Alberto
Afonso Landa Camargo 1
Toda
vez que se fala em polícia no Brasil idealiza-se a instituição.
Tratam-na como se, de repente, vivêssemos num país onde tudo é
maravilhoso e apenas a polícia destoa desta regra. Age-se como se o
policial seja um alienígena brutalizado e incapaz que acabou de cair
em um mundo perfeito onde ninguém comete erros. Só ele os cometem.
Caídos neste mundo perfeito, os policiais e suas atitudes passam a
ser questionados pelos idealistas
do sistema, que não entendem que razões levam a polícia a, em
alguns casos, tratar com violência determinada pessoa. É como se a
violência não existisse e a polícia fosse a responsável por
trazê-la ao mundo, fosse causa dela e não sua consequência.
Pretende-se,
desta forma, que a polícia brasileira seja diferente de qualquer
outra e não trate o criminoso como tal, mas como alguém que precise
unicamente de educação e seja ela o ente preparado exatamente para
transmitir esta educação. Vê-se a polícia como uma instituição
destoante
da realidade, uma polícia violenta em uma sociedade que não é
violenta, uma polícia corrupta em uma sociedade que não é
corrupta, uma polícia despreparada em uma sociedade cujo preparo é
exemplo para o mundo. Queres uma polícia educada e prestativa como
se ela não fizesse parte da mesma sociedade que nada tem de educada
e de prestativa.
A
polícia não só é um organismo mal conhecido quanto ao seu
desempenho, como as pessoas ignoram as suas missões e a sua
capacidade de desempenhá-las em razão dos diversos entraves que
existem, sejam de condições materiais, intelectuais ou humanas.
Toda vez que a polícia é procurada por alguém, pretende esta
pessoa que ela seja capaz de resolver todos os seus problemas e não
quer saber o interessado se isto está dentro da sua competência ou
não. Por não ser uma instituição conhecida, a sociedade acaba
mitificando a polícia e acreditando que ela é aquela instituição
retratada em filmes que dão notícia de uma incomum competência e
capacidade em tudo resolver. Não compreendem que a realidade não é
aquela dos filmes em que tudo se resolve em cerca de duas horas,
terminando a história com um longo beijo entre o casal de mocinhos.
Diante disto, proliferam as cobranças como se o crime fosse uma
atividade a ser combatida unicamente pela polícia. É como se isto
não dependesse de um sistema judiciário ágil e eficiente, de um
acompanhamento do preso que lhe permita ser recuperado para a volta
ao convívio social e de medidas preventivas em todos os setores. Nem
tudo, portanto, que diz respeito ao crime é problema que deve ser
enfrentado unicamente pela polícia.
O
fato é que não existem fórmulas prontas para que se tenha no
Brasil uma polícia que atenda os reclamos da sociedade. Aliás,
mesmo nas sociedades mais desenvolvidas temos visto que polícia
nenhuma os atende na totalidade.
Esta
idealização, a crença de que uma polícia deve ser capaz de
resolver tudo sem, em algum momento, usar a violência e que deva ser
imune a erros e a desvios de conduta, tem feito com que proliferem
fórmulas que, sem qualquer estudo, são apresentadas como milagrosas
para que se crie uma polícia ideal.
Como
modelo de polícia democrática já se apresentou até a ideia de
desmilitarização das polícias militares. Desconhece-se que a mera
adjetivação, seja ela de militar ou civil, não é responsável
pela maior ou menor competência policial. O que importa é a sua
destinação. Se ela, apesar de a adjetivação militar não
for destinada ou empregada nas atividades que pressuponham combates e
tratos com pessoas vistas como inimigas, mas preparada e empregada
efetivamente como polícia e voltada ao bem das comunidades, pouco
importa que a sua estrutura seja militar ou civil. Chega-se a tal
contradição que, ao mesmo tempo em que se invoca a necessidade de
desmilitarização das polícias, clama-se pelo emprego das
forças armadas, que são militares por excelência.
A
formação dos seus efetivos e a visão de que a sociedade deve
sempre ser vista como amiga, mesmo naqueles casos em que precisam ser
coibidos crimes ou simples desvios de conduta, é que vão determinar
a sua maior ou menor eficiência e não a mera adjetivação que
unicamente define a sua estrutura como corpo.
Trata-se
o Brasil como se o país fosse o único no mundo a ter uma polícia
adjetivada de militar. Desconhece-se que na Itália ainda existem
os Carabinieri, a Espanha ainda conte com a sua Guardia
Civil (que apesar da adjetivação, é militar), a França
ainda disponha da Gendarmerie, o Chile possua uma das
polícias mais respeitadas da América Latina, os Carabineros,
e a Holanda mantenha a Rijkspolitie, todas elas
organizações militares voltadas à atividade policial como o é
a Polícia Militar brasileira.
Uma
polícia democrática, independente da adjetivação de civil ou
de militar, precisa deixar de ser conservadora, de centralizar-se
em conceitos e comandos apegados a tradições que fundamentaram
sua criação e abdicar de manter-se destoante das necessidades
sociais como se a polícia não fizesse parte da mesma sociedade
que jura defender.
|
O
estudo e a adequação de comportamentos policiais às necessidades e
interesses da comunidade tendem a fazer da polícia uma instituição
democrática. Ela assim será à medida que atenda as necessidades
individuais e de grupos que requerem seus serviços da mesma forma
que atende os interesses dos governos, desde que estes sejam voltados
aos interesses da população, orientando suas atividades conforme
requeira o cidadão. Um policial amigo, prestativo, capaz de resolver
conflitos e consciente de que faz parte da sociedade e não é
alijado dos seus interesses, com certeza fará uma polícia
democrática.
Não
é preciso, portanto, macromudanças nas instituições policiais
para que elas sejam democráticas. Basta que se mudem alguns
comportamentos relacionados com o trabalho e que o policial
interprete que o crime e o criminoso são coisas excepcionais e não
a regra com que devem ser tratados os cidadãos.
CAMARGO,
Alberto Afonso Landa. Uma visão sistêmica da segurança pública.
SISTEMA
DE SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL
Identificar
as características estruturais do sistema de policiamento
brasileiro;
Reconhecer
os critérios de diferenciação entre as forças policiais
brasileiras e identificar as consequências da diferenciação
funcional no campo institucional policial;
Identificar
propostas referentes a uma reestruturação do campo institucional
policial como alternativa para a construção de um novo modelo do
sistema policial;
Reconhecer
o “papel”
e a “função”
das polícias brasileiras na sociedade democrática; e
Conscientizar-se da importância de uma polícia cidadã.
Introdução
O
que seria polícia?
A
ação de policiamento e a definição funcional não permitem
distinguir claramente o que é polícia.
O
conceito moderno de polícia compreende três dimensões:
1)
Caráter público.
