Sistema de Segurança Pública - ABORDAGEM SISTÊMICA DA SEGURANÇA PÚBLICA.


  1. ABORDAGEM SISTÊMICA DA SEGURANÇA PÚBLICA.

Alberto Afonso Landa Camargo 1
Toda vez que se fala em polícia no Brasil idealiza-se a instituição. Tratam-na como se, de repente, vivêssemos num país onde tudo é maravilhoso e apenas a polícia destoa desta regra. Age-se como se o policial seja um alienígena brutalizado e incapaz que acabou de cair em um mundo perfeito onde ninguém comete erros. Só ele os cometem. Caídos neste mundo perfeito, os policiais e suas atitudes passam a ser questionados pelos idealistas do sistema, que não entendem que razões levam a polícia a, em alguns casos, tratar com violência determinada pessoa. É como se a violência não existisse e a polícia fosse a responsável por trazê-la ao mundo, fosse causa dela e não sua consequência.
Pretende-se, desta forma, que a polícia brasileira seja diferente de qualquer outra e não trate o criminoso como tal, mas como alguém que precise unicamente de educação e seja ela o ente preparado exatamente para transmitir esta educação. Vê-se a polícia como uma instituição destoante da realidade, uma polícia violenta em uma sociedade que não é violenta, uma polícia corrupta em uma sociedade que não é corrupta, uma polícia despreparada em uma sociedade cujo preparo é exemplo para o mundo. Queres uma polícia educada e prestativa como se ela não fizesse parte da mesma sociedade que nada tem de educada e de prestativa.
A polícia não só é um organismo mal conhecido quanto ao seu desempenho, como as pessoas ignoram as suas missões e a sua capacidade de desempenhá-las em razão dos diversos entraves que existem, sejam de condições materiais, intelectuais ou humanas. Toda vez que a polícia é procurada por alguém, pretende esta pessoa que ela seja capaz de resolver todos os seus problemas e não quer saber o interessado se isto está dentro da sua competência ou não. Por não ser uma instituição conhecida, a sociedade acaba mitificando a polícia e acreditando que ela é aquela instituição retratada em filmes que dão notícia de uma incomum competência e capacidade em tudo resolver. Não compreendem que a realidade não é aquela dos filmes em que tudo se resolve em cerca de duas horas, terminando a história com um longo beijo entre o casal de mocinhos. Diante disto, proliferam as cobranças como se o crime fosse uma atividade a ser combatida unicamente pela polícia. É como se isto não dependesse de um sistema judiciário ágil e eficiente, de um acompanhamento do preso que lhe permita ser recuperado para a volta ao convívio social e de medidas preventivas em todos os setores. Nem tudo, portanto, que diz respeito ao crime é problema que deve ser enfrentado unicamente pela polícia.
O fato é que não existem fórmulas prontas para que se tenha no Brasil uma polícia que atenda os reclamos da sociedade. Aliás, mesmo nas sociedades mais desenvolvidas temos visto que polícia nenhuma os atende na totalidade.
Esta idealização, a crença de que uma polícia deve ser capaz de resolver tudo sem, em algum momento, usar a violência e que deva ser imune a erros e a desvios de conduta, tem feito com que proliferem fórmulas que, sem qualquer estudo, são apresentadas como milagrosas para que se crie uma polícia ideal.
Como modelo de polícia democrática já se apresentou até a ideia de desmilitarização das polícias militares. Desconhece-se que a mera adjetivação, seja ela de militar ou civil, não é responsável pela maior ou menor competência policial. O que importa é a sua destinação. Se ela, apesar de a adjetivação militar não for destinada ou empregada nas atividades que pressuponham combates e tratos com pessoas vistas como inimigas, mas preparada e empregada efetivamente como polícia e voltada ao bem das comunidades, pouco importa que a sua estrutura seja militar ou civil. Chega-se a tal contradição que, ao mesmo tempo em que se invoca a necessidade de desmilitarização das polícias, clama-se pelo emprego das forças armadas, que são militares por excelência.
A formação dos seus efetivos e a visão de que a sociedade deve sempre ser vista como amiga, mesmo naqueles casos em que precisam ser coibidos crimes ou simples desvios de conduta, é que vão determinar a sua maior ou menor eficiência e não a mera adjetivação que unicamente define a sua estrutura como corpo.

Trata-se o Brasil como se o país fosse o único no mundo a ter uma polícia adjetivada de militar. Desconhece-se que na Itália ainda existem os Carabinieri, a Espanha ainda conte com a sua Guardia Civil (que apesar da adjetivação, é militar), a França ainda disponha da Gendarmerie, o Chile possua uma das polícias mais respeitadas da América Latina, os Carabineros, e a Holanda mantenha a Rijkspolitie, todas elas organizações militares voltadas à atividade policial como o é a Polícia Militar brasileira.
Uma polícia democrática, independente da adjetivação de civil ou de militar, precisa deixar de ser conservadora, de centralizar-se em conceitos e comandos apegados a tradições que fundamentaram sua criação e abdicar de manter-se destoante das necessidades sociais como se a polícia não fizesse parte da mesma sociedade que jura defender.
O estudo e a adequação de comportamentos policiais às necessidades e interesses da comunidade tendem a fazer da polícia uma instituição democrática. Ela assim será à medida que atenda as necessidades individuais e de grupos que requerem seus serviços da mesma forma que atende os interesses dos governos, desde que estes sejam voltados aos interesses da população, orientando suas atividades conforme requeira o cidadão. Um policial amigo, prestativo, capaz de resolver conflitos e consciente de que faz parte da sociedade e não é alijado dos seus interesses, com certeza fará uma polícia democrática.
Não é preciso, portanto, macromudanças nas instituições policiais para que elas sejam democráticas. Basta que se mudem alguns comportamentos relacionados com o trabalho e que o policial interprete que o crime e o criminoso são coisas excepcionais e não a regra com que devem ser tratados os cidadãos.
CAMARGO, Alberto Afonso Landa. Uma visão sistêmica da segurança pública.

