Primeiramente,
um pouco de História! Afinal, os idiomas acompanharam o homem pelo
passar dos séculos e mantiveram registrados, nas suas estruturas, muitos
elementos relacionados à história dos povos, além de serem a ferramenta
do registro histórico.
Vimos, em História, que os mouros do norte
da África invadiram a Península Ibérica em 711 e por lá se
estabeleceram até 1492, quando os reis católicos Fernando e Isabel
finalizaram a Reconquista e expulsaram os últimos árabes da península.
Esses sete séculos tiveram profundas influências em muitos âmbitos da
vida dos habitantes. Como os árabes não impuseram seus costumes, por
muito tempo três culturas coexistiram na região: a românica, que
resultaria no Reino de Portugal e no de Espanha; a judaica, pois os
judeus sefarditas já se haviam estabelecido na região desde o Império
Romano; e a muçulmana. E havia também os cristãos ‘arabizados’, isto é,
aqueles que incorporaram a cultura árabe, mas não abandonaram a religião
cristã, denominados ‘moçárabes’.
Desse caldeirão cultural, surge a
língua falada que viria a ser oficial no Condado Portucalense, futuro
Reino de Portugal. Os primeiros documentos, contratos de partilha,
testamentos entre outros foram registrados no que se convencionou chamar
‘proto-português’. Apenas no século XII é que vamos ter oficialmente
uma Língua Portuguesa. Até então havia uma literatura moçárabe, que
empregava uma língua de base portuguesa, mas impregnada de palavras
árabes. Foram esses moçárabes que transmitiram os elementos lexicais
árabes para o futuro português.
Os árabes influenciaram na administração, onde deixaram contribuições relacionadas aos cargos públicos, como almoxarife, alcaide, alferes, ou instituições, como alfândega, aduana, aldeia. Alvará é
uma palavra tipicamente árabe e significa o texto que autoriza, e, até
hoje, não teve substituto: continua presente na língua, segundo Antônio
Houaiss (aquele idealizador do dicionário que leva seu nome e da versão
brasileira do Acordo Ortográfico).
Na agricultura, alguns termos (ou o próprio alimento) foram heranças mouras: alface, alcachofra, azeite e azeitona (o romano usava óleo e oliva, e a árvore permaneceu oliveira), arroz, açúcar, alfarroba, tâmara, romã, alfazema, açafrão, alqueire, arroba (estes são unidades de medida).
Nas ciências, é inegável a contribuição, não apenas no vocabulário! Nosso sistema numérico emprega algarismos
(palavra árabe) indo-arábicos (matemáticos persas e árabes os adotaram
na Índia e se encarregaram de difundi-los – graças a Alá, não temos que
fazer cálculos em algarismos romanos!!!). A Química (Alquimia) também deve bastante a esses cientistas: álcool, álgebra, alcaloide, almofariz.
A maioria dessas contribuições lexicais inicia-se por Al ou Az,
que é o artigo definido do árabe, mas por vezes o ‘l’ é assimilado pela
consoante seguinte, como ocorre em ‘Al zayt’, que resultou em azeite e azúcar, no espanhol. Outras marcas da origem árabe são o ‘x’ inicial (xadrez, xarope), o ‘-ife ou -ak’ final (almanaque, almoxarife) (Mas cuidado! Nem todas as palavras iniciadas por ‘al-‘ são de origem árabe… almoço e altura vêm do latim, por exemplo).
Enfim,
a cultura árabe não se sobrepôs à cultura latina da Península Ibérica,
mas marcou indelevelmente o nosso idioma, enriquecendo-o. E quando
surgir uma dúvida ortográfica, lembre-se de que a explicação pode estar
nessas raízes.
Até a próxima!
Margarida Moraes
é formada em Letras pela Universidade de São Paulo (USP). Com mais de
20 anos de experiência, corretora do nosso Curso de Redação Online (clique aqui
para saber mais) e responsável pela resolução das apostila de
Linguagens e Códigos do infoEnem, a professora é colunista de gramática
do nosso portal. Seus textos são publicados todos os domingos. Não
perca!
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