A
organização policial é uma agência pública, formada, paga e
controlada pelo governo.
2)Especialização
O
policiamento é direcionado, principalmente, à aplicação da
força física.
3)Profissionalização
Preparação
explícita para a realização de funções exclusivas da
atividade policial. A profissionalização envolve recrutamento
por mérito, treinamento formal, evolução na carreira
estruturada, disciplina sistemática e trabalho em tempo integral.
A
partir dessas três dimensões, é possível definir Polícia como
uma instituição especializada e profissional, autorizada pelo
Estado para manutenção da ordem social através da aplicação
da força física, cujo monopólio pertence ao Estado.
As
características que definem a polícia moderna – caráter
público, especialização e profissionalização, não se
constituem em requisitos únicos para a definição de uma força
policial.
Afinal,
o que define a polícia?
|
Para Bayley, o termo Polícia se refere a pessoas autorizadas por um grupo para regular as relações interpessoais dentro deste grupo através da aplicação de força física.(BAYLEY,2001:20).
Tal definição contém necessariamente três elementos definidores para a existência da polícia:
1)Força física;2) Uso interno da Força3)Autorização coletiva |
A
polícia a serviço da comunidade é, portanto, condição definidora
de sua própria existência.
Os
atributos de força física, uso interno e autorização coletiva
definem o conceito de Polícia e estão articulados ao formato
contemporâneo das organizações policiais que remetem ao caráter
público, à especialização e à profissionalização, aspectos
estruturais da organização policial no Brasil, cuja constituição
se processo um a formação do Estado Nacional Brasileiro
3.1.
A estrutura do sistema de policiamento brasileiro.
Sistema
de policiamento
O
Estado Nacional Brasileiro apresenta um sistema de policiamento
moderadamente descentralizado e multiplamente descoordenado.
SISTEMA
DESCENTRALIZADO
Dentre
os direitos sociais e individuais assegurados a todos os cidadãos
brasileiros pela Constituição de 1988 (*), destaca-se a preservação
da ordem pública e a defesa das pessoas e do patrimônio.
A
preservação destes direitos é dever do Estado, exercida a partir
das esferas Federal e Estadual. O controle sobre o policiamento
público é, portanto, exercido independentemente por cada unidade
federativa sobre suas respectivas forças policiais ,com competência
prevista na Constituição Federal, Constituição Estadual e Leis
Orgânicas Estaduais, enquanto que a união possui força policial
própria (Polícia Federal) com competência prevista na
Constituição.
Organização
e Funcionamento das Polícias Civis Estaduais e do Distrito Federal.
Constituição
de1988(*)
Art.
144. A segurança pública, dever do Estado, direito e
responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da
ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio,
através dos seguintes órgãos:
I
– polícia federal;
II
- polícia rodoviária federal;
III
- polícia ferroviária federal;
IV-
polícias civis;
V
- polícias militares e corpos de bombeiros militares.
A
direção operacional das forças policiais não parte de um único
comando centralizado, uma vez que a constituição de 1988
subordinou a polícia civil, polícia militar e o corpo de
bombeiros aos Governadores dos Estados e do Distrito Federal2.
|
Dessa
forma, o exercício da segurança pública nacional é realizado por
intermédio dos seguintes órgãos:
Polícia
Federal - É
instituída por lei como órgão permanente, estruturado em carreira
e destinado a apurar infrações penais contra a ordem política e
social ou em detrimento de bens e serviços de interesse da União ou
de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como
outras infrações cuja prática tenha repercussão
interestadual ou internacional
e exija a repressão uniforme. Também é sua função prevenir e
reprimir o tráfico ilícito3
de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho4,
sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos
nas respectivas áreas de competência. Tem ainda como incumbência,
exercer as funções de polícia marítima, aérea e de fronteiras,
além de exercer, com exclusividade, as funções de polícia
judiciária da União.
Polícia
Rodoviária Federal - Destina-se
ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais.
Polícia
Ferroviária Federal -Destina-se
ao patrulhamento ostensivo das ferrovias.
Polícias
Civis - Dirigidas
por delegados de polícia de carreira, devem exercer, ressalvada a
competência da União, a apuração das infrações penais,
investigando os crimes
para identificar as bases legais para a acusação de um suspeito,
exceto dos militares; além das funções de polícia judiciária,
que auxili ao Ministério Público no processo de construção da
culpa legal.
Polícias
Militares e Corpos de Bombeiros Militares
- As polícias militares são responsáveis pela polícia ostensiva e
a preservação da ordem pública. Atuando uniformizada, é
responsável pelo policiamento nas ruas, agindo em situações de
conflito e de
assistência emergencial. Os corpos de bombeiros militares têm como
atribuições a atuação em casos de emergências, prevenção e
combate a incêndios, afogamentos, resgate, além da execução das
atividades de defesa civil.
Saiba
mais…
SISTEMA
MULTIPLAMENTE DESCOORDENADO
O
sistema brasileiro de policiamento caracteriza-se pela existência de
forças múltiplas e descoordenadas entre si. Um sistema é
multiplamente descoordenado “quando mais de uma força tem
autoridade sobre a mesma área” (Bayley,
2001: 71), gerando na maioria das vezes um processo de “concorrência”
e “sobreposição”
entre forças policiais distintas.
Esse
processo de “concorrência” e “sobreposição” de poderes foi
marcante na configuração das forças policiais nos primórdios da
República. Conforme demonstrou BRETÃS
no início do século XX, transitavam pelas ruas do Rio de Janeiro
policiais civis e militares, guardas nacionais e noturnos além de
militares do exército e da armada, todos eles dotados de autoridade
sobre a população.
A
disputa de autoridade policial e de atribuições se dava também
entre as polícias civil e militar, cada qual objetivando fundar o
princípio de sua autoridade sobre a outra. O controle e a guarda de
presos são ilustrativos desse processo.
A
Constituição Federal de 1988 destinou um capítulo específico para
o tratamento da matéria. No Título V, artigo 144, consagra o dever
do Estado, bem como o direito e a responsabilidade de todos nas
questões relativas a essa garantia; destacando o exercício em prol
da preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do
patrimônio, efetuado pelas polícias federal, rodoviária federal,
ferroviária federal, civil, militar e corpo de bombeiros. Não
obstante a ausência de considerações explícitas, suas atividades
incluem a participação do Poder
Judiciário, do Ministério Público e do Sistema Penitenciário.
Dessa forma, objetivou-se através da interação de órgãos
estatais e comunidade, a prevenção e o controle das manifestações
da violência, garantindo o exercício da cidadania, bem maior
tutelado pelo sistema democrático.