SISTEMA DE SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL
Identificar as características estruturais do sistema de policiamento brasileiro;
Reconhecer os critérios de diferenciação entre as forças policiais brasileiras e identificar as consequências da diferenciação funcional no campo institucional policial;
Identificar propostas referentes a uma reestruturação do campo institucional policial como alternativa para a construção de um novo modelo do sistema policial;
Reconhecer o “papel” e a “função” das polícias brasileiras na sociedade democrática; e Conscientizar-se da importância de uma polícia cidadã.
Introdução
O que seria polícia?
A ação de policiamento e a definição funcional não permitem distinguir claramente o que é polícia.
O conceito moderno de polícia compreende três dimensões:
1) Caráter público.
A organização policial é uma agência pública, formada, paga e controlada pelo governo.
2)Especialização
O policiamento é direcionado, principalmente, à aplicação da força física.
3)Profissionalização
Preparação explícita para a realização de funções exclusivas da atividade policial. A profissionalização envolve recrutamento por mérito, treinamento formal, evolução na carreira estruturada, disciplina sistemática e trabalho em tempo integral.
A partir dessas três dimensões, é possível definir Polícia como uma instituição especializada e profissional, autorizada pelo Estado para manutenção da ordem social através da aplicação da força física, cujo monopólio pertence ao Estado.
As características que definem a polícia moderna – caráter público, especialização e profissionalização, não se constituem em requisitos únicos para a definição de uma força policial.
Afinal, o que define a polícia?

Para Bayley, o termo Polícia se refere a pessoas autorizadas por um grupo para regular as relações interpessoais dentro deste grupo através da aplicação de força física.(BAYLEY,2001:20).

Tal definição contém necessariamente três elementos definidores para a existência da polícia:

1)Força física;

2) Uso interno da Força

3)Autorização coletiva

A polícia a serviço da comunidade é, portanto, condição definidora de sua própria existência.
Os atributos de força física, uso interno e autorização coletiva definem o conceito de Polícia e estão articulados ao formato contemporâneo das organizações policiais que remetem ao caráter público, à especialização e à profissionalização, aspectos estruturais da organização policial no Brasil, cuja constituição se processo um a formação do Estado Nacional Brasileiro

