de tipo situ­acional e social, focalizados especificamente na redução da criminalidade e da violência.
1. Os programas de prevenção situacional, de acordo com Cano (2006), visam atenuar as oportuni­dades de ocorrência de crimes ou atos de violência em determinados espaços, através da intervenção direta no ambiente social, especialmente nos fatores que favorecem a dinâmica criminal. São alguns exemplos de prevenção situacional: o investimento na melhoria da iluminação urbana, a recuperação de espaços públicos degradados e o videomonitoramento em locais estratégicos.
2. Os programas de prevenção social, conforme esclarece Cano (2006), são intervenções direciona­das para reduzir os elementos que estruturam a vulnerabilidade, ou seja, os fatores de risco que aumentam a probabilidade de incidência de crimes, violências, e de suas consequências negativas. São exemplos de fatores de risco: a desigualdade social, a cultura do narcotráfico, a violência doméstica, a violação de direitos fundamentais, a fragilização dos vínculos familiares e sociais, a defasagem escolar, a pobre­za, o desemprego, dentre outros.
O Bolsa Família pode ser considerado um exemplo de programa de prevenção social, uma vez que atua para atenuar determinados fatores de risco e promover a proteção social. Por meio da transferência direta de renda, promove o alívio imediato da pobreza; as condicionalidades reforçam o acesso a di­reitos sociais básicos nas áreas de educação, saúde e assistência social; e as ações e programas com­plementares objetivam o desenvolvimento das famílias, de modo que os beneficiários consigam superar a situação de vulnerabilidade.
Cano (2006) analisa que, normalmente, os programas de prevenção social apresentam resultados em médio e longo prazo, pois se fundamentam na transformação das condições de vida ou das relações interpessoais. Entretanto, quando conseguem alcançar o alvo desejado, seu impacto pode ser mais intenso e mais duradouro do que o impacto dos programas de prevenção situacional, que obtém resultados em curto prazo, quando bem desenvolvidos. Portanto, é indicado que ambos os programas preventivos – situ­acional e social – sejam adotados simultaneamente, de forma complementar. Nesse sentido, importantes linhas de atuação para o desenvolvimento de políticas de prevenção à violência e criminalidade, que podem ser incorporados pelos municípios, são sugeridas por Guindani (2004), a saber:
Programas de acesso à justiça e a mecanismos de resolução pacífica de conflitos, reinserção social de egressos do sistema penitenciário e do programa de medidas socioeducativas, policiamento comuni­tário, orientação jurídica e assistência judiciária, oferta descentralizada de serviços de justiça e cidadania, centros de mediação formal e informal de conflitos, núcleos de atendimento a vítimas de violência, apoio à reinserção profissional, comunitária e familiar de egressos, etc.
Programas para a adolescência, a juventude e suas famílias (programas de acesso a atividades culturais e esportivas, educação e qualificação profissional, geração de trabalho, emprego e renda, saúde).
Mobilização social, associativismo e promoção de cultura da paz urbana (apoio à formação e for­talecimento de lideranças, organizações e redes comunitárias, campanhas de comunicação social, programas de educação para a cidadania, promoção de eventos públicos, etc).
Planejamento urbano e qualificação de espaços públicos (ordenação de áreas de grande circula­ção de pessoas, planejamento e controle do trânsito, iluminação pública, criação e requalificação de espaços públicos de convivência e lazer, qualificação do entorno das escolas e parques públicos, regularização fun­diária, adoção de estratégias que previnam a formação de guetos em zonas urbanas e que evitem conflitos entre grupos vizinhos, etc).
Enfrentamento de fatores de risco (abuso de álcool e outras drogas, disponibilidade de armas de fogo e outros fatores identificados em cada local) e aumento dos fatores de proteção (GUINDANI, 2004, pp. 82 – 83).
Diversos gestores municipais, a partir da década de 1990, começaram a investir em segurança pública, com a adoção de diferentes formatos institucionais, apresentando multiplicidade tanto na estrutu­ração da arquitetura organizacional quanto nas estratégias de intervenções adotadas.
O atual contexto da gestão municipal da segurança pública revela, segundo Guindani (2004, p. 75), baixa institucionalidade, descontinuidade frequente, ausência de trabalhos avaliativos e de siste­matização das experiências existentes”. Além disso, diversos gestores municipais hesitam em assumir responsabilidades nessa área específica, sobretudo porque não constitui uma obrigação legal do governo municipal.
A assunção de atribuições em qualquer área de políticas públicas, na ausência de imposições cons­titucionais, está diretamente associada à estrutura de incentivos oferecida pelo nível de governo interessado e, vale ressaltar, que os incentivos para a gestão municipal da segurança pública são restritos, ao menos os financeiros. O repasse de recursos financeiros do governo federal ocorre mediante o lançamento de editais anuais, em que os municípios interessados submetem propostas.
Os projetos que apresentam maior consonância com os requisitos delineados pela SENASP são fi­nanciados pelo governo federal, com contrapartida financeira dos municípios. Apesar disso, a participação dos municípios na gestão da segurança pública vem crescendo progressivamente, assim como a relevância desse ente federativo na redução da violência e criminalidade, sobretudo quando se entende que a promo­ção da paz e da ordem social demanda não apenas ações de cunho repressivo, mas também ações de cunho preventivo.

Saiba mais:
  • A redemocratização do país marcou um novo momento do arranjo federativo brasileiro.
  • A valorização dos municípios pode ser percebida pelo reconhecimento desta instância, pela primeira vez na história, como um ente federativo.
  • Tipos de prevenção:
    • Prevenção primária: A prevenção não é percebida como de competência exclusiva das agências de segurança pública, mas também de famílias, escolas e sociedade civil.
    • Prevenção secundária: Esse tipo de prevenção está fundamentado na noção de risco e proteção.
    • Prevenção terciária: Atua quando já houve vitimização, procurando evitar a reincidência do autor e promover a reabilitação individual e social da vítima.
  • Um município que desejar aderir ao PRONASCI deve obrigatoriamente criar um Gabinete de Gestão integrada


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