Entretanto,
a gestão independente de cada unidade federativa sobre suas
respectivas forças policiais e as atribuições específicas de cada
órgão exige extremo equilíbrio na coordenação das diversas
políticas públicas implementadas, para concretizar a interação
necessária prevista pela abordagem eleita. A omissão da
análise deste aspecto contribuiu para o fracasso dos projetos
implementados, bem como a fomentação de discursos
demagógicos
e na retórica vazia segundo os quais a brutalidade policial
significa, sobretudo, competência (SOARES,
2006).
Com isso, o policiamento brasileiro assumiu as características de um
sistema moderadamente
descentralizado
e multiplamente
descoordenado,
haja vista o
exercício de mais de uma força sobre a mesma área,
enfatizando a competição e sobreposição de autoridades (JÚNIOR,
2008).
disponível
em:
<http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5157
>. acesso em 22 jun 2019.
Polícia
Militar - A
polícia militar
exercia o policiamento ostensivo e controlava aguardados presos nas
delegacias, funções que influíam diretamente no trabalho da
polícia civil. As queixas sobre prisões e solturas irregulares eram
feitas de parte a parte a todo momento, acirrando o processo de
concorrência de forças. Com o resultado das reformas policiais
levadas a efeito nos primeiros anos do século XX, foi criada a
Guarda Civil.
A
multiplicidade das forças repressivas atuando no mesmo espaço gerou
inúmeros conflitos entre os membros destas forças exigindo grande
esforço por parte da organização policial
(polícias civil e militar) no sentido de afirmar o seu monopólio do
exercício repressivo, delimitando suas fronteiras com as demais
instituições armadas, ou dotadas de poderes coercitivos (Exército,
Armada, guardas nacionais e noturnos–polícia municipal).
A
disputa de autoridade policial e de atribuições se dava também
entre as polícias civil e militar, cada qual objetivando fundar o
princípio de sua autoridade sobre a outra. O controle e aguarda de
presos são ilustrativos desse processo.
Guarda
Civil -
Corporação destinada a executar o policiamento ostensivo
uniformizado juntamente às Polícias Militares e que, até 1965,
esteve abrigada na estrutura administrativa das Polícias civis dos
principais estados brasileiros.
Essa
conformação estrutural e administrativa da Guarda Civil reforçou o
caráter múltiplo/descoordenado do sistema policial brasileiro.
Percebemos assim que o padrão histórico do policiamento no Brasil –
desde o Império (1822-1889) até os dias atuais, têm sido o da
existência de, no mínimo, duas polícias atuando no mesmo espaço
geográfico (o âmbito das províncias e, mais tarde, dos estados
federados).
Autoridade
concorrente -
No Brasil essa unidade é a Polícia Federal criada em 1967 com
poderes para lidar com as responsabilidades que transcendem às
das unidades governamentais subordinadas, tem atuação ampla e
ativa nos estados federados não necessitando de obter permissão
local para agir. Ocorre assim, uma sobreposição de autoridade
entre a Polícia
Federal e as Polícias Civis e Militar,
todas com autoridade conjunta de ação em território comum.
|
Caráter
Descoordenado -
Exemplo típico desta situação está no enfrentamento e apuração
dos crimes de tráfico de drogas, que embora seja da competência
da Polícia Federal,é apurado de forma contumaz pelas polícias
estaduais, através de convênios firmados entre Estados e a
União.
|
3.2
- Permanências e mudanças do sistema brasileiro de policiamento
A
estrutura do sistema de policiamento brasileiro, multiplamente
descoordenado e moderadamente descentralizado, não se alterou ao
longo do tempo. Atualmente no Brasil há duas polícias por estado,
três polícias da União, mais uma série de Guardas Municipais (ou
civis metropolitanas).
No
Brasil, distinguimos as forças policiais pelo critério funcional,
identificado por Medeiros
como especialização “extra-organizacional”.
Neste sentido, no mesmo espaço geográfico, uma polícias e ocupa da
investigação (Polícia Civil) e a outra executa as tarefas
paramilitares e de patrulhamento (Polícia Militar).
Divisão
funcional, ou especialização extra-organizacional
das Polícias Civil e Militar é resultado, segundo Medeiros,
da formação incompleta do Campo Institucional Policial e
consequente adesão das Polícias Militar e Civil aos campos da
Defesa e da Justiça respetivamente. As trocas institucionais entre
as polícias militar e civil privilegiaram, ao longo dos anos – em
diferentes contextos políticos, as organizações de Defesa –
Exército, e da Justiça – Poder Judiciário, e não as próprias
polícias que mantiveram-se afastadas uma da outra.
O
Brasil não é exceção em termos de números de força policial. Na
Alemanha, até 1975, cada unidade federada organizava sua (s) polícia
(s). Na França e Itália, são duas as organizações nacionais,
além de forças paramilitares especiais e forças das comunas ou
cidades. Nos Estados Unidos, em 1980, havia 19.691 forças
registradas no Departamento de Justiça. (MEDEIROS,2004:278).
No entanto, o que nos diferenciados países citados é o critério
funcional e não geográfico das forças policiais.
Saiba
mais...Nos países mencionados (Alemanha, Itália, França, Estados
Unidos) a diferenciação entre as forças policiais ocorre pelo
critério geográfico. Em regra cada organização realiza as três
tarefas policiais: polícia de ordem, polícia criminal, polícia
urbana. Por exemplo, nos Estados Unidos na mesma organização
policial há officers
patrulhando as ruas e detectives
investigando crimes.
O
campo institucional é definido por um processo de isomorfismo
entre determinadas organizações, que compartilham mitos e fontes de
legitimidade e que tendem a adotar as mesmas “regras do jogo”
devido à intensa troca de recursos (técnicos e institucionais) que
estabelecem entre si.
No
Brasil, o campo institucional policial foi definido por um processo
de isomorfismo entre a Polícia Civil e o Sistema Judiciário e entre
a Polícia Militar e o Exército.
De
acordo com Medeiros,
o processo de isomorfismo pode ocorrer por:
Força
mimética (mimetismo):
consiste na imitação organizacional, ou seja, na adoção –
intencional ou não, de uma organização preexistente como modelo
para a criação de uma nova.
Força
coercitiva: é
o exercício direto – formal ou informal – de controle de uma
organização sobre outra.
Força
normativa: é
aquela do padrão profissional – membros de diferentes
organizações, oriundos da mesma “profissão”,
tendem a reivindicar os mesmos direitos e rotinas.
A
institucionalização do campo policial no Brasil ainda não se
completou, uma vez que as polícias se inseriram na periferia do
campo institucional da Justiça e do Exército em detrimento ao
fortalecimento de um campo institucional próprio. 5
CONSEQUÊNCIAS
NEGATIVAS PARA O CAMPO INSTITUCIONAL POLICIAL:
Dificuldade
na troca de pessoal entre as organizações, visto que os policiais
têm “profissões” diferentes (força normativa);
Reforço
das relações isomórficas entre a Polícia Civil e Justiça e entre
a Polícia Militar e Exército;
A
estrutura militar não é vista como adequada às tarefas civis e
vice-versa;
Descentralização
de comando; e pouca troca de recursos técnicos e institucionais
entre as duas polícias.