3.1. A estrutura do sistema de policiamento brasileiro.
Sistema de policiamento
O Estado Nacional Brasileiro apresenta um sistema de policiamento moderadamente descentralizado e multiplamente descoordenado.
SISTEMA DESCENTRALIZADO
Dentre os direitos sociais e individuais assegurados a todos os cidadãos brasileiros pela Constituição de 1988 (*), destaca-se a preservação da ordem pública e a defesa das pessoas e do patrimônio.
A preservação destes direitos é dever do Estado, exercida a partir das esferas Federal e Estadual. O controle sobre o policiamento público é, portanto, exercido independentemente por cada unidade federativa sobre suas respectivas forças policiais ,com competência prevista na Constituição Federal, Constituição Estadual e Leis Orgânicas Estaduais, enquanto que a união possui força policial própria (Polícia Federal) com competência prevista na Constituição.
Organização e Funcionamento das Polícias Civis Estaduais e do Distrito Federal.
Constituição de1988(*)
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I – polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV- polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
A direção operacional das forças policiais não parte de um único comando centralizado, uma vez que a constituição de 1988 subordinou a polícia civil, polícia militar e o corpo de bombeiros aos Governadores dos Estados e do Distrito Federal2.
Dessa forma, o exercício da segurança pública nacional é realizado por intermédio dos seguintes órgãos:
Polícia Federal - É instituída por lei como órgão permanente, estruturado em carreira e destinado a apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens e serviços de interesse da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija a repressão uniforme. Também é sua função prevenir e reprimir o tráfico ilícito3 de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho4, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência. Tem ainda como incumbência, exercer as funções de polícia marítima, aérea e de fronteiras, além de exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.
Polícia Rodoviária Federal - Destina-se ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais.
Polícia Ferroviária Federal -Destina-se ao patrulhamento ostensivo das ferrovias.
Polícias Civis - Dirigidas por delegados de polícia de carreira, devem exercer, ressalvada a competência da União, a apuração das infrações penais, investigando os crimes para identificar as bases legais para a acusação de um suspeito, exceto dos militares; além das funções de polícia judiciária, que auxili ao Ministério Público no processo de construção da culpa legal.
Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares - As polícias militares são responsáveis pela polícia ostensiva e a preservação da ordem pública. Atuando uniformizada, é responsável pelo policiamento nas ruas, agindo em situações de conflito e de assistência emergencial. Os corpos de bombeiros militares têm como atribuições a atuação em casos de emergências, prevenção e combate a incêndios, afogamentos, resgate, além da execução das atividades de defesa civil.
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SISTEMA MULTIPLAMENTE DESCOORDENADO
O sistema brasileiro de policiamento caracteriza-se pela existência de forças múltiplas e descoordenadas entre si. Um sistema é multiplamente descoordenado “quando mais de uma força tem autoridade sobre a mesma área” (Bayley, 2001: 71), gerando na maioria das vezes um processo de “concorrência” e “sobreposição” entre forças policiais distintas.
Esse processo de “concorrência” e “sobreposição” de poderes foi marcante na configuração das forças policiais nos primórdios da República. Conforme demonstrou BRETÃS no início do século XX, transitavam pelas ruas do Rio de Janeiro policiais civis e militares, guardas nacionais e noturnos além de militares do exército e da armada, todos eles dotados de autoridade sobre a população.
A disputa de autoridade policial e de atribuições se dava também entre as polícias civil e militar, cada qual objetivando fundar o princípio de sua autoridade sobre a outra. O controle e a guarda de presos são ilustrativos desse processo.
A Constituição Federal de 1988 destinou um capítulo específico para o tratamento da matéria. No Título V, artigo 144, consagra o dever do Estado, bem como o direito e a responsabilidade de todos nas questões relativas a essa garantia; destacando o exercício em prol da preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, efetuado pelas polícias federal, rodoviária federal, ferroviária federal, civil, militar e corpo de bombeiros. Não obstante a ausência de considerações explícitas, suas atividades incluem a participação do Poder Judiciário, do Ministério Público e do Sistema Penitenciário. Dessa forma, objetivou-se através da interação de órgãos estatais e comunidade, a prevenção e o controle das manifestações da violência, garantindo o exercício da cidadania, bem maior tutelado pelo sistema democrático.
Entretanto, a gestão independente de cada unidade federativa sobre suas respectivas forças policiais e as atribuições específicas de cada órgão exige extremo equilíbrio na coordenação das diversas políticas públicas implementadas, para concretizar a interação necessária prevista  pela abordagem eleita. A omissão da análise deste aspecto contribuiu para o fracasso dos projetos implementados, bem como a fomentação de discursos demagógicos e na retórica vazia segundo os quais a brutalidade policial significa, sobretudo, competência (SOARES, 2006). Com isso, o policiamento brasileiro assumiu as características de um sistema moderadamente descentralizado e multiplamente descoordenado, haja vista o exercício de mais de uma força sobre a mesma área,  enfatizando a competição e sobreposição de autoridades (JÚNIOR, 2008).
Polícia Militar - A polícia militar exercia o policiamento ostensivo e controlava aguardados presos nas delegacias, funções que influíam diretamente no trabalho da polícia civil. As queixas sobre prisões e solturas irregulares eram feitas de parte a parte a todo momento, acirrando o processo de concorrência de forças. Com o resultado das reformas policiais levadas a efeito nos primeiros anos do século XX, foi criada a Guarda Civil.
A multiplicidade das forças repressivas atuando no mesmo espaço gerou inúmeros conflitos entre os membros destas forças exigindo grande esforço por parte da organização policial (polícias civil e militar) no sentido de afirmar o seu monopólio do exercício repressivo, delimitando suas fronteiras com as demais instituições armadas, ou dotadas de poderes coercitivos (Exército, Armada, guardas nacionais e noturnos–polícia municipal).
A disputa de autoridade policial e de atribuições se dava também entre as polícias civil e militar, cada qual objetivando fundar o princípio de sua autoridade sobre a outra. O controle e aguarda de presos são ilustrativos desse processo.
Guarda Civil - Corporação destinada a executar o policiamento ostensivo uniformizado juntamente às Polícias Militares e que, até 1965, esteve abrigada na estrutura administrativa das Polícias civis dos principais estados brasileiros.
Essa conformação estrutural e administrativa da Guarda Civil reforçou o caráter múltiplo/descoordenado do sistema policial brasileiro. Percebemos assim que o padrão histórico do policiamento no Brasil – desde o Império (1822-1889) até os dias atuais, têm sido o da existência de, no mínimo, duas polícias atuando no mesmo espaço geográfico (o âmbito das províncias e, mais tarde, dos estados federados).
Autoridade concorrente - No Brasil essa unidade é a Polícia Federal criada em 1967 com poderes para lidar com as responsabilidades que transcendem às das unidades governamentais subordinadas, tem atuação ampla e ativa nos estados federados não necessitando de obter permissão local para agir. Ocorre assim, uma sobreposição de autoridade entre a Polícia Federal e as Polícias Civis e Militar, todas com autoridade conjunta de ação em território comum.
Caráter Descoordenado - Exemplo típico desta situação está no enfrentamento e apuração dos crimes de tráfico de drogas, que embora seja da competência da Polícia Federal,é apurado de forma contumaz pelas polícias estaduais, através de convênios firmados entre Estados e a União.
3.2 - Permanências e mudanças do sistema brasileiro de policiamento
A estrutura do sistema de policiamento brasileiro, multiplamente descoordenado e moderadamente descentralizado, não se alterou ao longo do tempo. Atualmente no Brasil há duas polícias por estado, três polícias da União, mais uma série de Guardas Municipais (ou civis metropolitanas).
No Brasil, distinguimos as forças policiais pelo critério funcional, identificado por Medeiros como especialização “extra-organizacional”. Neste sentido, no mesmo espaço geográfico, uma polícias e ocupa da investigação (Polícia Civil) e a outra executa as tarefas paramilitares e de patrulhamento (Polícia Militar).
Divisão funcional, ou especialização extra-organizacional das Polícias Civil e Militar é resultado, segundo Medeiros, da formação incompleta do Campo Institucional Policial e consequente adesão das Polícias Militar e Civil aos campos da Defesa e da Justiça respetivamente. As trocas institucionais entre as polícias militar e civil privilegiaram, ao longo dos anos – em diferentes contextos políticos, as organizações de Defesa – Exército, e da Justiça – Poder Judiciário, e não as próprias polícias que mantiveram-se afastadas uma da outra.