A
relação isomórfica realça alguns mitos institucionais das duas
corporações policiais que apesar de ineficientes ainda permeiam o
imaginário policial e fundamentam as práticas policiais.
VEJA
OS MITOS INSTITUCIONAIS RELACIONADOS ÀS POLICIAS CIVIL E MILITAR:
Segurança
Pública (Polícia Civil)
Diretamente
relacionado com o problema do crime e do criminoso. Esta
perspectiva tem dificuldade de enxergar o crime no atacado, como
um fenômeno político – social e histórico, e sequer olha para
aquelas questões da ordem pública que nada tenham a ver com
crime: Se a violência campeia, seria porque faltam leis mais
duras; seria porque “a polícia prende e a justiça solta”;
seria por causa da burocracia dos inquéritos; da falta de pessoal
e recursos materiais nas delegacias.
A
avaliação da polícia em geral relaciona-se à quantidade de
inquéritos realizados e de infratores levados aos tribunais,
pouco importando as ações de prevenção, os crimes que não
tenham caído nas malhas do sistema, perdidos na imensidão das
“cifras obscuras”; e os crimes que podem vir a ocorrer.
|
“Ordem
Pública” (Polícia Militar)
Falar
de ordem pública é, curiosamente, falar de desordem pública, de
combate, de guerra, contra inimigos abstratos que, no atacado,
estariam à espreita em lugares suspeitos e determinados.
Considerando
o crime como uma patologia intolerável e os conflitos de
interesses como desarrumação da ordem, o modelo militar tem a
pretensão de “vencer”
os criminosos, de erradicar o crime, de “acabar” com a
“desordem”.
Imagina-se que a violência campeia é porque os efetivos são
insuficientes; porque a polícia judiciária fica nas delegacias;
porque a polícia está menos armada que os bandidos; porque falta
motivação e “garra”
aos policiais.
Quanto
maior o número de “cercos”,
”incursões”,
“operações”,
“ocupações”
e blitz
(bloqueios policiais), melhor.
|
Nem
pensar em séries históricas das taxas de criminalidade e
vitimização.
Polícia
Civil (visão penalista)
Conduzida
preferencialmente por operadores do direito.
Prevalece
a visão segundo a qual os problemas do crime e da ordem públicas
e resolvem com a lei penal.
Polícia
Militar (visão militarista)
Os
problemas do crime e da ordem se resolveriam com a força.
As
relações isomórficas geram uma relação de propriedade das
Polícias às es feras da Defesa e da Justiça:
A
Polícia Militar por força mimética (imitação)
adotou soluções organizacionais do Exército;
Já
as Polícias Civis possuem uma estrutura análoga à do Poder
Judiciário e, sua própria razão de ser, está em atuar como
agência do sistema criminal, destacando-se nesse processo sua
função de investigação(*)6.
|
Segurança
pública e aplicação da lei penal confundem-se com a
identificação das polícias Civil e Militar, em relação ao
campo da Defesa e da Justiça. Isso é indicativo de que ainda não
está completa a conquista democrática da separação
institucional Polícia-Justiça
e Polícia-Exército.
|
A
estrutura do sistema de policiamento brasileiro manteve-se
praticamente intacta desde a sua formação, admitindo a coexistência
de duas forças policiais distintas (Polícia “de
ordem” -
Polícia Militar - e a Polícia “de criminalidade” - Polícia
Civil), que não compartilham recursos técnicos e institucionais e,
portanto, não se inserem em um campo institucional próprio(*)7.
Polícia
“de ordem” - Polícia Militar
X
Polícia “de criminalidade”
Saiba
mais …
Provavelmente
o único caso de mudança de categoria em uma estrutura de
policiamento nacional ocorreu nas Filipinas, onde a Polícia
Integrada Nacional substituiu aproximadamente quinze mil forças
locais e a Guarda-Civil Filipina Rural, em 1975. As Filipinas
moveram-se de um sistema coordenado múltiplo, descentralizado, para
um sistema único , centralizado. (BAYLEY,2001:77)
.
A
discussão sobre o papel das polícias começa a tomar forma a partir
dos anos 1980 quando começa a ser questionado pela sociedade
brasileira.
As
polícias passam a ser vistas como serviço público essencial.
Importantes mudanças apontam para um novo modelo do sistema policial
ainda que fundado na estrutura policial já existente (multiplicidade
de forças, comando descentralizado), veja algumas das principais
mudanças:
Alguns
estados criam outras agências de controle externo, como as
ouvidorias de Polícia;
A
segurança Pública é tema de discussão envolvendo acadêmicos,
movimentos sociais, políticos e as próprias lideranças policiais;
e
A
discussão da segurança pública e do crescimento da criminalidade
se dá tendo como pano de fundo o paradigma do Estado democrático de
direito.
Veja
outras mudanças:
Além
dos controles da Justiça (comum e militar) e do Exército, as
polícias passam a ser controladas pelo Ministério Público,
instituição que representa toda a sociedade na supervisão de
serviços públicos;
A
legitimidade das polícias passa a ser embasada no princípio da
igualdade perante a lei;
Busca-se
a aproximação com o público e o gerenciamento mais eficaz nas
relações entre polícia e sociedade de modo que a sociedade
reconheça a polícia como instituição confiável, capaz de
responder ao “problemas de polícia”;
Busca-se
a aproximação com o público e o gerenciamento mais eficaz nas
relações entre polícia e sociedade de modo que a sociedade
reconheça a polícia como instituição confiável, capaz de
responder aos “problemas de polícia”;
As
polícias respondem à burocracia central, aos poderes privados e
locais e ao conjunto da comunidade política;
As
polícias buscam reagir ao aumento da criminalidade estabelecendo a ç
õ e s policiais baseadas em estudos e análises sobre o fenômeno
criminal;
As
polícias civil e militar passam a entender a tradicional distância
organizacional entre ambas como fator de ineficiência na realização
da tarefa de policiamento; prioriza-se assim a troca de recursos e
outras formas de aproximação entre as polícias;
Valorização
das “operações conjuntas” de ambas as polícias – ideia de
“integração”“ das policias, destacando a proposta de
unificação metodológica em termo de coleta e armazenamento de
dados;
Subordinação
da mesma à Secretaria de Segurança Pública;
Criação
de conselhos de “defesa social” nos quais têm assento as
polícias militar e civil;
Vislumbra-se
a maior participação do Poder Executivo Federal na política de
segurança;
Reelaborações
dos códigos de ética e dos currículos das academias de Polícia; e
Diálogo
entre as polícias e as universidades (centros de pesquisa em
criminalidade, segurança pública e violência).
Saiba
mais…
A
Constituição de 1988 marca o momento a partir do qual a sociedade
brasileira passa a reivindicar uma polícia “cidadã”,
respeitadora dos direitos civis, políticos e sociais. Vimos surgir
“mitos institucionais” alternativos e de mudança na natureza das
Polícias Civil e Militar, abrindo caminho para a conformação de um
“campo institucional policial
próprio” envolvendo a troca e o pertencimento das forças
policiais nacionais .
TENDÊNCIAS
-
A tendência atual no Brasil aponta para
a colaboração, coordenação e integração entre as forças
policiais. A criação da SENASP, órgão subsidiado e direcionado
pelo governo federal é indicativo desse processo.
-
Através da atuação deste órgão, vimos surgir um esforço na
esfera federal de estímulo à promoção no âmbito estadual e
municipal para a elaboração de planos e programas integrados de
segurança pública.
-
As forças policiais são estimuladas a se coordenarem com um
objetivo comum de controle e prevenção da violência e da
criminalidade. No entanto, a existência deste órgão não implica
numa centralização do comando policial.
Verifica-se
em alguns estados brasileiros, a tendência de fortalecimento das
forças policiais locais e de outras instituições ligadas ao
sistema de defesa social, que sob o comando da administração
estadual (como por exemplo, em Minas Gerais é a Secretaria de Defesa
Social) passam a estabelecer ações de mútua colaboração no que
se refere ao estudo do fenômeno criminal e a elaboração de
diagnósticos mais eficientes para a orientação de ações
conjuntas de prevenção e repressão com um objetivo pré-definido,
implicando ainda na troca de dados e informações que são
trabalhados em conjunto para um policiamento mais eficaz.
Esse
processo, portanto, atua contrariamente aos movimentos de
centralização na medida em que pretende aumentar a eficiência do
policiamento local prescindindo assim de um comando policial
centralizado que é, em última instância, indicativo da ineficácia
das forças locais.
Por
outro lado, o crescente aumento da criminalidade no país vem
possibilitando um repensar sobre as funções sociais das
organizações policiais quebrando o “mito” de que a polícia
deva ser especializada primordialmente no combate ao crime.
O
“mito” da polícia “caçadora de bandidos” tem se sustentado
ao longo de sua existência na definição legal de suas funções,
segundo o qual cabe à polícia proteger a vida e a propriedade.
Neste
sentido a polícia deveria ser especializada em intervenções de
emergência em que a vida e a propriedade estivessem em perigo e em
capturar criminosos após os crimes terem sido cometidos.
Seguindo
essa lógica, a prevenção do crime seria atingida através do
desencorajamento, da rapidez e da segurança ao levar os criminosos
frente a frente com a justiça, para que fossem julgados e punidos.
Para
Bayley,
(BAYLEY,
2001:234) este tipo de especialização das funções/atividades
policiais gera uma simplificação do trabalho policial e exige da
instituição uma obrigação política: mostrar à sociedade sua
eficácia como agente de prevenção de crimes, comprovando que o que
faz resulta num aumento de proteção, em ausência de crimes.
No
contexto atual de aumento da criminalidade, surge um paradoxo que
coloca em questionamento a própria existência da polícia: A
concentração no combate ao crime ao ser colocado como parâmetro de
eficiência do trabalho policial acaba por desvelar a incapacidade e
a ineficiência da ação da polícia em enfrentar e combater o crime
já que o ato da prisão e a investigação de crimes não podem ser
considerados por si só indicativos positivos da prevenção e do
controle do crime e tão pouco geram uma segurança efetiva da
população.
Delineia-se
assim, outra tendência bastante expressiva na conjuntura
contemporânea referente à função da polícia numa sociedade
democrática, que é o entendimento de que o papel da polícia está
intrinsecamente relacionado com sua inserção na sociedade como
mediadora de conflitos e com a participação e mobilização efetiva
da população.
Neste
sentido, a polícia não pode desprezar as reivindicações sociais
não relacionadas à lei, ou seja, as necessidades da população
geradas a partir da estrutura socioeconômica e das relações
interpessoais.
Conforme
esclarece Bayley:
O
papel da polícia em diminuir a ameaça do crime, portanto, vem não
apenas da prisão de criminosos, mas também através da mobilização
ativa da população, de modo a atingir tanto as causas quanto os
sintomas do crime. Para fazê-lo, a polícia não pode se distanciar
das reivindicações desagregadas; de fato, precisa encarar essas
reivindicações como oportunidade de se envolver nos processos
fundamentais de interação social. Em resumo, a polícia deve se
envolver em situações não relacionadas à lei para proporcionar
uma prevenção de crimes mais eficaz. (BAYLEY , 2001:236).
Assim
sendo, a especialização no combate ao crime não pode ser
considerada como elemento definidor da ação policial uma vez que a
cooperação da população é fator fundamental na prevenção e
resolução de crimes. A configuração no cenário público
brasileiro dessa tendência de um policiamento próximo à sociedade
começou a ser delineado a partir da constituição brasileira de
1988 com a instauração do Estado Democrático de Direito e implica
uma redefinição do papel da polícia em relação à sociedade, a
descentralização da área de comando e o desenvolvimento da ação
civil.
3.3
- POLÍCIA E CONTROLE SOCIAL: O DILEMA ENTRE A LEI E A ORDEM
Conforme
esclarece Costa (COSTA, 2004:35),
a palavra polícia, deriva do termo grego polis, usado para descrever
a constituição e organização da autoridade coletiva. Tem a mesma
origem etimológica da palavra política, relativa ao exercício
dessa autoridade coletiva.
A
referência etimológica da palavra polícia é reveladora da
íntima relação entre Polícia e Política. Se considerarmos a
“Política” como atividade que se relaciona com o “exercício
e a prática do poder” e que “tem relação direta com o
Estado e a sociedade global” (RÉMOND,
2003:444) .
Somos
levados a constatar que a atividade de polícia é essencialmente
política, uma vez que diz respeito à forma como a autoridade
coletiva exerce seu poder (COSTA,2004:35)
.
Para
Bayley a política afeta a polícia assim como a polícia afeta a
política. O regime político do Estado influencia o comando
policial e a extensão da interferência policial na vida
política. Em contrapartida, toda ação policial, por ser
política, acaba moldando os processos sociais, definindo, em
última instância, a vida política de uma sociedade :
A
atividade policial é crucial para se definir a extensão prática
da liberdade humana.
Além
disso, a manutenção de um controle social é fundamentalmente
uma questão política. Não apenas ela define poderosamente o que
a sociedade pode tornar-se, mas é uma qu estão pela qual os
governos têm um grande interesse, porque sabem que sua própria
existência depende disso . Por to das essas razões, a polícia
entra na política, querendo ou não. (BAYLEY
, 2001:203).
|
A
relação entre Polícia, Política e Controle Social apontada por
Bayley, orientará a discussão desta aula e será referência para
que você pense na questão da manutenção do controle social por
parte das polícias no sistema democrático.