O Brasil não é exceção em termos de números de força policial. Na Alemanha, até 1975, cada unidade federada organizava sua (s) polícia (s). Na França e Itália, são duas as organizações nacionais, além de forças paramilitares especiais e forças das comunas ou cidades. Nos Estados Unidos, em 1980, havia 19.691 forças registradas no Departamento de Justiça. (MEDEIROS,2004:278). No entanto, o que nos diferenciados países citados é o critério funcional e não geográfico das forças policiais.
Saiba mais...Nos países mencionados (Alemanha, Itália, França, Estados Unidos) a diferenciação entre as forças policiais ocorre pelo critério geográfico. Em regra cada organização realiza as três tarefas policiais: polícia de ordem, polícia criminal, polícia urbana. Por exemplo, nos Estados Unidos na mesma organização policial há officers patrulhando as ruas e detectives investigando crimes.
O campo institucional é definido por um processo de isomorfismo entre determinadas organizações, que compartilham mitos e fontes de legitimidade e que tendem a adotar as mesmas “regras do jogo” devido à intensa troca de recursos (técnicos e institucionais) que estabelecem entre si.
No Brasil, o campo institucional policial foi definido por um processo de isomorfismo entre a Polícia Civil e o Sistema Judiciário e entre a Polícia Militar e o Exército.
De acordo com Medeiros, o processo de isomorfismo pode ocorrer por:
Força mimética (mimetismo): consiste na imitação organizacional, ou seja, na adoção – intencional ou não, de uma organização preexistente como modelo para a criação de uma nova.
Força coercitiva: é o exercício direto – formal ou informal – de controle de uma organização sobre outra.
Força normativa: é aquela do padrão profissional – membros de diferentes organizações, oriundos da mesma “profissão”, tendem a reivindicar os mesmos direitos e rotinas.
A institucionalização do campo policial no Brasil ainda não se completou, uma vez que as polícias se inseriram na periferia do campo institucional da Justiça e do Exército em detrimento ao fortalecimento de um campo institucional próprio. 5
CONSEQUÊNCIAS NEGATIVAS PARA O CAMPO INSTITUCIONAL POLICIAL:
Dificuldade na troca de pessoal entre as organizações, visto que os policiais têm “profissões” diferentes (força normativa);
Reforço das relações isomórficas entre a Polícia Civil e Justiça e entre a Polícia Militar e Exército;
A estrutura militar não é vista como adequada às tarefas civis e vice-versa;
Descentralização de comando; e pouca troca de recursos técnicos e institucionais entre as duas polícias.
A relação isomórfica realça alguns mitos institucionais das duas corporações policiais que apesar de ineficientes ainda permeiam o imaginário policial e fundamentam as práticas policiais.
VEJA OS MITOS INSTITUCIONAIS RELACIONADOS ÀS POLICIAS CIVIL E MILITAR:
Segurança Pública (Polícia Civil)
Diretamente relacionado com o problema do crime e do criminoso. Esta perspectiva tem dificuldade de enxergar o crime no atacado, como um fenômeno político – social e histórico, e sequer olha para aquelas questões da ordem pública que nada tenham a ver com crime: Se a violência campeia, seria porque faltam leis mais duras; seria porque “a polícia prende e a justiça solta”; seria por causa da burocracia dos inquéritos; da falta de pessoal e recursos materiais nas delegacias.
A avaliação da polícia em geral relaciona-se à quantidade de inquéritos realizados e de infratores levados aos tribunais, pouco importando as ações de prevenção, os crimes que não tenham caído nas malhas do sistema, perdidos na imensidão das “cifras obscuras”; e os crimes que podem vir a ocorrer.
Ordem Pública” (Polícia Militar)
Falar de ordem pública é, curiosamente, falar de desordem pública, de combate, de guerra, contra inimigos abstratos que, no atacado, estariam à espreita em lugares suspeitos e determinados.
Considerando o crime como uma patologia intolerável e os conflitos de interesses como desarrumação da ordem, o modelo militar tem a pretensão de “vencer” os criminosos, de erradicar o crime, de “acabar” com a “desordem”. Imagina-se que a violência campeia é porque os efetivos são insuficientes; porque a polícia judiciária fica nas delegacias; porque a polícia está menos armada que os bandidos; porque falta motivação e “garra” aos policiais.
Quanto maior o número de “cercos”, ”incursões”, “operações”, “ocupações” e blitz (bloqueios policiais), melhor.
Nem pensar em séries históricas das taxas de criminalidade e vitimização.
Polícia Civil (visão penalista)
Conduzida preferencialmente por operadores do direito.
Prevalece a visão segundo a qual os problemas do crime e da ordem públicas e resolvem com a lei penal.
Polícia Militar (visão militarista)
Os problemas do crime e da ordem se resolveriam com a força.
As relações isomórficas geram uma relação de propriedade das Polícias às es feras da Defesa e da Justiça:
A Polícia Militar por força mimética (imitação) adotou soluções organizacionais do Exército;
Já as Polícias Civis possuem uma estrutura análoga à do Poder Judiciário e, sua própria razão de ser, está em atuar como agência do sistema criminal, destacando-se nesse processo sua função de investigação(*)6.
Segurança pública e aplicação da lei penal confundem-se com a identificação das polícias Civil e Militar, em relação ao campo da Defesa e da Justiça. Isso é indicativo de que ainda não está completa a conquista democrática da separação institucional Polícia-Justiça e Polícia-Exército.
A estrutura do sistema de policiamento brasileiro manteve-se praticamente intacta desde a sua formação, admitindo a coexistência de duas forças policiais distintas (Polícia “de ordem” - Polícia Militar - e a Polícia “de criminalidade” - Polícia Civil), que não compartilham recursos técnicos e institucionais e, portanto, não se inserem em um campo institucional próprio(*)7.
Polícia “de ordem” - Polícia Militar
X Polícia “de criminalidade”
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Provavelmente o único caso de mudança de categoria em uma estrutura de policiamento nacional ocorreu nas Filipinas, onde a Polícia Integrada Nacional substituiu aproximadamente quinze mil forças locais e a Guarda-Civil Filipina Rural, em 1975. As Filipinas moveram-se de um sistema coordenado múltiplo, descentralizado, para um sistema único , centralizado. (BAYLEY,2001:77) .
A discussão sobre o papel das polícias começa a tomar forma a partir dos anos 1980 quando começa a ser questionado pela sociedade brasileira.
As polícias passam a ser vistas como serviço público essencial. Importantes mudanças apontam para um novo modelo do sistema policial ainda que fundado na estrutura policial já existente (multiplicidade de forças, comando descentralizado), veja algumas das principais mudanças:
Alguns estados criam outras agências de controle externo, como as ouvidorias de Polícia;
A segurança Pública é tema de discussão envolvendo acadêmicos, movimentos sociais, políticos e as próprias lideranças policiais; e
A discussão da segurança pública e do crescimento da criminalidade se dá tendo como pano de fundo o paradigma do Estado democrático de direito.
Veja outras mudanças:
Além dos controles da Justiça (comum e militar) e do Exército, as polícias passam a ser controladas pelo Ministério Público, instituição que representa toda a sociedade na supervisão de serviços públicos;
A legitimidade das polícias passa a ser embasada no princípio da igualdade perante a lei;
Busca-se a aproximação com o público e o gerenciamento mais eficaz nas relações entre polícia e sociedade de modo que a sociedade reconheça a polícia como instituição confiável, capaz de responder ao “problemas de polícia”;
Busca-se a aproximação com o público e o gerenciamento mais eficaz nas relações entre polícia e sociedade de modo que a sociedade reconheça a polícia como instituição confiável, capaz de responder aos “problemas de polícia”;
As polícias respondem à burocracia central, aos poderes privados e locais e ao conjunto da comunidade política;
As polícias buscam reagir ao aumento da criminalidade estabelecendo a ç õ e s policiais baseadas em estudos e análises sobre o fenômeno criminal;
As polícias civil e militar passam a entender a tradicional distância organizacional entre ambas como fator de ineficiência na realização da tarefa de policiamento; prioriza-se assim a troca de recursos e outras formas de aproximação entre as polícias;
Valorização das “operações conjuntas” de ambas as polícias – ideia de “integração”“ das policias, destacando a proposta de unificação metodológica em termo de coleta e armazenamento de dados;
Subordinação da mesma à Secretaria de Segurança Pública;
Criação de conselhos de “defesa social” nos quais têm assento as polícias militar e civil;
Vislumbra-se a maior participação do Poder Executivo Federal na política de segurança;
Reelaborações dos códigos de ética e dos currículos das academias de Polícia; e
Diálogo entre as polícias e as universidades (centros de pesquisa em criminalidade, segurança pública e violência).
Saiba mais…
A Constituição de 1988 marca o momento a partir do qual a sociedade brasileira passa a reivindicar uma polícia “cidadã”, respeitadora dos direitos civis, políticos e sociais. Vimos surgir “mitos institucionais” alternativos e de mudança na natureza das Polícias Civil e Militar, abrindo caminho para a conformação de um “campo institucional policial próprio” envolvendo a troca e o pertencimento das forças policiais nacionais .