O
DILEMA ENTRE A LEI E A ORDEM
É
correto pensar que existe uma tensão entre a manutenção do
controle social e o exercício democrático do poder por parte das
policias?
O
controle social é função central da organização policial numa
sociedade democrática?
Essa
ideia de incompatibilidade entre a manutenção da ordem/controle
social e observância da lei é compartilhada por grande parte da
sociedade brasileira (incluindo policiais, autoridade políticas e
jornalistas), favoráveis ao “endurecimento” da força policial
para a realização do controle social, principalmente em momentos de
aumento do índice de criminalidade do qual decorre um cenário de
medo e insegurança que acabaria por reforçar o uso mais frequente
da força policial na “luta contra o crime”.
De
acordo com Skolnick8
a atividade policial não estaria sujeita à observância das leis,
mas sim à necessidade de controle social que ditaria as necessárias
variações de intensidade e uso da força para garantir a “vitória
contra o crime” .
No
entanto, há um equívoco nessa postura. Não são necessariamente os
limites democráticos impostos às polícias, as causas da sua pouca
eficiência, mas sim a forma como a questão do controle social é
colocada.
Tradicionalmente,
a violência é evidenciada nos termos de Controle Social 9
10exercido
pelo aparelho repressivo estatal. Neste enfoque, a noção de
controle social está diretamente associada à relação entre
sociedade e Estado, sendo o Estado órgão central de controle
social, conforme os autores:
ÉMILE
DURKHEIM
Segundo
o controle social e a partir das noções de “consciência
coletiva, crime e anomia” de Durkheim, um ato é
criminoso quando este é condenado pela sociedade e fere os elementos
da consciência coletiva. Na perspectiva o monopólio estatal da
violência é elemento fundamental para o exercício do controle
social, portanto,a violência privada é vista como uma forma de
rompimento do controle social.
THOMAS
HOBBES
Para
este pensador a violência faz parte do estado de natureza do homem,
caracterizado pela ausência da autoridade política. O “homem é o
lobo do homem”, e para evitar a “guerra de todos contra todos”
é necessário impor mecanismos de controle externos à ação
humana. Somente por meio de um Estado-Leviatã411seria
possível a realização deste controle externo, que também pode ser
chamado de coercitivo.
*
Imagem disponível em:
http://circulofechado.blogspot.com/2015/04/criaturas-o-leviata.html
NORBERT
ELIAS
Aponta
para a necessidade da realização de um controle interno
caracterizado pelas mudanças psicológicas ocorridas ao longo do
processo civilizador. O surgimento de um tipo específico de
autocontrole, chamado “civilizado”, não pode ser dissociado do
processo de construção do Estado.
Controle
social é “a capacidade de uma sociedade
de se autorregular de acordo com princípios e valores desejados”
(COSTA, 2004:38)
|
É
preciso considerar outra linha de discussão sobre a violência que
considera o “conflito social” condição para a estruturação
social. Isso implica dizer que o conflito é algo presente em
qualquer sociedade e surge em função de elementos de dissociação
tais como ódio, inveja e necessidade.
Sociedade
= conflito
Sob
esse aspecto é importante ressaltar que a violência é apenas uma
forma de manifestação do conflito social. O problema que surge não
é o conflito, mas sim os mecanismos sociais disponíveis para
controlá-lo, já que nem a sociedade nem o Estado podem extinguir
por completo os conflitos sociais e a violência decorrente desses
conflitos.
“A
violência é apenas uma entre as diversas formas de manifestação
do conflito social”, portanto, o controle social exercido por
meio da ação repressiva do Estado é apenas uma entre diversas
outras formas de controle social.
Existe uma variedade de tipos e mecanismos de controle social,
cada um resultante de uma configuração social específica.
|
Existem
inúmeras outras funções desempenhadas pelas polícias que não
estão ligadas à função reguladora/coercitiva, tais como:
Assistência
às populações carentes;
Apoio
às atividades comunitárias;
Socorro;
e
Ações
de prevenção conjuntas com as associações comunitárias, entre
outras.
A
ideia de que as polícias são tão somente órgãos executores dos
ditames estatais ou “braços executivos” do Estado e a atribuição
do papel das polícias como instrumentos deste para o exercício do
controle social não se sustentam e devem ser repensados.
Em
relação ao controle social, cabe às polícias desempenhar papel
complementar ao controle social promovido pela sociedade civil,
desenvolvendo atividades relacionadas à administração dos
conflitos sociais.
Assim
entendido, podemos afirmar que:
As
polícias não são as únicas agências estatais encarregadas de
realizar o controle social e tampouco desempenham um papel central
neste controle. Há outras instâncias sociais e estatais
encarregadas de realizar o controle social.
O
papel das polícias na realização do controle social varia de
Estado para Estado. Quanto mais central for esse papel, maior a
possibilidade de conflito entre a lei e a ordem, porque a polícia
atribui ao uso da força seu principal instrumento de atuação. Por
outro lado, se o papel das polícias no controle social não for
central,ou se o instrumento de atuação das polícias não for
fundamentalmente o uso da força, esse conflito perde intensidade.
Entre
as várias atividades que desempenha cabe também a polícia fazer
com que as leis e regulamentos estatais sejam observados.
Quanto
mais legítima for percebida a forma como as polícias realizam suas
tarefas, mais fácil será a aceitação da sua autoridade e,
portanto, menor a necessidade de recurso à violência. O acatamento
da autoridade almejado pelo Estado e seus agentes diz respeito ao
grau de legitimidade de que esta autoridade política desfruta junto
à sociedade.
O
dilema “entre a lei e a ordem” é válido somente para aquelas
situações em que o controle social está baseado principalmente no
aparato repressivo estatal no qual as polícias são os principais
instrumentos.
Nas
situações em que o controle social se estabelece por meio das
relações entre Estado e sociedade civil esse dilema perde a força:
Uma
vez que o Estado e a sociedade civil operam de forma complementar, é
necessário que a atividade policial esteja em acordo com os limites
impostos pela sociedade. Nesse caso o dilema “entre a lei e a
ordem” deixa de existir e dá lugar ao imperativo de controle da
atividade policial, necessário para legitimar a estrutura de
controle social. (COSTA,4:63 )
3.3
- Polícia e sistema democrático: por um novo paradigma
Um
sistema democrático configura-se pela ampliação da participação
política a um grande número de pessoas, no controle e discussão da
política do governo. Para além dessa característica essencial, a
democracia exige um alargamento do debate público de forma
institucionalizada, com mecanismos que integrem os grupos de pressão
e a canalização das demandas sociais e políticas.
Segundo
Marshall, a cidadania implica “um status que em princípio
repousa sobre os indivíduos e que implica igualdade de direitos e
obrigações, liberdades e constrangimentos, poderes e
responsabilidades. Desde a antiguidade até a modernidade,
cidadania tem significado uma certa reciprocidade de direitos e
deveres entre a comunidade política e o indivíduo.” (MARSHALL,
1973:84).
|
Considerando
a dimensão ética, o conceito de cidadania admite também a esfera
da valorização e do respeito ao ser humano. A dimensão existencial
da cidadania compreende que para ser cidadão é preciso ser
respeitado como “pessoa humana12”.
Considerando
a dimensão ética, o conceito de cidadania admite também a esfera
da valorização e do respeito ao ser humano. A dimensão existencial
da cidadania compreende que para ser cidadão é preciso ser
respeitado como “pessoa humana”.
Saiba
mais…
Marshall
aponta para uma cadeia de direitos e obrigações a serem
conquistados pelos cidadãos para a construção e estabelecimento
da cidadania, destacando :
Direitos
Civis: dizem respeito aos
direitos fundamentais dos cidadãos, como a vida, a propriedade e
a igualdade perante a lei. São baseados na ideia de liberdade
individual, que, para ser garantida, pressupões a existência de
um sistema de justiça independente, além da proteção dada pelo
Estado a esses direitos.
Direitos
Políticos: referem-se à
participação de todos, diretamente ou por meio de
representantes, nas decisões da polis. Além do voto, são
direitos políticos a possibilidade de associar-se para demandar
politicamente o livre acesso aos cargos decisórios na arena
política.
Conforme
salientado por Costa (2004:27), a efetivação e a consolidação
do estado de direito implica a ideia de Accountability13,
termo que se refere à adequação entre o comportamento da
polícia e objetivos das comunidades, segundo os princípios de:
Controle
e avaliação pelos cidadãos das ações dos agentes estatais;
Responsabilidade
(jurídica, política e administrativa) dos agentes estatais; e
Transparência
administrativa dos atos desses agentes.
|
Uma
polícia cidadã deve “centrar sua função na garantia e
efetivação dos direitos fundamentais dos cidadãos e na interação
com a comunidade, estabelecendo a mediação e a negociação como
instrumento principal; uma polícia altamente preparada para a
eventual utilização da força e para a decisão de usá-la.”
Texto:
“A
transição de uma polícia de controle para uma polícia cidadã”
Jorge Luiz Paz Bengochea; et.al.
<www.scielo.br/pdf/spp/v18n1/22234.pdf>
A
polícia cidadã é uma polícia que problematiza a segurança,
discute sua complexidade e divide responsabilidades. (BENGOCHEA,
et.al. 204)
As
seguintes características identificam a polícia cidadã:
Direciona-se
para a efetivação e garantia dos Direitos Humanos fundamentais
de todos os cidadãos;
Não
adota uma postura maniqueísta (divisão entre o bem e o mal)
porque admite a complexidade da sociedade consciente de que a
ilegalidade ou infração perpassa todas as classes e os níveis
sociais ;
Compreende
e admite a importância da interdisciplinaridade
da multiagencialidade,
da visão solidária de responsabilidade, da solidariedade e
compartilhamento entre as polícias de competências diversas.
Compreende-se
como elemento inicial no processo de persecução criminal em que
a decisão final– a aplicação da lei – será feita pelo Juiz
de Direito ;
Entende-se
como negociadora e mediadora de conflitos e assume sua
responsabilidade em relação à habilidade de organização do
espaço e da composição do conflito para encaminhamento à
Justiça;
O
papel das polícias na realização do controle social varia de
Estado para Estado. Quanto mais central for esse papel, maior a
possibilidade de conflito entre a lei e a ordem, porque a polícia
atribui ao uso da força seu principal instrumento de atuação.
Por outro lado, se o papel das polícias no controle social não
for central, ou se o instrumento de atuação das polícias não
for fundamentalmente o uso da força, esse conflito perde
intensidade .
Admite
a participação dos cidadãos no processo externo de controle das
atividades policiais (Ouvidorias, Corregedorias externas) ; e
Relaciona-se
com a comunidade nos processos de intervenções nas áreas
sociais que venham interferir na melhoria da vida em coletividade
O
tipo de “controle social” pretendido pela sociedade
brasileira, expresso na Constituição de 1988, fundamenta-se nos
princípios de respeito e valorização do ser humano e permite a
participação e o controle dos cidadãos sobre a atividade
policial.
|
Os
princípios e valores subjacentes ao controle social no atual sistema
político brasileiro apontam para a necessária e urgente redefinição
do papel da polícia, admitindo reformas que visam aumentar o grau de
participação e controle dos cidadãos sobre a atividade policial e
estabelecendo, num processo inédito da história política
brasileira, a interação entre polícia e sociedade.
As
reformas que visam aumentar o grau de controle sobre a atividade
policial não necessariamente implicam a melhoria da performance
dessas instituições no que diz respeito ao controle da
criminalidade. Esse não é exatamente o objetivo deste tipo de
reforma. O grande apelo político de tornar as polícias menos
violentas e autoritárias é torná-las mais confiáveis e úteis à
população. (Costa, 2004: 82).
A
existência de uma polícia a serviço do público é o grande
desafio para a construção de um Estado efetivamente republicano e
para a consolidação da democracia .
3.4
AS CONDIÇÕES DA LEGITIMIDADE POLICIAL.
POLÍCIA
E SOCIEDADE
São
grandes os desafios a serem enfrentados para diminuir o
distanciamento, operado ao longo de décadas por meio de um
policiamento autoritário e repressivo, entre a polícia e a
sociedade.
Entretanto,
esforços no sentido de (re)definição do papel das instituições
policiais no Brasil como órgãos públicos a serviço da
comunidade, já podem ser observadas em ações práticas.
É
o caso, por exemplo, do “Programa de Policiamento Comunitário –
CONSEPS” que vêm sendo desenvolvido em Belo Horizonte.
O
Programa, desenvolvido pelo CRISP – Centro de Estudos de
Criminalidade e segurança Pública, junto à Polícia Militar e
Polícia Civil de Minas Gerais, tem como objetivo “reinventar”
a instituição policial envolvendo o incremento da confiança da
população em relação à polícia e ao direcionamento de sua
atuação na sociedade, por meio da participação das comunidades
nas políticas de planejamento e interferência da ação
policial.
|
1*Alberto
Afonso Landa Camargo é Coronel da reserva remunerada da Brigada
Militar do Rio Grande do Sul, Professor graduado em Letras e em
Filosofia, escritor com vários trabalhos publicados, e pesquisa
2No
Distrito Federal as
polícias militares e corpos de bombeiros foram mantidos como forças
auxiliares e de reserva do Exército, no caso de ameaça à
segurança nacional.