TENDÊNCIAS
- A tendência atual no Brasil aponta para a colaboração, coordenação e integração entre as forças policiais. A criação da SENASP, órgão subsidiado e direcionado pelo governo federal é indicativo desse processo.
- Através da atuação deste órgão, vimos surgir um esforço na esfera federal de estímulo à promoção no âmbito estadual e municipal para a elaboração de planos e programas integrados de segurança pública.
- As forças policiais são estimuladas a se coordenarem com um objetivo comum de controle e prevenção da violência e da criminalidade. No entanto, a existência deste órgão não implica numa centralização do comando policial.
Verifica-se em alguns estados brasileiros, a tendência de fortalecimento das forças policiais locais e de outras instituições ligadas ao sistema de defesa social, que sob o comando da administração estadual (como por exemplo, em Minas Gerais é a Secretaria de Defesa Social) passam a estabelecer ações de mútua colaboração no que se refere ao estudo do fenômeno criminal e a elaboração de diagnósticos mais eficientes para a orientação de ações conjuntas de prevenção e repressão com um objetivo pré-definido, implicando ainda na troca de dados e informações que são trabalhados em conjunto para um policiamento mais eficaz.
Esse processo, portanto, atua contrariamente aos movimentos de centralização na medida em que pretende aumentar a eficiência do policiamento local prescindindo assim de um comando policial centralizado que é, em última instância, indicativo da ineficácia das forças locais.
Por outro lado, o crescente aumento da criminalidade no país vem possibilitando um repensar sobre as funções sociais das organizações policiais quebrando o “mito” de que a polícia deva ser especializada primordialmente no combate ao crime.
O “mito” da polícia “caçadora de bandidos” tem se sustentado ao longo de sua existência na definição legal de suas funções, segundo o qual cabe à polícia proteger a vida e a propriedade.
Neste sentido a polícia deveria ser especializada em intervenções de emergência em que a vida e a propriedade estivessem em perigo e em capturar criminosos após os crimes terem sido cometidos.
Seguindo essa lógica, a prevenção do crime seria atingida através do desencorajamento, da rapidez e da segurança ao levar os criminosos frente a frente com a justiça, para que fossem julgados e punidos.
Para Bayley, (BAYLEY, 2001:234) este tipo de especialização das funções/atividades policiais gera uma simplificação do trabalho policial e exige da instituição uma obrigação política: mostrar à sociedade sua eficácia como agente de prevenção de crimes, comprovando que o que faz resulta num aumento de proteção, em ausência de crimes.
No contexto atual de aumento da criminalidade, surge um paradoxo que coloca em questionamento a própria existência da polícia: A concentração no combate ao crime ao ser colocado como parâmetro de eficiência do trabalho policial acaba por desvelar a incapacidade e a ineficiência da ação da polícia em enfrentar e combater o crime já que o ato da prisão e a investigação de crimes não podem ser considerados por si só indicativos positivos da prevenção e do controle do crime e tão pouco geram uma segurança efetiva da população.
Delineia-se assim, outra tendência bastante expressiva na conjuntura contemporânea referente à função da polícia numa sociedade democrática, que é o entendimento de que o papel da polícia está intrinsecamente relacionado com sua inserção na sociedade como mediadora de conflitos e com a participação e mobilização efetiva da população.
Neste sentido, a polícia não pode desprezar as reivindicações sociais não relacionadas à lei, ou seja, as necessidades da população geradas a partir da estrutura socioeconômica e das relações interpessoais.
Conforme esclarece Bayley:
O papel da polícia em diminuir a ameaça do crime, portanto, vem não apenas da prisão de criminosos, mas também através da mobilização ativa da população, de modo a atingir tanto as causas quanto os sintomas do crime. Para fazê-lo, a polícia não pode se distanciar das reivindicações desagregadas; de fato, precisa encarar essas reivindicações como oportunidade de se envolver nos processos fundamentais de interação social. Em resumo, a polícia deve se envolver em situações não relacionadas à lei para proporcionar uma prevenção de crimes mais eficaz. (BAYLEY , 2001:236).
Assim sendo, a especialização no combate ao crime não pode ser considerada como elemento definidor da ação policial uma vez que a cooperação da população é fator fundamental na prevenção e resolução de crimes. A configuração no cenário público brasileiro dessa tendência de um policiamento próximo à sociedade começou a ser delineado a partir da constituição brasileira de 1988 com a instauração do Estado Democrático de Direito e implica uma redefinição do papel da polícia em relação à sociedade, a descentralização da área de comando e o desenvolvimento da ação civil.
3.3 - POLÍCIA E CONTROLE SOCIAL: O DILEMA ENTRE A LEI E A ORDEM
Conforme esclarece Costa (COSTA, 2004:35), a palavra polícia, deriva do termo grego polis, usado para descrever a constituição e organização da autoridade coletiva. Tem a mesma origem etimológica da palavra política, relativa ao exercício dessa autoridade coletiva.
A referência etimológica da palavra polícia é reveladora da íntima relação entre Polícia e Política. Se considerarmos a “Política” como atividade que se relaciona com o “exercício e a prática do poder” e que “tem relação direta com o Estado e a sociedade global” (RÉMOND, 2003:444) .
Somos levados a constatar que a atividade de polícia é essencialmente política, uma vez que diz respeito à forma como a autoridade coletiva exerce seu poder (COSTA,2004:35) .
Para Bayley a política afeta a polícia assim como a polícia afeta a política. O regime político do Estado influencia o comando policial e a extensão da interferência policial na vida política. Em contrapartida, toda ação policial, por ser política, acaba moldando os processos sociais, definindo, em última instância, a vida política de uma sociedade :
A atividade policial é crucial para se definir a extensão prática da liberdade humana.
Além disso, a manutenção de um controle social é fundamentalmente uma questão política. Não apenas ela define poderosamente o que a sociedade pode tornar-se, mas é uma qu estão pela qual os governos têm um grande interesse, porque sabem que sua própria existência depende disso . Por to das essas razões, a polícia entra na política, querendo ou não. (BAYLEY , 2001:203).
A relação entre Polícia, Política e Controle Social apontada por Bayley, orientará a discussão desta aula e será referência para que você pense na questão da manutenção do controle social por parte das polícias no sistema democrático.
O DILEMA ENTRE A LEI E A ORDEM
É correto pensar que existe uma tensão entre a manutenção do controle social e o exercício democrático do poder por parte das policias?
O controle social é função central da organização policial numa sociedade democrática?
Essa ideia de incompatibilidade entre a manutenção da ordem/controle social e observância da lei é compartilhada por grande parte da sociedade brasileira (incluindo policiais, autoridade políticas e jornalistas), favoráveis ao “endurecimento” da força policial para a realização do controle social, principalmente em momentos de aumento do índice de criminalidade do qual decorre um cenário de medo e insegurança que acabaria por reforçar o uso mais frequente da força policial na “luta contra o crime”.
De acordo com Skolnick8 a atividade policial não estaria sujeita à observância das leis, mas sim à necessidade de controle social que ditaria as necessárias variações de intensidade e uso da força para garantir a “vitória contra o crime” .
No entanto, há um equívoco nessa postura. Não são necessariamente os limites democráticos impostos às polícias, as causas da sua pouca eficiência, mas sim a forma como a questão do controle social é colocada.
Tradicionalmente, a violência é evidenciada nos termos de Controle Social 9 10exercido pelo aparelho repressivo estatal. Neste enfoque, a noção de controle social está diretamente associada à relação entre sociedade e Estado, sendo o Estado órgão central de controle social, conforme os autores:
ÉMILE DURKHEIM
Segundo o controle social e a partir das noções de “consciência coletiva, crime e anomia” de Durkheim, um ato é criminoso quando este é condenado pela sociedade e fere os elementos da consciência coletiva. Na perspectiva o monopólio estatal da violência é elemento fundamental para o exercício do controle social, portanto,a violência privada é vista como uma forma de rompimento do controle social.
THOMAS HOBBES
Para este pensador a violência faz parte do estado de natureza do homem, caracterizado pela ausência da autoridade política. O “homem é o lobo do homem”, e para evitar a “guerra de todos contra todos” é necessário impor mecanismos de controle externos à ação humana. Somente por meio de um Estado-Leviatã411seria possível a realização deste controle externo, que também pode ser chamado de coercitivo.
NORBERT ELIAS
Aponta para a necessidade da realização de um controle interno caracterizado pelas mudanças psicológicas ocorridas ao longo do processo civilizador. O surgimento de um tipo específico de autocontrole, chamado “civilizado”, não pode ser dissociado do processo de construção do Estado.