3Tráfico
ilícito ou uso indevido caracteriza-se como importar ou exportar,
remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, semear,
cultivar, colher, expor à venda ou oferecer, fornecer ainda que
gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo,
induzir, instigar, auxiliar, guardar, utilizar local privado de que
tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou
consente que outrem dele se utilize, contribuir de qualquer forma
para incentivar ou difundir o uso, prescrever, ministrar ou
entregar, de qualquer forma, a consumo substância entorpecente ou
que determine dependência física ou psíquica, sem autorização
ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
4
Descaminho é
um crime contra a ordem tributária. Importante ressaltar que com o
advento da Lei 13.008 de 26.6.2014 o crime de descaminho e
contrabando foram desmembrados. Assim o descaminho manteve-se no
art. 334 e o contrabando foi deslocado para o novo art. 334-A, com
pena de 2 a 5 anos. Com a nova redação, os tipos penais
(contrabando e descaminho) passam a ser tratados separadamente,
recebendo penalidades diversas, sendo coerentemente mais gravosa
para o crime de contrabando do que para o crime de descaminho.
CP
- Decreto Lei nº 2.848 de 07 de Dezembro de 1940 (alterado pela lei
nº 13.008/14). Artigo 344
5Campo
Institucional próprio (*)
Pode-se
falar na institucionalização de um campo quando determinados
atores, pertencentes a determinadas organizações e relacionados às
mesmas organizações institucionalizantes, adotam soluções
organizacionais consideradas legítimas e apropriadas. As
organizações passam a sofrer pressões normativas, coercitivas e
miméticas, no sentido de se parecerem umas com as outras.
A especialização extra-organizacional reforça a adesão das polícias aos campos institucionais da Justiça e da Defesa e traz consequências negativas para o campo institucional policial.
6A
investigação busca menos a apuração do crime e mais a
identificação, na “clientela marginal” da organização, de
possíveis autores dos crimes. A função policial não está
orientada para a resolução de conflitos e sim para a “inexorável
punição dos transgressores”(KANTDELIMA,2003:252)
7Campo
institucional próprio
“No
Brasil, as principais agências encarregadas do trabalho de polícia
são organizadas e controladas pelos estados-membros da Federação.
Embora existam algumas agências de polícia sob controle do governo
federal e alguns municípios mantenham guardas municipais, a maior
parte das tarefas de polícia é desempenhada pelas polícias
militares e pelas polícias civis dos estados.
Estudos
comparativos realizados sobre o sistema de policiamento em
diferentes paísesdemonstraram na maioria dos países
contemporâneos que as características estruturais/práticas
administrativas têm permanecido as mesmas desde que eles se
tornaram reconhecíveis como Estados.
Mas,
será que no Brasil essa tendência também se confirma?
Será
que a estrutura policial é adequada ao sistema democrático de
direito?
Devido
à resistência da tradição burocrática já consolidada no país,
é forte a tendência de manutenção do padrão de policiamento
estabelecido no início da formação do nosso Estado.
Propostas
referentes a uma reestruturação do “Campo Institucional
Policial” parecem ganhar corpo na discussão atual sobre as forças
policiais e suas funções na sociedade em detrimento às discussões
que consideram as mudanças estruturais do sistema de policiamento.
8Jerome
Skolnick (* 3 )(1962) destacou o caráter conflitivo da atividade de
controle social por parte das instituições policiais num regime
democrático. Ao mesmo tempo em que as polícias são parte do
aparato estatal de controle social, o exercício de seu poder
coercitivo está limitado por um conjunto de leis e códigos de
conduta, configurando, segundo o autor, o “dilema entre a lei e a
ordem”.
9Para
Skolnick, a preocupação da polícia em interpretar a legalidade,
usando a lei como instrumento de ordem, resulta na sua ineficiência
no exercício do controle social. Se as polícias pudessem manter a
ordem sem se preocupar com os aspectos da legalidade, suas
dificuldades diminuiriam consideravelmente. Entretanto, elas estão
inevitavelmente preocupadas em interpretar a legalidade, uma vez que
usam a lei como instrumento de ordem.(SKOLNICK, 1994:6 – citado
por COSTA,2004:37)
10Controle
social é “a capacidade de uma sociedade de
se autorregular de acordo com princípios e valores desejados”
(COSTA, 2004:38)
11
Leviatã
(em hebraico: לִויְתָָן
;
transl.: Livyatan, Liwyāṯān) é um peixe feroz citado na Tanakh,
ou no Antigo Testamento. É uma criatura que, em alguns casos, pode
ter interpretação mitológica, ou simbólica, a depender do
contexto em que a palavra é usada. Geralmente é descrito como
tendo grandes proporções. É bastante comum no imaginário dos
navegantes europeus da Idade Média e nos tempos bíblicos. No
Antigo Testamento, a imagem do Leviatã é retratada pela primeira
vez no Livro de Jó, capítulo 41. Sua descrição na referida
passagem é breve. Foi considerado pela Igreja Católica durante a
Idade Média, como o demônio representante do quinto pecado, a
Inveja, também sendo tratado com um dos sete príncipes infernais.
Uma nota explicativa revela uma primeira definição: "monstro
que se representa sob a forma de crocodilo, segundo a mitologia
fenícia" (Velho Testamento, 1957: 614). Não se deve perder de
vista que, nas diversas descrições no Antigo Testamento, ele é
caracterizado sob diferentes formas, uma vez que se funde com outros
animais. Formas como a de dragão marinho, serpente e polvo
(semelhante ao Kraken) também são bastante comuns. Leviatã.
Disponível em .
Acesso em 26 mar 2019.
12
ser que distingue ou pretende
se distinguir de todos os outros seres vivos
13Accountability
é um termo da língua inglesa que
pode ser traduzido para o português como responsabilidade com ética
e remete à obrigação, à transparência, de membros de um órgão
administrativo ou representativo de prestar contas a instâncias
controladoras ou a seus representados. Outro termo usado numa
possível versão portuguesa é responsabilização. Também
traduzida como prestação de contas, significa que quem desempenha
funções de importância na sociedade deve regularmente explicar o
que anda a fazer, como faz, por qual motivo faz, quanto gasta e o
que vai fazer a seguir. Não se trata, portanto, apenas de prestar
contas em termos quantitativos mas de auto-avaliar a obra feita, de
dar a conhecer o que se conseguiu e de justificar aquilo em que se
falhou. A obrigação de prestar contas, neste sentido amplo, é
tanto maior quanto a função é publica , ou seja, quando se trata
do desempenho de cargos pagos pelo dinheiro dos contribuintes.
Disponível em: .
Acesso em 26 mar 2019.
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