Controle social é “a capacidade de uma sociedade de se autorregular de acordo com princípios e valores desejados” (COSTA, 2004:38)
É preciso considerar outra linha de discussão sobre a violência que considera o “conflito social” condição para a estruturação social. Isso implica dizer que o conflito é algo presente em qualquer sociedade e surge em função de elementos de dissociação tais como ódio, inveja e necessidade.
Sociedade = conflito
Sob esse aspecto é importante ressaltar que a violência é apenas uma forma de manifestação do conflito social. O problema que surge não é o conflito, mas sim os mecanismos sociais disponíveis para controlá-lo, já que nem a sociedade nem o Estado podem extinguir por completo os conflitos sociais e a violência decorrente desses conflitos.
A violência é apenas uma entre as diversas formas de manifestação do conflito social”, portanto, o controle social exercido por meio da ação repressiva do Estado é apenas uma entre diversas outras formas de controle social. Existe uma variedade de tipos e mecanismos de controle social, cada um resultante de uma configuração social específica.
Existem inúmeras outras funções desempenhadas pelas polícias que não estão ligadas à função reguladora/coercitiva, tais como:
Assistência às populações carentes;
Apoio às atividades comunitárias;
Socorro; e
Ações de prevenção conjuntas com as associações comunitárias, entre outras.
A ideia de que as polícias são tão somente órgãos executores dos ditames estatais ou “braços executivos” do Estado e a atribuição do papel das polícias como instrumentos deste para o exercício do controle social não se sustentam e devem ser repensados.
Em relação ao controle social, cabe às polícias desempenhar papel complementar ao controle social promovido pela sociedade civil, desenvolvendo atividades relacionadas à administração dos conflitos sociais.
Assim entendido, podemos afirmar que:
As polícias não são as únicas agências estatais encarregadas de realizar o controle social e tampouco desempenham um papel central neste controle. Há outras instâncias sociais e estatais encarregadas de realizar o controle social.
O papel das polícias na realização do controle social varia de Estado para Estado. Quanto mais central for esse papel, maior a possibilidade de conflito entre a lei e a ordem, porque a polícia atribui ao uso da força seu principal instrumento de atuação. Por outro lado, se o papel das polícias no controle social não for central,ou se o instrumento de atuação das polícias não for fundamentalmente o uso da força, esse conflito perde intensidade.
Entre as várias atividades que desempenha cabe também a polícia fazer com que as leis e regulamentos estatais sejam observados.
Quanto mais legítima for percebida a forma como as polícias realizam suas tarefas, mais fácil será a aceitação da sua autoridade e, portanto, menor a necessidade de recurso à violência. O acatamento da autoridade almejado pelo Estado e seus agentes diz respeito ao grau de legitimidade de que esta autoridade política desfruta junto à sociedade.
O dilema “entre a lei e a ordem” é válido somente para aquelas situações em que o controle social está baseado principalmente no aparato repressivo estatal no qual as polícias são os principais instrumentos.
Nas situações em que o controle social se estabelece por meio das relações entre Estado e sociedade civil esse dilema perde a força:
Uma vez que o Estado e a sociedade civil operam de forma complementar, é necessário que a atividade policial esteja em acordo com os limites impostos pela sociedade. Nesse caso o dilema “entre a lei e a ordem” deixa de existir e dá lugar ao imperativo de controle da atividade policial, necessário para legitimar a estrutura de controle social. (COSTA,4:63 )
3.3 - Polícia e sistema democrático: por um novo paradigma
Um sistema democrático configura-se pela ampliação da participação política a um grande número de pessoas, no controle e discussão da política do governo. Para além dessa característica essencial, a democracia exige um alargamento do debate público de forma institucionalizada, com mecanismos que integrem os grupos de pressão e a canalização das demandas sociais e políticas.
Segundo Marshall, a cidadania implica “um status que em princípio repousa sobre os indivíduos e que implica igualdade de direitos e obrigações, liberdades e constrangimentos, poderes e responsabilidades. Desde a antiguidade até a modernidade, cidadania tem significado uma certa reciprocidade de direitos e deveres entre a comunidade política e o indivíduo.” (MARSHALL, 1973:84).
Considerando a dimensão ética, o conceito de cidadania admite também a esfera da valorização e do respeito ao ser humano. A dimensão existencial da cidadania compreende que para ser cidadão é preciso ser respeitado como “pessoa humana12”.
Considerando a dimensão ética, o conceito de cidadania admite também a esfera da valorização e do respeito ao ser humano. A dimensão existencial da cidadania compreende que para ser cidadão é preciso ser respeitado como “pessoa humana”.
Saiba mais…
Marshall aponta para uma cadeia de direitos e obrigações a serem conquistados pelos cidadãos para a construção e estabelecimento da cidadania, destacando :
Direitos Civis: dizem respeito aos direitos fundamentais dos cidadãos, como a vida, a propriedade e a igualdade perante a lei. São baseados na ideia de liberdade individual, que, para ser garantida, pressupões a existência de um sistema de justiça independente, além da proteção dada pelo Estado a esses direitos.
Direitos Políticos: referem-se à participação de todos, diretamente ou por meio de representantes, nas decisões da polis. Além do voto, são direitos políticos a possibilidade de associar-se para demandar politicamente o livre acesso aos cargos decisórios na arena política.
Conforme salientado por Costa (2004:27), a efetivação e a consolidação do estado de direito implica a ideia de Accountability13, termo que se refere à adequação entre o comportamento da polícia e objetivos das comunidades, segundo os princípios de:
Controle e avaliação pelos cidadãos das ações dos agentes estatais;
Responsabilidade (jurídica, política e administrativa) dos agentes estatais; e
Transparência administrativa dos atos desses agentes.
Uma polícia cidadã deve “centrar sua função na garantia e efetivação dos direitos fundamentais dos cidadãos e na interação com a comunidade, estabelecendo a mediação e a negociação como instrumento principal; uma polícia altamente preparada para a eventual utilização da força e para a decisão de usá-la.”
Texto:
A transição de uma polícia de controle para uma polícia cidadã” Jorge Luiz Paz Bengochea; et.al. <www.scielo.br/pdf/spp/v18n1/22234.pdf>
A polícia cidadã é uma polícia que problematiza a segurança, discute sua complexidade e divide responsabilidades. (BENGOCHEA, et.al. 204)
As seguintes características identificam a polícia cidadã:
Direciona-se para a efetivação e garantia dos Direitos Humanos fundamentais de todos os cidadãos;
Não adota uma postura maniqueísta (divisão entre o bem e o mal) porque admite a complexidade da sociedade consciente de que a ilegalidade ou infração perpassa todas as classes e os níveis sociais ;
Compreende e admite a importância da interdisciplinaridade da multiagencialidade, da visão solidária de responsabilidade, da solidariedade e compartilhamento entre as polícias de competências diversas.
Compreende-se como elemento inicial no processo de persecução criminal em que a decisão final– a aplicação da lei – será feita pelo Juiz de Direito ;
Entende-se como negociadora e mediadora de conflitos e assume sua responsabilidade em relação à habilidade de organização do espaço e da composição do conflito para encaminhamento à Justiça;
O papel das polícias na realização do controle social varia de Estado para Estado. Quanto mais central for esse papel, maior a possibilidade de conflito entre a lei e a ordem, porque a polícia atribui ao uso da força seu principal instrumento de atuação. Por outro lado, se o papel das polícias no controle social não for central, ou se o instrumento de atuação das polícias não for fundamentalmente o uso da força, esse conflito perde intensidade .
Admite a participação dos cidadãos no processo externo de controle das atividades policiais (Ouvidorias, Corregedorias externas) ; e
Relaciona-se com a comunidade nos processos de intervenções nas áreas sociais que venham interferir na melhoria da vida em coletividade
O tipo de “controle social” pretendido pela sociedade brasileira, expresso na Constituição de 1988, fundamenta-se nos princípios de respeito e valorização do ser humano e permite a participação e o controle dos cidadãos sobre a atividade policial.
Os princípios e valores subjacentes ao controle social no atual sistema político brasileiro apontam para a necessária e urgente redefinição do papel da polícia, admitindo reformas que visam aumentar o grau de participação e controle dos cidadãos sobre a atividade policial e estabelecendo, num processo inédito da história política brasileira, a interação entre polícia e sociedade.
As reformas que visam aumentar o grau de controle sobre a atividade policial não necessariamente implicam a melhoria da performance dessas instituições no que diz respeito ao controle da criminalidade. Esse não é exatamente o objetivo deste tipo de reforma. O grande apelo político de tornar as polícias menos violentas e autoritárias é torná-las mais confiáveis e úteis à população. (Costa, 2004: 82).
A existência de uma polícia a serviço do público é o grande desafio para a construção de um Estado efetivamente republicano e para a consolidação da democracia .
3.4 AS CONDIÇÕES DA LEGITIMIDADE POLICIAL.
POLÍCIA E SOCIEDADE
São grandes os desafios a serem enfrentados para diminuir o distanciamento, operado ao longo de décadas por meio de um policiamento autoritário e repressivo, entre a polícia e a sociedade.
Entretanto, esforços no sentido de (re)definição do papel das instituições policiais no Brasil como órgãos públicos a serviço da comunidade, já podem ser observadas em ações práticas.
É o caso, por exemplo, do “Programa de Policiamento Comunitário – CONSEPS” que vêm sendo desenvolvido em Belo Horizonte.
O Programa, desenvolvido pelo CRISP – Centro de Estudos de Criminalidade e segurança Pública, junto à Polícia Militar e Polícia Civil de Minas Gerais, tem como objetivo “reinventar” a instituição policial envolvendo o incremento da confiança da população em relação à polícia e ao direcionamento de sua atuação na sociedade, por meio da participação das comunidades nas políticas de planejamento e interferência da ação policial.

1*Alberto Afonso Landa Camargo é Coronel da reserva remunerada da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, Professor graduado em Letras e em Filosofia, escritor com vários trabalhos publicados, e pesquisa
2No Distrito Federal as polícias militares e corpos de bombeiros foram mantidos como forças auxiliares e de reserva do Exército, no caso de ameaça à segurança nacional.
3Tráfico ilícito ou uso indevido caracteriza-se como importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, semear, cultivar, colher, expor à venda ou oferecer, fornecer ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, induzir, instigar, auxiliar, guardar, utilizar local privado de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, contribuir de qualquer forma para incentivar ou difundir o uso, prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumo substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
4 Descaminho é um crime contra a ordem tributária. Importante ressaltar que com o advento da Lei 13.008 de 26.6.2014 o crime de descaminho e contrabando foram desmembrados. Assim o descaminho manteve-se no art. 334 e o contrabando foi deslocado para o novo art. 334-A, com pena de 2 a 5 anos. Com a nova redação, os tipos penais (contrabando e descaminho) passam a ser tratados separadamente, recebendo penalidades diversas, sendo coerentemente mais gravosa para o crime de contrabando do que para o crime de descaminho. CP - Decreto Lei nº 2.848 de 07 de Dezembro de 1940 (alterado pela lei nº 13.008/14). Artigo 344

5Campo Institucional próprio (*)
Pode-se falar na institucionalização de um campo quando determinados atores, pertencentes a determinadas organizações e relacionados às mesmas organizações institucionalizantes, adotam soluções organizacionais consideradas legítimas e apropriadas. As organizações passam a sofrer pressões normativas, coercitivas e miméticas, no sentido de se parecerem umas com as outras.

A especialização extra-organizacional reforça a adesão das polícias aos campos institucionais da Justiça e da Defesa e traz consequências negativas para o campo institucional policial.

6A investigação busca menos a apuração do crime e mais a identificação, na “clientela marginal” da organização, de possíveis autores dos crimes. A função policial não está orientada para a resolução de conflitos e sim para a “inexorável punição dos transgressores”(KANTDELIMA,2003:252)
7Campo institucional próprio
No Brasil, as principais agências encarregadas do trabalho de polícia são organizadas e controladas pelos estados-membros da Federação. Embora existam algumas agências de polícia sob controle do governo federal e alguns municípios mantenham guardas municipais, a maior parte das tarefas de polícia é desempenhada pelas polícias militares e pelas polícias civis dos estados.
Estudos comparativos realizados sobre o sistema de policiamento em diferentes paísesdemonstraram na maioria dos países contemporâneos que as características estruturais/práticas administrativas têm permanecido as mesmas desde que eles se tornaram reconhecíveis como Estados.
Mas, será que no Brasil essa tendência também se confirma?
Será que a estrutura policial é adequada ao sistema democrático de direito?
Devido à resistência da tradição burocrática já consolidada no país, é forte a tendência de manutenção do padrão de policiamento estabelecido no início da formação do nosso Estado.
Propostas referentes a uma reestruturação do “Campo Institucional Policial” parecem ganhar corpo na discussão atual sobre as forças policiais e suas funções na sociedade em detrimento às discussões que consideram as mudanças estruturais do sistema de policiamento.



8Jerome Skolnick (* 3 )(1962) destacou o caráter conflitivo da atividade de controle social por parte das instituições policiais num regime democrático. Ao mesmo tempo em que as polícias são parte do aparato estatal de controle social, o exercício de seu poder coercitivo está limitado por um conjunto de leis e códigos de conduta, configurando, segundo o autor, o “dilema entre a lei e a ordem”.
9Para Skolnick, a preocupação da polícia em interpretar a legalidade, usando a lei como instrumento de ordem, resulta na sua ineficiência no exercício do controle social. Se as polícias pudessem manter a ordem sem se preocupar com os aspectos da legalidade, suas dificuldades diminuiriam consideravelmente. Entretanto, elas estão inevitavelmente preocupadas em interpretar a legalidade, uma vez que usam a lei como instrumento de ordem.(SKOLNICK, 1994:6 – citado por COSTA,2004:37)
10Controle social é “a capacidade de uma sociedade de se autorregular de acordo com princípios e valores desejados” (COSTA, 2004:38)
11 Leviatã (em hebraico: לִויְתָָן ; transl.: Livyatan, Liwyāṯān) é um peixe feroz citado na Tanakh, ou no Antigo Testamento. É uma criatura que, em alguns casos, pode ter interpretação mitológica, ou simbólica, a depender do contexto em que a palavra é usada. Geralmente é descrito como tendo grandes proporções. É bastante comum no imaginário dos navegantes europeus da Idade Média e nos tempos bíblicos. No Antigo Testamento, a imagem do Leviatã é retratada pela primeira vez no Livro de Jó, capítulo 41. Sua descrição na referida passagem é breve. Foi considerado pela Igreja Católica durante a Idade Média, como o demônio representante do quinto pecado, a Inveja, também sendo tratado com um dos sete príncipes infernais. Uma nota explicativa revela uma primeira definição: "monstro que se representa sob a forma de crocodilo, segundo a mitologia fenícia" (Velho Testamento, 1957: 614). Não se deve perder de vista que, nas diversas descrições no Antigo Testamento, ele é caracterizado sob diferentes formas, uma vez que se funde com outros animais. Formas como a de dragão marinho, serpente e polvo (semelhante ao Kraken) também são bastante comuns. Leviatã. Disponível em . Acesso em 26 mar 2019.
12 ser que distingue ou pretende se distinguir de todos os outros seres vivos
13Accountability é um termo da língua inglesa que pode ser traduzido para o português como responsabilidade com ética e remete à obrigação, à transparência, de membros de um órgão administrativo ou representativo de prestar contas a instâncias controladoras ou a seus representados. Outro termo usado numa possível versão portuguesa é responsabilização. Também traduzida como prestação de contas, significa que quem desempenha funções de importância na sociedade deve regularmente explicar o que anda a fazer, como faz, por qual motivo faz, quanto gasta e o que vai fazer a seguir. Não se trata, portanto, apenas de prestar contas em termos quantitativos mas de auto-avaliar a obra feita, de dar a conhecer o que se conseguiu e de justificar aquilo em que se falhou. A obrigação de prestar contas, neste sentido amplo, é tanto maior quanto a função é publica , ou seja, quando se trata do desempenho de cargos pagos pelo dinheiro dos contribuintes. Disponível em: . Acesso em 26 mar 2019.

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